VISITANTES Greda - Grupo de Recuperandos da Dependência de Álcool / Luiz Alberto Bahia: maio 2012

quarta-feira, 23 de maio de 2012

ORELHA DO LIVRO “O mito da doença espiritual na dependência de álcool (Desmistificando Bill Wilson e Alcoólicos Anônimos)”, de minha autoria

 O volume que o leitor tem em mãos deve ser, antes de tudo, definido como um livro ousado. Mais que isso, talvez: corajoso. Durante décadas, desde a fundação de A.A. em meados dos anos 30, nos Estados Unidos, o método de Bill Wilson para a recuperação de dependentes do álcool tem sido reverenciado e aplaudido pelos meios não científicos e, eventualmente, até pela própria comunidade científica, sobretudo porque tem sido visto praticamente como referência única para o tratamento de dependentes de baixo poder aquisitivo.  O presente livro segue na contramão dessa tendência, ainda que solitariamente tenha de assumir as difíceis consequências que daí advém. Contestar uma inclinação de décadas significa no mínimo um risco, e exige ao mesmo tempo uma dose razoável de justificativas que deem conta das responsabilidades que a tarefa demanda. O autor deste livro assume as duas coisas: o risco e a justificativa.
Luiz Alberto Bahia, nasceu em Patos de Minas, MG, em 17/08/1949. É conselheiro em drogadição, fundador do GREDA e do Grupo Fênix, que atuam na orientação, prevenção e no suporte terapêutico à dependentes e suas famílias. Estudioso e especialista em dependência química, com alguns livros publicados na área, denuncia nestas páginas toda a fragilidade das terapias abordadas pelo método de Bill Wilson, provavelmente a prática terapêutica para compulsivos mais disseminada no mundo moderno. Quem conhece superficialmente a história de Bill Wilson sabe que este “AA número 1”, ele mesmo dependente do álcool e corretor da bolsa de valores de Nova York, começou a postular suas teses e seu método, a partir de uma insólita experiência num quarto do Towns Hospital, quando então se encontrava internado devido ao seu grave estado patológico. Bill afirma ter tido naquela oportunidade uma visão extraordinária, uma luz única que o conduzia a uma experiência mística e espiritual, jamais percebida antes, e que, a partir de então, o levaria a considerar-se um convertido religioso com predestinação messiânica. A.A., embora não seja uma entidade religiosa formal, nem tenha vínculos diretos com alguma instituição eclesiástica, fundou-se sob as bases dessa suposta experiência, dita espiritual, e acabou se firmando como um grupo carismático que pratica o culto à personalidade.
Seu fundador acreditava que as raízes da dependência de álcool tinham relação direta com os transtornos de caráter dos indivíduos, e que, a conversão religiosa poderia ser o ponto de partida para o tratamento de uma doença que, no seu íntimo, pressupunha uma manifestação pecaminosa. 
            Não se tratava de uma percepção inteiramente original. A dependência de álcool, como reconhece a comunidade científica, sempre foi tida como uma fraqueza de caráter, uma fragilidade de certas personalidades doentias incapazes de se ajustarem às normas sociais. A essa fragilidade do indivíduo, conforme Bill, o retorno às crenças religiosas – base moral dos famosos Doze Passos instituídos por ele – poderiam significar o aniquilamento da rebeldia imprescindível para a recuperação. Autoritário e preconceituoso, seu método pressupunha indivíduos sem índole, prontos para encontrar na religião uma saída obediente para o seu mal.
            O presente livro propõe alternativas diferentes e, sobretudo, soluções diversas daquilo que propôs Bill, esse americano fundamentalmente capitalista e de origens religiosas ortodoxas e puritanas. Luiz Alberto Bahia, numa séria pesquisa bibliográfica, analisa a vida do “AA número 1”, logrando encontrar nela os traços de um indivíduo competitivo e vaidoso – a exemplo de uma boa parte da sociedade americana –, que negligenciou propositadamente certas bases científicas da dependência do álcool. Encontrou na vida de Bill Wilson, bem como em seus métodos terapêuticos, uma grande mistificação. Mais que visão mística, por exemplo, a experiência no Towns Hospital não passou de alucinações típicas da síndrome de abstinência, constatável mediante uma simples observação científica. E afora isso, o autor nos assegura com inteira convicção: a ciência nos mostra hoje que a dependência do álcool não procura personalidades; antes, pode estar presente em qualquer um, independentemente do caráter, da idade ou da classe social (hoje representa cerca de 13% da população mundial, segundo dados da OMS). Mais que isso: é uma doença de causa multifatorial, com componentes genéticos, motivacionais, e fatores complexos de natureza meramente fisiológica. A considerar tudo isso, é urgente repensar os tratamentos e os programas coadjuvantes, fundamentados nos Doze Passos, que se oferece aos dependentes de álcool. Sem conversões religiosas, sem mistificação. Pode ser um risco, mas Luiz Alberto Bahia prefere assumi-lo. E para isso, tem boas justificativas. Para compreendê-las, é preciso ler este livro.