Ainda em casa, o álcool mais consumido é mesmo em forma de bebidas. Estatísticas comprovam que o brasileiro consome mais bebidas alcoólicas do que leite.Toma-se álcool no frio para esquentar, no calor para se refrescar, para abrir o apetite, como afrodisíaco (ele pode provocar impotência sexual), para comemorar a vitória do time querido, mas serve também para abafar a tristeza pela derrota deste mesmo time, para comemorar o aniversário de uma pessoa, da cidade, do clube, do casamento. É até mais fácil indagar qual a comemoração existente em nosso país em que não é servido álcool. Na escola ele está tão presente como em qualquer outro lugar, principalmente nas festas juninas. Mas, mesmo em comemorações pagãs e cívicas, ele está entre alunos e professores intimamente, sendo até tratado carinhosamente por eles no diminutivo, de cervejinha, uisquinho ou cachacinha. Em quase todas as religiões, o álcool se faz presente, sendo parte integrante de seus rituais. Inclusive o Cristianismo, a maior religião do mundo ocidental, tem o vinho como um de seus símbolos. O álcool encontra-se fortemente presente no folclore brasileiro e também na música, onde é cantado em prosa e versos. Então assim, tão familiarizado com o álcool desde a tenra idade, o jovem se inicia no mundo da bebida naturalmente.
Dentre todos os jovens brasileiros, em torno de 13% e 14%[1] vão desenvolver a doença da dependência de álcool. Estes jovens que vão desenvolver a doença, a princípio se dão muito bem com essa droga, pois, sob seus efeitos, sentem-se mais animados e capazes de melhorar o desempenho em quaisquer atividades que se proponham a desenvolver. Os tímidos, então, têm o álcool como um aditivo, não apenas para melhorar seu desempenho, mas também para ganhar desenvoltura. Como dizem, ficam incrementados.
Existe ainda outra lei que regulamenta sobre as distâncias mínimas permitidas para funcionamento de estabelecimentos que comercializam bebidas alcoólicas em relação aos estabelecimentos de ensino. Aqui neste caso, além de a lei não funcionar, ainda consta uma questão paradoxal: na maioria dos estabelecimentos de ensino, notadamente nos pertencentes à iniciativa privada, consomem-se e ainda até se vendem bebidas alcoólicas em seu próprio interior.
Ao analisar nossa trajetória na dependência do álcool, geralmente não atinamos para os fatores indutivos que nos levaram ao seu início. É muito comum constatar em trabalhos científicos, principalmente naqueles apresentados em congressos, que o álcool é uma droga que tem seu consumo aceito e até incentivado pela sociedade. A ação do álcool num organismo em formação é muito mais devastadora, e saber que em seu próprio lar e escola o jovem é induzido a iniciar sua trajetória no álcool é profundamente lamentável e indignante. Foi por meio dessas facilitações e fatores indutivos que iniciamos nossa trajetória na dependência de álcool. É evidente que tudo se deu harmoniosamente, uma vez que o álcool não mostra suas garras no princípio; muito pelo contrário, na fase inicial da dependência, chegamos a pensar que ele pudesse ser útil, pois seus efeitos pareciam ser benéficos. Sentíamos que ele melhorava nosso desempenho em qualquer das atividades que praticávamos.
Foi assim para nós, como continua sendo para a geração atual que acredita que o álcool possa melhorar o desempenho dos jovens e dar-lhes desenvoltura. Conforme já dissemos, os tímidos encontram no álcool um aditivo que facilita seus contatos sociais, o que os aproxima das pessoas, trazendo-lhes bem-estar e convívio favorável, bem como disfarça suas inibições. O álcool, a princípio, funciona como estimulante para a maioria das pessoas; no dependente isto é aumentado e a euforia aparentemente é muito mais acentuada. Na verdade os não-dependentes não conseguem sentir os prazeres tão intensamente como os dependentes, no início da dependência.
[1] Até a data em que escrevemos essas linhas, pois a cada ano que passa esses índices vão aumentando.