Um assunto sempre
atual é quanto as recomendações equivocadas sobre o uso de álcool, e como no
momento ele se nos apresenta desafiadoramente, resolvemos reportar um deles,
ainda que ele tenha acontecido há um bom tempo. Trata-se de um artigo escrito
pelo falecido médico, Dr. Moacyr Scliar, para a revista Seleções de Fev./2007.
Achamos de suma importância e destacamos este texto, publicado na página 29 da
referida revista, na sessão “QI Médico – Use a inteligência para cuidae do seu
corpo”, devido as credenciais de seu autor. Este, além de médico é escritor,
com cadeira na Academia Brasileira de Letras, à época de sua divulgação. Ei-lo
na íntegra:
Bebida alcoólica
O uso exagerado de álcool é responsável por numerosos
problemas de saúde. Nos Estados Unidos, morrem mais de 85 mil pessoas por ano
por causa de bebidas alcoólicas, que constituem a terceira causa de morte
naquele país. No Brasil, também temos razão para nos preocupar. Segundo dados
da Secretaria Nacional Antidrogas (sim, o álcool é considerado droga), a
porcentagem de dependentes do álcool aumentou de 11,2% em 2001 para 12,3% em
2005. Isto significa mais pessoas ameaçadas por acidentes, violência, doenças
do fígado, câncer e cardiopatias. Nas grávidas e nos bebês, as consequências
incluem aumento do número de abortos, crianças com baixo peso ao nascimento e
possíveis problemas neurológicos e mentais.
No entanto, estudos mostram que o vinho pode ajudar a
prevenir doenças cardíacas, porque contém flavonoides. O ideal é o consumo
moderado: até dois cálices de vinho por dia, ou uma dose de outra bebida
alcoólica por dia, ou ainda 350 ml de cerveja (uma lata). E, se beber, não
dirija!
OBS.: Logo abaixo do texto a identificação: Moacyr Scliar é
médico especializado em Saúde Pública, escritor e membro da Academia Brasileira
de Letras.
Naquela ocasião escrevemos para a revista alertando para o
que consideramos um grande equívoco. E abaixo transcrevemos a carta:
Cabe algumas observações que julgo muito importantes. Afinal,
a frase de efeito Use a inteligência para
cuidar de seu corpo, espera-se ser refletida no texto. Evidentemente que a
intenção de V.Sas. é louvável, e creio até que a do próprio autor o seja, porém
há um equívoco crasso no seu teor, denotando falta de conhecimento mais
aprofundado sobre o assunto. Fica então evidenciado aí uma incoerência, pois a
orientação “Atenta para a saúde do leitor”, ou então vejamos:
O uso do álcool, e não o uso exagerado, como se lê na
matéria, é extremamente nocivo ao organismo humano, trazendo inúmeros problemas
para os seus usuários, com reflexos também para toda a população,
constituindo-se em caso de saúde pública para a maioria dos países. Conforme
aviso abalizado do Dr. James R. Milan, em seu livro Alcoolismo
– Os mitos e a realidade, não existe uma dose segura para o álcool. E
dependendo do eventual problema de saúde do indivíduo (na maioria das vezes
desconhecido dele), uma única dose pode ser fatal.
Além do mais, como ainda não é possível fazer um diagnóstico
precoce da dependência de álcool, 12% da população, conforme citação do autor
(atualmente a SENAD aponta para 14%) está sujeita a desenvolver essa patologia.
Então temos aí uma indução à dependência dessa nefasta droga. É sabido que a
dependência se inicia com as ingestões de pequenas quantidades de álcool, na
maioria das vezes de bebidas consideradas de baixo teor alcoólico, como no caso
do vinho. O consumo de grande quantidade de álcool se dará apenas nas fases
intermediárias e finais da dependência, fenômeno esse chamado de “tolerância”
pela ciência.
Reconhece ainda o autor do artigo da revista, citando a
SENAD, que o álcool é droga, se esquecendo porém, de que nenhuma outra droga,
mesmo as consideradas lícitas, tem o uso generalizado recomendado,
excetuando-se os casos polêmicos que geram acalorados debates, e geralmente são
levantados por leigos no assunto.
No caso do vinho ali citado a indicação de seu uso por conter
flavonoides é lamentavelmente capciosa. Os flavonoides referidos frequentemente
com grande estardalhaço, não é uma propriedade original do vinho e sim da casca
da uva. Este mesmo flavonóide é encontrado largamente no reino vegetal. Ainda
que fosse uma propriedade exclusiva da casca da uva, seria mais prudente
aconselhar o uso de um copo de suco de uvas às refeições ou um cacho de uvas
como sobremesa, e esta adequada recomendação eu nunca constatei nos tais
especialistas. É bom que se diga que para prevenir as mencionadas doenças
cardíacas, já existem fármacos modernos e seguros, como os elaborados à base do
ácido acetilsalicílico, recomendado pelos cardiologistas.
No final, o autor em momento infeliz, idealiza o consumo de
outras bebidas alcoólicas em proporções que ele julga moderadas.
Lamentavelmente.