Assassino de cartunista ficará internado no PR
O acusado pela morte do cartunista Glauco Villas Boas e de seu filho Raoni, Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, o Cadu, de 25 anos, permanecerá por pelo menos três anos internado no Complexo Médico Penal do Paraná, em Piraquara. A sentença tinha sido proferida pelo juiz da 3ª Vara Federal Criminal de Foz do Iguaçu, Mateus de Freitas Cavalcanti Costa, em 27 de maio. Como não houve recurso nem do Ministério Público nem dos advogados do acusado, o juiz federal substituto da mesma Vara, Leandro Cadenas Prado, assinou ontem a execução definitiva, não cabendo mais recursos à decisão.
Cadu foi considerado inimputável por ser portador de esquizofrenia paranóide e, em consequência, incapaz de perceber a gravidade dos atos. De acordo com a sentença, a doença teria sido agravada "por conta do consumo imoderado de substâncias alucinógenas, do fanatismo religioso e da crença no sobrenatural". "Ele não está preso, mas internado em tratamento", disse Prado. "Dentro de três anos, se eventualmente houver uma melhora, pode sair em liberdade". Para que isso ocorra, um laudo deverá ser apresentado atestando o fim da periculosidade do acusado para a sociedade.
Glauco e seu filho foram mortos na madrugada do dia 12 de março de 2010 no sítio em que moravam, em Osasco (SP). Cadu conhecia o cartunista, pois frequentava a Igreja Céu de Maria, que Glauco havia fundado. As investigações apontaram que ele teria chegado ao local em um carro dirigido pelo seu amigo Felipe Iasi, que alegou estar sob ameaça. Iasi foi considerado inocente pelo Ministério Público Federal do Paraná.
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Entendendo todo o caso, principalmente, sobre como nasce uma religião:
AYAHUASCA – ADENDO
(páginas 258-272 do meu livro "O mito da doença espiritual na dependência de álcool (Desmistificando Bill Wilson e Alcoólicos Anônimos)"
Mas há os casos de indução a drogas ilícitas, feitos por outras religiões, mas que a justiça vê literalmente com vendas. Há até o caso de exceções que a justiça concedeu, dando legalidade ao uso de drogas alucinógenas em seus rituais. Uma dessas exceções foi relatada por Richard Dawkins assim:
“No dia 21 de fevereiro de 2006, a Suprema Corte dos Estados Unidos determinou, de acordo com a Constituição, que uma igreja do Novo México deveria ser isentada de cumprir uma lei, a que todo mundo tem de obedecer, que proíbe o uso de drogas alucinógenas. Os integrantes do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal acreditam que só conseguem compreender Deus tomando chá de ayahuasca[1], que contém a droga alucinógena ilegal dimetiltriptamina.” O chá é composto pelas plantas (Banisteriopsis Caapi e Psichotria viridis), é uma bebida resultante do cozimento destas duas plantas isoladamente ou junto com outras. Possui harmalina, tetrahidroharmina no cipó, e na folha, DMT (dimetiltriptamina). É uma bebida muito usada por índios da Amazônia em seus rituais, e existem achados arqueológicos dando conta de seu uso há 2000 a . C.
Por analogia, é de se entender que se o tal professor de Harvard, Timoth Leary – que Richard Nixon chamou de o homem mais perigoso dos EUA -, vivesse nos dias atuais e tentasse fundar sua religião lisergiana – que consumia LSD -, seria bem sucedido. Não só nos EUA como no Brasil.
No Brasil, em 26/01/2010[2], foi publicado no Diário Oficial da União a regulamentação sobre “o uso religioso da Ayahusca”, pois existem religiões no Brasil como a do Santo Daime, que usam a ayahuasca em seus rituais. A seita do Santo Daime possui várias vertentes, mas todas elas usam o chá em seus rituais. Além de estas religiões não sentirem o peso da mão da justiça até a data acima, de agora em diante elas estão sob a proteção desta para fazerem uso da droga, como no caso da sua congênere norte-americana.
Entendemos que estão abrindo um precedente perigoso, pois a ingestão do chá pode desencadear quadros psicóticos permanentes em pessoas com predisposição a essas doenças, ou provocar crises em portadores de doenças como o TBH e a esquizofrenia. Outro perigo representado pelo precedente é que agora as portas estão abertas para o consumo de outras drogas, para as futuras religiões que forem criadas com os mesmos fundamentos. Quando os traficantes de drogas dos morros das grandes cidades brasileiras se atinarem para esse possível nicho, certamente vão tentar encher as favelas de “igrejas” onde se consumiriam outros tipos de drogas. Passando-se por cidadãos probos e crentes esses traficantes espertalhões, poderiam fundar uma “Igreja Mundial da Cannabis” onde se fumaria maconha reverentemente, ou quem sabe, um “Templo Epaduniano” onde se cheiraria cocaína fervorosamente, com o mesmo discurso dos lobistas da Ayahusca. A rigor teriam os mesmos direitos, e para nós, igualmente condenáveis.
Ayahuasca (Adendo)
Novamente nos sentimos na contingência de fazer um novo adendo em nosso trabalho na fase de revisão. Certamente que isso se faz necessário por ser momentoso e esclarecedoramente didático, embora a origem dos fatos seja lamentavelmente trágica. Estamos falando das mortes violentas do cartunista Glauco e de seu filho Raoni, envolvendo o chá do Santo Daime.
Glauco Villas Boas (1957-2010), um renomado e talentoso artista dos quadrinhos que se reconhecia como uma pessoa profundamente mística, tinha sido seguidor do guru indiano Rajneesh, antes de fundar sua própria seita, a Igreja Céu de Maria, segundo seu site oficial no UOL (www.item.com.br/uol/Glauco-siteoficial.htm).
A Igreja Céu de Maria pertence à linha do Santo Daime, e vem a ser um culto com mistura de cristianismo, espiritismo, umbanda e crendices africanas cultuadas a princípio por alguns povos da região amazônica, que se alastraram pelo Brasil e ganharam os Estados Unidos e Europa. Tudo começou com o seringueiro Raimundo Irineu Serra, maranhense de origem e filho de Sancho Martino (ex-escravo), que conheceu o chá da ayahuasca por meio de outro seringueiro, que o apresentou ao xamã peruano de nome Pisango. Segundo citação da Wikipédia, um livro de nome Nosso Senhor Aparecido na Floresta, cujo autor Lúcio Mortimer, seria um seguidor da doutrina do Santo Daime, conta a seguinte história:
O índio Pisango deu o chá a um grupo de caboclos, no qual se incluía Irineu, e eles ao ingerir a beberagem invocaram o demônio para obter dinheiro, e só Irineu viu uma cruz cristã de várias formas e entendeu que a bebida o conectava a Deus. O índio alimentou os pensamentos de Irineu, ao dizer-lhe que apenas ele havia entendido o trabalho e teria condição de levá-lo adiante, pois os demais só pensavam em dinheiro.
Depois de identificado como vegetais mágicos o cipó jagube ou mariri (Banisteriopsis caapi) e a folha chacrona (Psychotrya viridis), Irineu preparou a bebida, que ingeriu com seu amigo Antonio Costa. Este teve visões com uma linda senhora chamada Clara, que revelou ter protegido o Irineu desde sua saída do Maranhão. Dias depois repetiram o uso da bebida e desta vez foi o próprio Irineu que alucinou, olhando para a lua. Dentro do astro estaria uma mulher de rara beleza sentada em um trono, e ela lhe revelou: “Você está escolhido para uma importante missão, mas para isso deverá alimentar-se por oito dias apenas de mandioca cozida, sem sal, abster-se de sexo e álcool, para que nos encontremos novamente”.
Obedecidas as recomendações e ao tomar a bebida novamente, a visão da encantadora mulher se repetiu para Irineu. Ela apresentou-se como a Rainha da Floresta, que na compreensão de Irineu era Nossa Senhora da Conceição, e ela veio a ser a padroeira da doutrina do Santo Daime. A partir dessa data, 1930, Irineu fundou a seita e tornou-se o Mestre Irineu.
Mais uma vez uma alucinação provocada por droga – sempre em conformidade com a bagagem psíquica do alucinado - faz nascer um messias e uma religião. O fundador do Santo Daime foi para Rio Branco, capital do Acre, e por iniciativa própria[3] começou a propor curas físicas e espirituais, até que ganhou fama de curador. Com a morte de Irineu em 1971, um de seus seguidores, de nome Sebastião Mota de Melo investiu como novo líder da seita, e passou a estimular a criação de Igrejas pelo Brasil todo, instituindo a doação de dinheiro para a seita. A seita do Padrinho Sebastião, como é conhecido, chama-se Cefluris - Centro Eclético da Fluente Luz Universal. Dez anos depois a policia flagrou Sebastião com sessenta quilos de maconha em seu acampamento, e a noticia que temos é que ele estava tentando provar na justiça que a maconha era para fins religiosos, não sabemos, no entanto, qual foi o pronunciamento da justiça neste caso.
Outras vertentes do Santo Daime foram criadas. O também seringueiro de nome José Gabriel da Costa criou em 1960 a UDV – União do Vegetal, que rivalizou com os daimistas e difundiu sua doutrina até nos Estados Unidos (dissemos da citação de Richard Dawkins sobre ela) e na Europa, mais precisamente na Espanha. Outro discípulo de Mestre Irineu, Daniel Pereira de Matos, fundou a seita de nome Barquinha. Francisco Granjeiro Filho fundou a Centro Livre Caminho do Sol, Celivre-CS. Em Curitiba existe o Instituto Ayahuasca que se autodenomina Templo Escola. A Umbandaime é outra derivação formada com a mistura da Umbanda com o Santo Daime. A Igreja Céu de Maria é a seita fundada por Glauco, e logo abaixo teceremos algumas análises sobre ela. É conhecido também o movimento chamado Daime New Age, cujo nome sugere envolvimento com a Era de Aquário, ou Nova Era, mas na verdade são grupos de pessoas, geralmente jovens, interessadas tão somente em beber o chá da Ayahuasca para se drogar e procurar emoções na alucinação provocada pelas ervas. Principalmente os jovens procuram no uso dessa droga, saciar sua curiosidade ou sentir os prazeres que outras drogas a principio lhes proporcionaram, sem o inconveniente da polícia ou a justiça lhes botarem as mãos, já que, infelizmente, agora ela é uma droga considerado lícita, para uso religioso.
Ao se procurar informações sobre a droga nas variadas seitas do Santo Daime, depara-se com uma incrível variedade de suposições completamente distorcidas da realidade. Depois há intermináveis explicações mitológicas, sempre ligando os efeitos alucinógenos da droga com divindades e espiritualidade. No meio científico constata-se que o nome Ayahuasca, na linguagem Quéchua dos índios peruanos, o prefixo aya significa espírito ou ancestral e o sufixo huasca significa vinho ou chá, daí “vinho da vida”. Os índios acreditam que a bebida “facilita o desprendimento da alma de seu confinamento corpóreo” (Gonzatto, 2005).
Verdadeiramente o que a ciência já conhece sobre o principio ativo encontrado nas plantas utilizadas para fazer o chá do Santo Daime, é que o cipó (Banisteriopsis caapi) contém harmalina, harmina e tetrahidroharmina, e na folha (Psychotria viridis), contém N, N-dimetiltriptamina (DMT) e é um alcaloide que encerra um potente alucinógeno, incluído entre as chamadas drogas psicodélicas. O maior agravante dessa substância do chá do Santo Daime é que ela está associada a outras substâncias que as tornam ainda piores. Se a dimetiltriptamina por si já é considerada um potente alucinógeno, contudo, segundo um trabalho científico intitulado “Determinação de dimetiltriptamina em H)”, que pode ser‘chá do Santo Daime por Ressonância Magnética Nuclear (RMN encontrado no endereço www.usp.br/siicusp/Resumos/16Siicusp/143.pdf, levado a efeito por Carvalho e col., foi apurado que: “Apresenta pouca atividade farmacológica quando administrada por via oral, uma vez que é degradada pela enzima monoamina oxidase-A (MAO-A). Entretanto, a administração concomitante de inibidores da MAO pode fazer com que os efeitos da DMT se potencializem. Como por exemplo, podemos citar o chá do Santo Daime [...] que, além da DMT contém beta-carbolinas[4], potentes inibidores da MAO.”
Isso em linguagem leiga significa que as enzimas que impedem a absorção da DMT no intestino são neutralizadas pelas beta-carbolionas, e assim o principio ativo alucinógeno não só é admitido no organismo, como também potencializado. Conclui-se com essa demonstração que o chá do Santo Daime, além de conter um potente alucinógeno, a DMT, traz ainda em sua composição, outras substâncias que aumentam seu efeito potencialmente devastador e neutraliza a ação das enzimas que impediriam sua absorção pelo organismo.
Essa substância (DMT) está relacionada pela ONU entre as drogas proibidas e controladas, e o Brasil é signatário juntamente com outros cento e oitenta e dois países. Incoerentemente o Brasil, por intermédio do Conselho Federal de Entorpecentes, mesmo signatário desta Convenção mundial sobre Substâncias Psicotrópicas, em 1992 liberou o uso dela. Conforme já dissemos, o uso religioso dessa substância só foi regulamentado no Brasil em janeiro de 2010. Essa substância está classificada no mesmo rol da LSD e mescalina. Perigosíssimas.
Embora as seitas do Santo Daime divulguem que os vômitos e diarreias provocadas pela droga, sejam de origem espiritual, para provocar a limpeza do corpo e o espírito do adepto, essas informações não fazem o menor sentido. Na literatura científica esses efeitos colaterais são bem conhecidos e se dão unicamente por reações físico-quimicas. É muito bem conhecido no meio científico que o uso desse chá provoca vertigens, náuseas, vômitos intensos, diarreias, palpitação cardíaca, tremores e midríase, além da euforia, excitação agressiva e alucinações. Em 1997 no nosso livro Drogas: evite ou saia, não morra, já alertávamos para o fato de essa droga causar estados, ou surtos psicóticos em seus usuários, baseados nas literaturas científicas.
O CEBRID – Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (www.unifesp.br/dpsicobio/cebrid/folhetos/cogumelos_htm) informa que “as alucinações podem aparecer espontaneamente em casos de psicoses, sendo que destas a mais comum é a doença mental chamada esquizofrenia. Também pode ocorrer em pessoas normais (que não têm doença mental) que tomam determinadas substâncias ou drogas alucinógenas, isto é, que ‘geram’ alucinações. Estas drogas são também chamadas de psicomiméticas por ‘imitarem’ ou ‘mimetizarem’ um dos mais evidentes sintomas das psicoses – as alucinações. [...] É também chamada por alguns autores de psicodélicas e é utilizada quando a pessoa apresenta alucinações e delírios em certas doenças mentais ou por ação de drogas. É obvio que estas alterações não significam expansão da mente.” De acordo com o dicionário Aurélio, psicodélico que vem do grego, [De psic(o)- + gr. dêlos, 'visível', 'manifesto', 'evidente', + -ico2.].
De volta ao cerne do assunto deste adendo, o assassinato do cartunista Glauco e seu filho Raoni, se deu em circunstâncias até certo ponto previsíveis, uma vez que foi desencadeado por um surto psicótico provocado pela droga, e aí sim, são imprevisíveis as consequências. As noticias que inundaram os meios jornalísticos por duas semanas desde a data de 12/03/10, dão conta que os assassinatos de Glauco e seu filho Raoni, de vinte e cinco anos de idade, foram praticadas por um jovem sob efeito de alucinações provocadas pelo chá do Santo Daime. O homicida confesso, de nome Carlos Eduardo, mais conhecido como “Cadu”, tinha um histórico de esquizofrenia na família, já que sua mãe é uma paciente que se submete a terapia para controle desta doença incurável.
Depoimentos do pai de Cadu indicam que o filho começou a apresentar evidentes sinais de psicose, depois que passou a frequentar a Igreja Céu de Maria, fundada por Glauco, e ali consumir a dimetiltriptamina sob a forma do chá do Santo Daime, oferecido aos adeptos, frequentadores e mesmo aos seus visitantes. Os pais e avós do rapaz assassino disseram que nos últimos três anos, coincidentes com seu ingresso na seita daimista, eles ouviram por diversas vezes o rapaz dizer que era a encarnação de Jesus Cristo. Rezava ajoelhado aos pés de plantas que havia em sua casa, afirmando que elas eram encarnações de divindades religiosas.
Minutos antes do assassinato, completamente transtornado por alucinação, Cadu subjugava Glauco sob mira de arma, intimando-o a ir ter com seus pais e convencê-los que o seu irmão era a encarnação de Jesus. Certamente esse rapaz que já está preso irá a julgamento, mas aos olhos mais acurados, ele não passa de uma vítima. Vítima das drogas, da ignorância, da desinformação, da estupidez e da irresponsabilidade – ingredientes explosivos para desencadear grandes tragédias, como de fato têm acontecido. Neste caso sinistro, seria mais apropriado colocar no banco dos réus, aqueles que teriam por obrigação legal proteger esse rapaz doente. O mais espantoso nessa tragédia, é que mesmo diante de realidade tão contundente, querem negar a veracidade dos fatos, sugerindo-se até a inversão das responsabilidades. Assistimos estupefatos pela televisão, um dirigente da Igreja Céu de Maria dizer que a entidade trata de dependentes de drogas, e disse mais, que por trás de toda droga existe uma entidade maligna que se apossa do usuário. Disseram também que o jovem Cadu esteve ali em tratamento. Com isso querem dizer que, em vez de serem apologistas do uso de drogas, são na verdade terapeutas de quem as usam; que nem de longe consideram a DMT e as beta-carbolinas contidas no chá do Santo Daime, como drogas. Tratam dependentes como Cadu com potentes alucinógenos, e querem obter resultados inversos aos da lógica. São capazes de identificar entidades malignas que se escondem nas drogas, mas paradoxalmente só conseguem ver entidades divinas no chá, inquestionavelmente uma droga. Como vimos anteriormente, por muito menos Richard Nixon considerou Timoth Leary, o da LSD, o homem mais perigoso da América.
Estão deixando a entender que o problema encontra-se exclusivamente no rapaz que atirou no Glauco e em Raoni, e que tudo não passou de um fato isolado, como uma exceção à regra. Mas como veremos mais adiante, já aconteceram fatos até mais sinistros do que este envolvendo a mesma droga daimista e a pseudo religião.
É verdade que a esquizofrenia pode desencadear surtos psicóticos, como já dissemos ao longo do presente trabalho, mas não é só ela, e sim uma série de outros fatores e circunstâncias. As drogas alucinógenas também provocam surtos psicóticos nos mesmos moldes, e além de provocar os surtos psicóticos desencadeiam crises da própria esquizofrenia que por sua vez desencadeiam psicoses, gerando um circulo vicioso, em que as alucinações são duplas, pois provém de duas fontes geradoras. Dissemos anteriormente que o individuo alucina em conformidade com sua bagagem psíquica, e dissemos ainda mais, que até o seu estado mental, no momento em que ele usa a droga, é fator decisivo para o tipo de alucinação que o acometerá. Em vez de repetir aqui nossas assertivas anteriores, sobre as condições em que ocorrem as alucinações, preferimos fazer uma nova citação do CEBRID: “É interessante ressaltar que estes efeitos são muito maleáveis, isto é, dependem de várias condições, como sensibilidade e personalidade do indivíduo, expectativa que a pessoa tem sobre os efeitos, ambiente, presença de outras pessoas, etc., como a bebida do Santo Daime. As reações psíquicas são ricas e variáveis. Às vezes são agradáveis (“boa viagem”) e a pessoa se sente recompensada pelos sons incomuns, cores brilhantes e pelas alucinações. Em outras ocasiões os fenômenos mentais são de natureza desagradável, visões terrificantes, sensações de deformação do próprio corpo, certeza de morte iminente, etc. São as (“más viagens”).”
Lembramos novamente que Irineu, o precursor da religião do Santo Daime, ao tomar o chá pela primeira vez, o fez na companhia de caboclos que viam demônios e que lhes pediam dinheiro; já ele, viu Nossa Senhora.
Na verdade viu o que já estava registrado em sua mente, nada veio do além. Não existe absolutamente espiritualidade ou divindade nesses fenômenos, são na verdade deturpações de funcionamento do cérebro provocado por drogas, cuja estrutura de alucinar é razoavelmente deslindada cientificamente. Ainda segundo o CEBRID, no mesmo site acima citado, “a alucinação e o delírio nada têm de aumento da atividade ou da capacidade mental; ao contrário são aberrações, perturbações do perfeito funcionamento do cérebro, tanto que são característicos das doenças chamadas psicoses. Grande número de drogas alucinógenas vem da natureza, principalmente de plantas. Estas foram ‘descobertas’ pelos seres humanos do passado que, ao sentirem os efeitos mentais das mesmas, passaram a considerá-las como ‘plantas divinas’, isto é, que faziam com que quem as ingerisse recebesse mensagens divinas, dos deuses. Assim, até hoje em culturas indígenas de vários países o uso destas plantas alucinógenas tem este significado religioso.”
De qualquer forma, o que mais se registrou de lado a lado, pelas partes que se pronunciaram a favor e contra o uso da ayahuasca pela seita do Santo Daime, pelo menos na nossa percepção, citaremos abaixo. Do lado dos que defendem os daimistas, o que mais se fez ouvir poderia aqui ser representado por um artigo publicado no Blog Anauê, encontrado em umbandavr.blogspot.com/2010/03/revista-veja-o-santo-daime-e-umbanda. Os principais questionamentos e reclamações destes foram as seguintes: 1) Que houve intolerância por parte localizada da mídia; 2) O que garante a existência e a prática religiosa do Santo Daime está prevista na carta magna (usaram muito esta frase) e é o direito a liberdade religiosa; 3) Que o assassino tinha tomado chá do Santo Daime pela última vez em janeiro de 2010, e portanto não estaria sob seus efeitos; 4) Que os Daimistas estariam sendo vítimas de preconceitos, e também que estavam sendo chamados de seita em vez de religião; 5) Que o Conselho Nacional sobre Drogas – CONAD, retirou a ayahuasca da lista de drogas alucinógenas, e atribuem a Associação Brasileira de Psiquiatria a afirmação de que não existe comprovação científica que descreva a ação profunda da bebida do Daime no cérebro; e 6) Que o álcool está presente em religiões desde a antiguidade, com destaque para a mitologia grega com Dionísio, o Deus do vinho, e Jesus Cristo, e que da mesma forma que o chá, no uso errado do álcool pelas pessoas é que está o problema.
Da intolerância as reclamações recaem sobretudo devido a manchete de uma revista de grande circulação nacional. Na frase de capa questiona-se até onde se justificaria a tolerância do uso de droga alucinógena nos rituais de uma seita. Reclamam que a revista foi preconceituosa, hipócrita e intolerante. O autor dos desabafos diz do absurdo que significa a intolerância e propões que se façam profundas reflexões sobre ela, afirmando que é radicalmente intolerante a intolerância. Intolerância é abjeto só quando parte dos outros pelo visto, e isso nos faz lembra a famosa frase de Sartre L’enfer c’est les autres (O inferno são os outros), que poderia muito bem ser aplicado neste caso, em que os daimista veem de errado apenas as manifestações dos outros, os algozes, e que eles são simplesmente as vítimas. Tudo indica que queriam que apenas se chorasse pelos mortos, que não se procurasse investigar ou denunciar se haveria acontecido exageros na permissividade da liberação da droga para a livre (suposta) prática religiosa, e nem se isso representa perigo para incautos indivíduos. As análises apenas sob as lentes dos daimistas, que inclusive externam a indignação de que Glauco é que estaria sendo julgado e não o confesso assassino, um doente esquizofrênico, que estava afastado[5] da seita, segundo suas ponderações. Os autores e responsáveis pelo texto e pelo Blog mostram desconhecimento da própria regulamentação do uso da ayahuasca, onde estão explícitos os direitos e deveres no uso das ervas. Na regulamentação, da lei 3.696, de 21/12/2000, em 26/01/2010 no DOU, está destacado claramente dentre outras: a) O uso religioso responsável da Ayahuasca pressupõe a presença de pessoas experientes, que saibam lidar com os diversos aspectos [...], discernir as pessoas a quem não se recomenda o uso[...]. b) Compete a cada entidade religiosa exercer rigoroso controle sobre o sistema de ingresso de novos adeptos, devendo proceder a entrevista dos interessados na ingestão da Ayahuasca, a fim de evitar que ela seja ministrada a pessoas com histórico de transtorno mentais [...]. c) Recomenda-se ainda manter ficha cadastral com dados do participante e informá-lo [...].
Dos direitos à liberdade religiosa, os daimistas querem deixar a entender que não aceitam limites, acham que têm o direito de fazer o que bem entender, mesmo que pessoas estejam ficando loucas, matando e morrendo. Entendem que qualquer objeção para conter esses desatinos, é preconceito, discriminação, intolerância, xenofobia e exclusão. Certamente o sentimento religioso totalitário é que deve determinar o que os outros são obrigados a aceitar (e sofrer), e até droga pode ser considerado coisa de Deus. Aí está um dos precedentes perigosos que a lei poderia produzir, dizíamos no texto original de nosso trabalho.
Depois argumentam, em defesa da seita, como se fosse absolutamente irrefutável, que o adepto tresloucado estava afastado da seita e não ingeria a droga havia pelo menos dois meses, e que ele já havia apresentado surtos psicóticos várias vezes nos últimos três anos, e disseram ainda, que estariam colocando o chá como vilão da estória e como bode expiatório. E é exatamente esse o mesmo argumento usado pelos pai e avós de Cadu, para acusar a seita de tê-lo induzido ao estado psiquiátrico que agora se encontra. O pai e os avós afirmam que o rapaz era perfeitamente normal, sem absolutamente nenhum sinal de transtorno psicótico, até três anos atrás, quando ingressou para a Igreja Céu de Maria. Se os daimistas tinham conhecimento que Cadu era esquizofrênico e tinha surtos psicóticos, e mesmo assim davam a ele o explosivo coquetel de drogas, nunca poderia se usar esses argumentos como isenção de responsabilidade, muito pelo contrário. Segundo as opiniões de vários criminalistas que se manifestaram publicamente, por ocasião dessa tragédia, se forem confirmadas as palavras do pai de Cadu, em entrevistas, em que ele diz: "Tentei convencê-lo a não ir mais ao Céu de Maria. Em 2007, fui até lá pedir pessoalmente para que não o deixassem mais tomar o chá. O Glauco disse que não podia fechar as portas para ninguém. Minha mãe, que tem 80 anos, também foi reclamar, mas ofereceram o chá para ela", a Igreja Céu de Maria poderá ser responsabilizada criminalmente pelos danos causados ao rapaz. A lei que regulamenta o uso da droga fala que as seitas têm que fechar, sim, as portas para determinado perfil de pessoas, e Cadu é claramente uma delas.
Afirma o autor do artigo que não cabe o questionamento de “Até que ponto se justifica a tolerância com uma droga alucinógena usada em rituais de uma seita”, e para isso argumenta: “o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) retirou a ayashuca (sic) da lista de drogas alucinógenas e não há comprovação científica que descreva a ação profunda da bebida do Daime no cérebro, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria.” Se refutam o questionamento baseado apenas nestes argumentos, deram um certeiro tiro no próprio pé, pois se não existe má-fé na refutação, existe desconhecimento geral do que falam.
Na primeira particularidade, o CONAD nunca retirou a ayahuasca da lista de drogas alucinógenas, mesmo porque isso seria “em tese” uma atribuição da Organização Mundial de Saúde; retirou sim, do rol de substâncias proibidas, pois não se muda a estrutura química de uma droga por meio de decreto lei. E mais, uma droga nunca deixará de ser droga por lhe serem atribuídas propriedades divinas, pois ainda prevalece as leis terrenas da química sobre as suposições divinas transcendentais. Na regulamentação da lei, no item 11, na parte que aqui nos interessa, assim está exarado: “que concluiu que as espécies vegetais que integram a elaboração da bebida denominada Ayahuasca ficassem excluídas das listas de substâncias proscritas pela DIMED.” E ainda, dizer que Associação Brasileira de Psiquiatria afirma que não existe comprovação científica que descreva a ação da bebida do Daime no cérebro, é no mínimo um grave impropério.
O que a Associação disse é que ela já se manifestou contra a liberação do chá pelo CONAD, porque não havia estudos suficientes levados a efeito pelo órgão, através do GMT – Grupo Multidisciplinar de Trabalho, que mostrassem as ações profundas dessas drogas (contidas no chá) no cérebro. Exatamente o contrário do que diz o articulista do blog, A Associação possui extensos estudos da ação da DMT no cérebro, e o que aqui dizemos poderá ser constatado no site da Associação Brasileira de Psiquiatria no endereço www.congressoabpbrasil.org.br/imprensa/realease/?realease=31. Ali existe um longo relato, datado de 2005, descrevendo a ação da bebida não só no cérebro humano. Há também outros estudos ligados ao chá do Santo Daime, divulgados pela A.B.P. de onde tiramos alguns pequenos trechos que achamos importantes: 1º) “Pomilio e colaboradores (1999) estudaram a quantidade de DMT na urina de sujeitos antes e depois do uso da bebida por meio da cromatografia com espectrometria (GC-MS). Os resultados confirmaram que após o uso da bebida os componentes alucinógenos detectados na urina foram os mesmos que aqueles detectados na urina de doentes em psicose aguda que não usaram o chá.” Pelo texto se chega à conclusão de que uma pessoa, se está sob os efeitos do chá, equivale a uma pessoa que é (está) psicótica. 2º) “Estudo recente foi realizado na Espanha, com a participação de 6 voluntários já usuários de Ayahuasca, com o objetivo de avaliar os efeitos subjetivos e o desenvolvimento de tolerância. Este estudo concluiu que a administração da bebida induziu modificações intensas nas sensações subjetivas, que foi dose dependente.” 3º) “Existem evidências de que o consumo regular (tipicamente 2x/semana) leva a um aumento da densidade dos sítios de ligação de [3H]citalopram nas plaquetas, o que sugere uma compensação neurofisiológica para os aumentos periódicos nos níveis de serotonina. Portanto, a tolerância pode ser desenvolvida com o uso regular e crônico da bebida, provocando alterações na concentração dos neurotransmissores e receptores, especialmente na via da 5-HT, configurando-se em mais um risco de interação com substâncias que também atuem nestas vias. O exemplo desta evidência é a síndrome serotoninérgica.” Ou seja, embora esses estudos ainda não sejam conclusivos sobre dependência à droga - diante desses estudos preliminares -, há uma suspeita, que a droga possa ser dependógena[6], isto é, possa provocar dependência. Lembramos que os estudos encontrados no endereço acima, aqui citados, datam de cinco anos atrás e tudo leva a crer que a ABP já deve ter aprofundado tais estudos. Outros devem estar em curso. Sobre os daimistas administrarem o chá aos dependentes de outras drogas, certamente foram esses conhecimentos da classe psiquiátrica que levaram o Dr. Ronaldo Laranjeira, do Departamento de Dependência Química da ABP, a se manifestar em entrevista à Rádio Bandeirantes, ocasião em que disse que o chá do Santo Daime nunca deve ser usado como alternativa para usuários de drogas que querem deixar a dependência. Disse ainda o médico que a Associação já tinha informado ao governo federal sobre os riscos que a droga representava para a saúde humana.
É nossa obrigação alertar ainda acerca do consenso existente entre os especialistas sérios e competentes, de que não existe uma “dose segura” para o uso de drogas. Ainda sobre a intenção dos daimistas de querer minimizar ou questionar a condição de droga da ayahuasca, lembramos aqui que quando a cocaína foi descoberta, vários anos depois se usava livremente a droga, sendo inclusive difundida por personalidades não menos influentes do porte de Freud, Júlio Verne, Papa Leão XIII, que a recomendavam, e até a década de 80, não era aceito que a cocaína provocava dependência. Estão reeditando a mesma ladainha da cocaína, contudo há um atenuante muito importante em favor dos antigos postulantes, o de que praticamente não havia naquela época conhecimento sobre drogas que provocam dependência. Aqueles argumentos usados para a cocaína, nos dias de hoje não tem validade para nenhuma outra droga alucinógena, e esta atitude pode ser considerada ignorância, já que científicamente se conhece razoavelmente sobre elas.
Num determinado ponto do artigo, o articulista, sempre em defesa do uso da droga ayahuasca nos rituais da seita, informa sobre a morte de dois rapazes depois de usar o chá. No primeiro caso, de um rapaz do Pará, é dito pelo bloguista que “não se sabe como isso se deu, mas ele tomou o chá e foi nadar, aí já vem a parte da irresponsabilidade tanto dele, como de quem o deu Daime” (sic). O que o articulista alega desconhecer, pode ser facilmente conseguido acessando-se a internet, bastando para isso teclar as palavras-chave, “jovem morre chá santo daime”. Com esse procedimento encontramos várias páginas, inclusive dois com vídeos (YouTube é um deles) mostrando que o jovem de nome Alexandre Viana da Silva, 18 anos, que não sabia nadar, repetimos, não sabia nadar, ficou completamente louco depois de tomar chá do Santo Daime, num ritual que durou a noite toda[7], e pulou dentro d’água, em um lago nas cercanias de Belém do Pará. No vídeo do YouTube aparece o pai do rapaz, de Nome Aldo Vicente da Silva, que em entrevista disse que pediu insistentemente ao jovem para não ir à cerimônia do Santo Daime. Essa tragédia, ao que tudo indica, provocada pelo Santo Daime, se deu apenas um mês depois de regulamentada a lei que liberou a ayahuasca para uso religioso. No segundo caso contado pelo articulista, é dito que um rapaz de nome Fernando Henrique, que sofria de graves doenças do coração e ossos, morreu durante um ritual, “e que de certa forma teve uma morte mais tranquila, pois havia 3 anos que não usava mais nenhum tipo de droga”. O que poderíamos dizer diante destas afirmações? Primeiramente repetir as palavras que citamos no inicio deste adendo, para achar a causa remota da tragédia: Vítima das drogas, da ignorância, da desinformação, da estupidez e da irresponsabilidade. Ao citar os dois casos o autor do artigo o faz em defesa do chá do Santo Daime, quando na verdade dever-se-ia usá-los como agravantes – como prova de que o chá é perigoso e até fatal. No segundo caso, em que a seita trata de um dependente de drogas com drogas da mesma natureza, o que é um disparate (com exceção para dependentes de opiáceos que são tratados com codeína, no primeiro momento), todas as recomendações desaconselham o procedimento. Ainda há o agravante pelo fato de o dependente padecer de outra enfermidade, e os efeitos colaterais do chá nestes casos podem levar a morte. Mas aí o articulista encontra uma grande vantagem para a droga; de que ela provoca uma morte tranquila. Loucura. Em ambos os casos o que se vê é a inobservância à regulamentação que liberou o uso da ayahuasca para fins religiosos, em que o articulista, encontra para casos como o do Cadu, um culpado para a trágica morte do usuário do chá, a própria vítima.
Infelizmente as vítimas do Santo Daime não se limitam a esses três casos. Apresentaremos a seguir fatos que conseguimos descobrir, de pessoas que tiveram consequências desastrosas por participarem e consumirem o chá da seita Santo Daime. Uma carta publicada na sessão “Leitor” da revista Veja, edição 2158, de 31 de março de 2010 têm o seguinte texto: “Sou mãe de um daimista. O que o pai do Cadu disse é puramente a verdade.
Muito mais coisas acontecem depois que esses jovens se tornam fardados[8]; pior ainda, viram escravos da seita. E como é difícil libertá-los! Os líderes devem parar de usar esse alucinógeno (25 reais a dose). O meu filho estuda na USP, só que depois que entrou para a seita está perdendo a vontade de continuar, fica alienado, dizendo um monte de coisas que nunca aconteceram; parece que lhe foi feita alguma lavagem cerebral. Choro dia e noite, pois é o meu filho único que a seita está me roubando.”
Tomamos conhecimento acerca de dois livros que foram escritos e publicados por parentes de vítimas do Santo Daime, com o único objetivo de denunciarem a seita, que escravizaram seus entes queridos, dando-lhes fins trágico e inglório, respectivamente. O jornalista Jorge Mourão escreveu o livro Tragédia na seita do daime. Rio de Janeiro: Imago Ed. 1995., em que ele relata que seu filho adotivo Jambo Veloso morreu durante um ritual do daime na comunidade “Céu de Mapiá” (Cefluris), dirigida por Alex Polari. Segundo o jornalista, além de seu enteado ter morrido em consequência do ritual da seita, teve a imagem denegrida pelo responsável pela seita que o taxou como desequilibrado mental. No livro de Jorge Mourão (encontrável na internet – vide bibliografia), ele relata como é que se deu a morte do filho de criação. Conta o autor do referido livro que Jambo foi submetido a um ritual que chamam de “trabalho de cura”, em que foi obrigado a beber uma dose maior do chá e teve a mente invadida por valores e conceitos da seita. Depois disso (fato não muito bem esclarecido – suposto suicídio) se atirou numa fogueira e morreu. Mourão diz que o corpo foi enterrado em lugar incerto da floresta e sem certidão de óbito. O jornalista Mourão faz graves denuncias contra a seita ao fazer afirmações, das quais citaremos algumas: “Casos de seguidores da seita que abandonaram a família ou cometeram o suicídio não são raros”; Ao enterrar o corpo sem atestado de óbito e sem a autorização da família, “a versão sobre a morte se torna suspeita, ainda mais vinda de fanáticos cujo único interesse é livrar sua seita de quaisquer responsabilidades [...] É muito fácil se isentar de responsabilidade culpando os mortos, ou diagnosticando perfis psicológicos. Por que todos os dissidentes que vão contra a seita são doentes mentais?”; “ não poderia haver melhor massa de manobra para o delírio paranoico de mudar o mundo segundo o evangelho de sua patologia satânica. ‘Satanás não é nosso inimigo!’, proclama Sebastião Mota, num dos livros de Alex Polari.” Mourão fala até em uso de cocaína e maconha na comunidade dirigida por Polari, e chega a dizer que a primeira droga é conhecida por lá como Santa Branca e a segunda é conhecida pelo nome de erva-de-santa maria. Da indignação do jornalista sobre a seita denegrir a memória dos membros mortos, voltamos a afirmar que, a argumentação dos daimistas, de que os falecidos eram doentes mentais, não são atenuantes e sim agravantes, pois a lei prevê que tais doentes deveriam ser impedidos de usar o chá por elas.
No mencionado blog tentaram justificar, além do uso da ayahuasca, o uso do álcool em rituais religiosos, fundamentando-se no fato de que desde a antiguidade se usa o álcool em ritos religiosos, e que isso se constataria de Dionísio (Deus mitológico do vinho) até Jesus Cristo. Isso não ajuda em nada, pois a alegação não justifica, apenas explica (os) grandes equívocos religiosos envolvendo drogas. Por não suportar a realidade, grande parte da humanidade busca refúgio na religião e nas drogas para se alienar do mundo existencial. O fato apenas atesta nosso primitivismo ancestral religioso, que vigora ainda hoje, a despeito da intelectualização de que lhe foi revestida. Aliás, sobre essa intelectualização religiosa, em alguns textos daimistas quiseram fazer uma diferenciação, dizendo que a ayahuasca, não é alucinógena e sim enteógena. No blog Anauê, que estamos comentando, disseram mais precisamente que a ayahuasca tem “propriedades enteógenas, isto é, produz uma expansão de consciência responsável pela experiência de contato com a divindade interior, presente no próprio homem.”
Verdade seja dita que estão se apropriando de uma palavra que foi cunhada para dar outra significação, ou se a estão usando apropriadamente, equivale-se a confessar que os aspectos ditos divinos não passam de um estupendo delírio. Conforme já dissemos aqui nas páginas 20-21, a expressão enteógeno foi criada em 1976, para substituir os termos alucinógenos ou psicodélicos, e que passou a ser estendido para dar significado às sensações produzidas por qualquer outra droga em seu usuário. O que significa dizer que um individuo sob os efeitos de drogas é possuído por um sentimento megalomaníaco de ter Deus dentro de si, ou ser o próprio Deus. Perguntamos ao leitor atento se essa falácia com a palavra enteógeno não faz lembrar o intricado método de Jung? Pois vejam a quantas anda essa história nebulosa e sem fim; os daimistas já associaram a palavra enteógeno à arquétipos. Dizer que enteógeno significa expansão da consciência que permite entrar em comunhão com a divindade interior, já nem intelectualização é, e sim uma tremenda balela resultante da distorção dos fatos e da realidade, o que é muito próprio das “seitas” e religiões milenares. No livro de Alicia, que citaremos sinteticamente logo abaixo, foi dito que um daimista associou o tal “fenômeno” enteógeno facultado pela ayahuasca, com arquétipos. A droga facilitaria a manifestação de arquétipos em seu usuário. A diferença desse delírio com o de Jung, é que o pai dos arquétipos inventou o inconsciente coletivo por meio da pseudociência, e os daimista forjam sua teoria animista-arquétipa com o explosivo ingrediente químico alucinógeno.
Antes de abordarmos o segundo livro-denúncia, por questão de limite de recorte, não falaremos detalhadamente de outros casos de suicídios, crimes e processos na justiça que envolvem as seitas do Santo Daime, nos limitando apenas dar conhecimento disto nestas poucas palavras.
Quanto ao outro livro denúncia sobre o Santo Daime, é de autoria de Alicia Castilla e têm por titulo Santo Daime: Fanatismo e Lavagem Cerebral. Neste livro a autora relata com extrema dramaticidade a história de sua filha Verônica, que bebeu - com a anuência da mãe – o chá do Santo Daime e se tornou escrava da seita. Alicia, ela mesma havia experimentado o chá, e quando sua filha Verônica recebeu informações dela sobre o que seria o Daime, e inclusive perguntando se crianças também tomava o chá nos rituais, diante da resposta afirmativa da mãe, pediu para também tomá-lo. A autora informa que na vez seguinte que foi ao ritual levou sua filha, quando esta tomou o chá, então com oito anos de idade, e continuou tomando-o até os dez anos de idade. Com esta idade a menina começou a apresentar problemas, e então a mãe, preocupada, consultou os responsáveis pela seita e também o CONFEN[9], e ficou tranquila com as respostas que obteve. Os primeiros acharam plenamente normais as manifestações evidenciadas na criança e deram algumas explicações (completamente infundadas, veio a saber a mãe mais tarde), e quanto ao segundo, está assim no livro aqui tratado:
“o relatório elaborado por uma comissão multidisciplinar do CONFEN fez a balança pender definitivamente: segundo esse documento, não havia perigo algum” E assim a garota continuou na seita, e segundo relatos da mãe no livro de sua autoria, passou a ter inúmeros problemas psicológicos e acabou sendo tragada definitivamente pela seita, e nem determinação de Juiz - não cumprida pela seita - demoveram a filha à realidade e à sua casa, pois que passou a morar nas dependências da seita.
Salientamos aqui que na regulamentação da lei, cujo relatório aprovado pelo CONAD, está assim redigido:
“IV.VIII – USO DA AYAHUASCA POR MENORES E GRÁVIDAS
46. Tendo Em vista a inexistência de suficientes evidências científicas e levando em conta a utilização secular da Ayahuasca, que não demonstrou efeitos danosos à saúde, e os termos da Resolução 05/04, do CONAD, o uso da Ayahuasca por menores de 18 (dezoito anos) deve permanecer como objeto de deliberação dos pais ou responsáveis, no adequado exercício do poder familiar (art. 1634 do CC); e quanto às grávidas, cabe a elas a responsabilidade pela medida de tal participação, atendendo, permanentemente, a preservação do desenvolvimento e da estruturação da personalidade do menor e do nascituro.”
As atitudes das autoridades neste caso da ayahuasca são deploráveis, lastimáveis e de causar profunda indignação; e urge que a defensoria pública atue célere no sentido de restabelecer o estado de direito, completamente aviltado no âmbito de atuação dessas seitas. Deve-se, em defesa da população incauta, revogar a lei que permitiu o uso da droga alucinógena. O estado em hipótese nenhuma pode transferir sua responsabilidade, sobre tema de sua inteira competência, para leigos incapazes de compreender e se autodeterminar em assunto tão complexo.
Alicia passa a vida numa terrível e insana luta, entre tribunais, mídia, e recorrendo a tudo que lhe é possível para resgatar sua filha do pelourinho em que vive.
Parece-nos, pela manifestação de todos os dirigentes dessas seitas, diante dos fatos momentosos, que eles não conhecem a própria lei que facultou-lhes o uso religioso da droga em questão, e o pouco que a lei poderia coibir de abuso em sua aplicação não surtiu efeito nenhum. Pelo contrário, para essas pessoas a que nos referimos, deixam a entender que a regulamentação teve o seguinte significado: a lei foi aprovada para uso da ayahuasca, agora podemos usar e abusar.
No texto original que escrevemos sobre a regulamentação do uso da ayahuasca para fins religiosos, alertávamos para precedentes perigosos que estavam abrindo com a regulamentação dessa lei, e um deles se referia a criar igrejas do tipo “Igreja Mundial da Cannabis”.
Pois bem, na revista Veja edição 2157 de 24/03/2010, na reportagem intitulada “Alucinação Assassina”, onde é tratado o desenrolar dos fatos referente a morte de Glauco e Raoni, em seu último parágrafo, vem a informação por demais preocupante, que antevíamos: “Na semana passada, uma entidade da Bahia, chamada Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos, entrou com uma petição no Supremo Tribunal Federal pedindo a liberação da maconha ‘para uso terapêutico e religioso’. Caso a petição seja aceita, são grandes as chances de outras drogas entrarem para o rol de ‘sagradas’. Tolerância em excesso, combinada com negligência na mesma medida e uma boa dose de vulnerabilidade, física ou emocional das partes envolvidas: eis uma boa receita para construir uma tragédia.” Como dizia o refrão de autoria de Carlos Drumond de Andrade, e agora José?
Concluindo o presente adendo, tendo sempre em vista Bill Wilson e sua seita, a impressão que tivemos e tentamos passar para os leitores sobre eles é parecida com a que o jornalista Jorge Mourão relata em seu livro: “os adeptos acreditam que estão iluminados, plenos de divindade. A impressão que passam para nós, simples mortais, é que estão vazios de vida. Dead-face, expressão usadas por um cientista que estudou os efeitos do abuso da ayahuasca, descreve perfeitamente o efeito de ‘aniquilamento da pessoa’, recurso usado pelas seitas para submeterem neófitos ao seu domínio.” Trocando as palavras, lavagem cerebral.
Chamamos a atenção para um detalhe de suma importância: ainda que a seita do Santo Daime use uma droga alucinógenas potente, ela consegue se infiltrar na população e disseminar seus loucos propósitos, angariando adeptos e a simpatia de muitos, haja vista, a lista de atores globais, e outras personalidades que aderiram à seita. Todavia, olhos atentos e realistas de boa parte da sociedade se manifestaram veementemente contra a seita do Santo Daime. De outro lado, em se tratando de Bill e sua seita, os olhos complacentes da maioria da sociedade são favoráveis, permissivos e até cúmplices, pois eles ludibriam esses olhares vigilantes se escondendo no manto do altruísmo e da compaixão, passando a ideia de que estão tratando de infelizes dependentes de drogas. Passam a ideia que seus gestos são os mais sublimes gestos de amor fraterno. Lembramos novamente da condição escravizante dos preceitos de Bill, tanto em relação ao programa ou como incentivadores do tabagismo e, como indutores deste, já que existe na entidade as vitima do fumo passivo. Abaixo com essa disposição das seitas e religiões, que com suas visões totalitárias, pensam que podem resolver todos os problemas da humanidade. Pelo menos na questão das dependências, nunca poderão assumir o lugar da ciência. Temos absoluta convicção de que eles não podem tratar e curar os dependentes como afirmam; muito pelo contrário, agravam o problema em vez de ajudar. Atrapalham bastante!
Se alguém acha que para melhor entendimento de Deus é preciso usar drogas, problema dele, pois não é toda a sociedade que, expondo-se aos perigos iminentes, tem que se adaptar a ele e suas concepções esdrúxulas. Que os governantes deixem, ainda que momentaneamente, seus relacionamentos promíscuos com as religiões e sejam sensíveis aos perigos que expõem a população, nesta questão de drogas e crendices religiosas.
[1] Este nome é um termo quíchua, significa “liana das almas” ou “cipó dos espíritos”.
[2] Quando estávamos trabalhando na presente obra.
[3] É importante frisar que os alucinados, como visto até nos casos de jovens sob o efeito da LSD, sentem que podem curar as pessoas, insistindo nisso com os parentes e amigos. Dizem a elas sobre suas doenças (ditadas pela sua imaginação alucinada) e afirmam categoricamente que são capazes de curá-las.
[4] Nota do autor: As betacarbolinas citadas, são harmina, harmalina e tetrahidroharmina.
[5] Mais apropriado dizer que foi abandonado a própria sorte, aquele que foi aliciado à se tornar um adepto da seita.
[7] É importante informar que nos rituais do Santo Daime não se toma uma única dose da droga. Normalmente a tomam por várias vezes numa cerimônia muito demorada.
[8] Os adeptos da seita usam fardas durante o ritual.
[9] Antigo Conselho Federal de Entorpecentes, que antecedeu o CONAD.
[10] Conforme informação da administração de A.A., os grupos são autônomos para decidir sobre o uso de tabaco em suas reuniões, mas nos que conhecemos, fuma-se livremente em suas dependências, inclusive no transcurso das reuniões.
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