Continuação do texto, "Apanhados (esparsos)"
...Bill
continua, dizendo que então lhe ocorreu o fulgurante pensamento “você é
um homem livre”. Depois, não se sabe por quanto tempo durou esse transe, porém
a sensação passou e ele pôde ver novamente as coisas à sua volta e, em seguida,
após se acalmar, sentiu uma paz profunda, ficando “agudamente” consciente de
algo que ele chamou de “um verdadeiro mar do espírito vivo.” (Levar Adiante,
p. 130) Vários dependentes contam que ao sentir essa sensação de euforia, ou
alucinação, ficam extremamente cônscios, possuídos de muita lucidez e
percepção, achando inclusive que são dotados de poderes para elevarem-se acima
do chão ou passarem qual fantasma por paredes. Muitos pensam que podem ler a
mente das pessoas. Pensam que podem enxergar doenças nas pessoas e curá-las. Se
sentem tão encorajados, pensam e agem com tamanha segurança que, são capazes de
realizações e feitos que em estado normal de consciência dificilmente o
conseguiriam. Contudo a maior parte do que lhes passam pela cabeça é fantasia
pura. Muito parecido com as alucinações provocadas pela LSD[1].
A propósito, a LSD se presta muito bem para também servir de exemplo sobre esse
encorajamento que se apossa do indivíduo nessas situações; a LSD é usada na
presença do que se denomina “anjo da guarda”, que é a pessoa que vai controlar
os impulsos do usuário. Sob os efeitos da LSD, o usuário pode pensar que é
capaz de voar e se jogar do alto de um edifício, ou deter a marcha de uma
locomotiva obstruindo sua passagem apenas com as mãos.
Bill
continuou curtindo aquele seu estado emocional e refletindo. Pensou que aquilo
deveria ser o que ele chamou de o “Deus dos pregadores”, uma realidade que ele
não conhecia. Nos seus dizeres, sentia-se possuído pelo absoluto, entendia a
perfeição do universo e achava que não precisava se preocupar com mais nada,
pois sabia que era amado e podia amar em retribuição; “havia vislumbrado o grande além.” (Levar
Adiante, p. 131).
A
experiência começou a suscitar dúvidas em Bill que, desconfiado de que tudo
aquilo poderia ter sido uma alucinação, solicitou a presença do Dr. Silkworth,
para ajudar a esclarecer-lhe sobre o ocorrido. Depois de ouvir-lhe, e indagado
se estava lúcido, o Dr. Silkworth lhe respondeu. Acontece que a resposta que o
médico lhe deu, está conflitante nos dois livros aqui já mencionados; quando no
livro Levar Adiante, está escrito: “Sim meu rapaz, você está lúcido,
perfeitamente lúcido, creio eu. Você passou por alguma grande ocorrência
psíquica, algo que eu não compreendo. Já li sobre esse tipo de coisa, mas nunca
presenciei nenhuma eu mesmo. Você teve ter passado por algum tipo de
experiência de conversão”. “E prosseguiu: ‘Você já é uma pessoa diferente.
Assim meu rapaz, qualquer coisa que possua agora, é melhor se agarrar a ela.
Isso é muito melhor do que aquilo que tinha apenas duas horas atrás”. No livro Alcoólicos Anônimos Atinge a Maioridade,
que é de autoria de Bill, está assim registrado: “O Dr. Silkworth me fez muitas
perguntas e, depois de alguns minutos disse: ‘Não Bill, você não está louco.
Aconteceu aqui algum fato, em nível psicológico ou espiritual. Tenho lido a
respeito dessas coisas nos livros. Às vezes as experiências espirituais
libertam pessoas do alcoolismo.” Na biografia de Bill, os fatos dessa passagem
sobre a experiência espiritual estão colocadas de maneira bem mais enfática, e
ainda sobre essa passagem, há um trecho em que fala da aquiescência do Dr.
Silkworth – como se ele endossasse o fenômeno como sendo uma experiência
espiritual. Logo após o Dr. Silkworth ter se pronunciado sobre a misteriosa experiência
espiritual de Bill, os biógrafos se expressaram assim: “Vinda de Silkworth,
agora uma figura central na vida de Bill, essa avaliação significava tudo,
atribuindo uma chancela à experiência de Bill e tornando-a aceitável para a
parte de sua mente que questionara longa e obstinadamente a ideia de Deus”.
Está claro que os biógrafos ficaram apenas com uma parte da manifestação do
médico e simplesmente desconheceram a outra; a que falava da “grande ocorrência
psíquica” - em um livro – e “fato em nível psicológico” no outro livro. De
qualquer forma ele falou que poderia ser um resultado psicológico. Em primeiro
lugar, nos parece claro que a sugestão de um acontecimento fantástico ficou a
cargo de Bill, e depois é bom antecipar ao leitor, sobre o fato deste médico
posteriormente, ter desencorajado Bill a continuar pregando sobre essa sua
suposta experiência espiritual – que não surtia nenhum efeito desejado, quando
tentava aliciar dependentes para o A.A. Naquela oportunidade o Dr. Silkworth
lhe disse que só estava conseguindo fracassos porque estava pregando aos
alcoólicos, e acrescentou com a seguinte frase: “e depois fica falando sobre
sua misteriosa experiência espiritual.”
Outra
observação que sentimos na obrigação de fazer neste exato momento, é sobre dois
pensamentos que vieram à consciência de Bill, instantes antes de bradar para
que Deus se revelasse. Pelo menos é isso que os biógrafos sugestivamente
interpretam, porque no livro que Bill escreveu, não existe nada a respeito
desse primeiro pensamento, e o segundo, segue a mera dedução dos biógrafos. O
primeiro, registrado dois parágrafos antes: “Pensou na Catedral de Winchester e
no momento que quase acredita em Deus.” (Levar Adiante, p. 130). O
segundo pensamento está no mesmo parágrafo, logo antes do brado messiânico:
“Ele havia chegado ao ponto de total esvaziamento – um estado de rendição
completa e absoluta.” (Levar Adiante, p. 130).
No
primeiro pensamento, ainda que façam uma alusão a Catedral de Winchester, não
se esqueceram de dizer que foi um acontecimento em que Bill “quase” acreditara
em Deus, como se tudo isso fosse uma premonição. No segundo, vemos que tiveram
o capricho de colocar os pressupostos do Grupo Oxford e William James (estes de
James, são segundo convicção deles; provavelmente dos biógrafos e do próprio
Bill) para que isso pudesse dar legitimidade a ocorrência da tal experiência,
ou seja, que ela ocorreu dentro dos parâmetros previstos pelo Grupo Oxford e
por William James. Por todas as omissões e opiniões tendenciosas dos biógrafos,
e também, por todas as manipulações e fatos forjados por Bill, é sensato que se
coloque sob suspeição esses detalhes. Até mesmo a qualidade esplendorosa da
alucinação deve ser vista com prudente reserva. Afinal na hora de fazer o
relato, as coisas podem ser arranjadas, para dar a conotação desejada, como
Bill fez no caso de Jung, quando arranjou friamente o psiquiatra como uma das bases do A.A., fato que
mereceu toda nossa acuidade, como mostraremos ulteriormente.
Outra
nota digna de registro sobre esse total esvaziamento e a rendição completa e
absoluta de Bill, condições preconizadas pelo Grupo Oxford e por James, para
que pudesse ocorrer a conversão (despertar espiritual). Acontece também que
essa é a mesma condição a que chega o dependente no seu estágio final do
alcoolismo, ele se sente exatamente assim, e nem por isso pensamos que ele está
pronto para uma experiência de conversão. Está sim, prestes a perder a
consciência e enlouquecer, e infelizmente é isso que acontece amiúde. Haja
vista, foi isso que Bill disse pelo menos uma vez, senão mais, e o Dr. Bob em
sua última palestra em Detroit (já citado), frisou que seu pavor pela loucura e
não a experiência espiritual que o levou a mudar seu rumo. Aliás, essas posições
bem opostas entre um e outro, eram vistas como características peculiares que
os distinguiam. Da parte do Dr. Bob o bom senso e equilíbrio, e de Bill o destemperamento
faustiano.
O autor
do presente trabalho, também vivenciou experiência muitíssima parecida com essa
chamada experiência espiritual de Bill, e, por boa parte da vida pensei que
também havia experimentado uma passagem mística, inclusive chegando a narrá-la
nos livros “Renascer” e “Drogas: Evite ou Saia, Não Morra” (vide bibliografia)
onde o leitor poderá constatar a incrível semelhança. Depois de vários anos de
estudos sobre a dependência de álcool, pude verificar que na verdade, que no
meu caso, não se tratava de nenhum fenômeno religioso e sim de uma sensação
provocada por uma crise de euforia, desencadeada por TBH que estaria ainda
associada à Síndrome de Wernicke-Korsakoff, e sobre esta veremos daqui algumas
páginas. Saliento aqui que a euforia excessiva, como no caso do TBH, são
extremamente parecidas com as alucinações produzidas pelo delirium tremens,
por outros tipos de alucinações, como as provocadas pela cocaína e pelo LSD, e
pelos efeitos euforizantes intensos provocadas por outras drogas. Aliás, Bill
posteriormente, ao usar LSD, ficou muito entusiasmado, e afirmou que a droga
favorece uma experiência direta com Deus, disse com todas as palavras, que a
experiência com a LSD era idêntica a que sentiu no hospital, e sobre isso
veremos mais detalhadamente, aqui mesmo, neste livro.
Outra
nota a ser registrada, refere-se a forma de abordagem que estamos dando ao caso
desta estranha experiência espiritual de Bill, como se o que aconteceu para nós
não é nada transcendental – e sim perfeitamente explicado cientificamente, e
isso se aconteceu de fato e Bill estivesse apenas confundindo ou aproveitando
do acontecimento para urdir uma outra coisa. Mas o próprio leitor ao final
deste trabalho, depois de se inteirar melhor sobre a personalidade de Bill e
suas intenções, poderá avaliar se essa história não pode ficar sobre suspeição.
De oportuno, citamos aqui dois pensamentos, o primeiro é
do consagrado historiador e filósofo escocês David Hume (1711 – 1776). “Nenhum
depoimento é suficiente para estabelecer um milagre, a menos que o depoimento
seja de tal natureza que sua falsidade seria mais milagrosa que o fato que ele
pretende estabelecer”. O segundo pensamento é do filósofo britânico Thomas
Paine (1737-1809) “Jamais vimos, em nosso tempo, a natureza sair de seu curso.
Mas temos bons motivos para crer que milhões de mentiras tenham sido contadas
no mesmo período. É portanto no mínimo de milhões para um a chance de quem
relata um milagre estar mentindo.”
[1] LSD, segundo alguns historiadores, é a
abreviação da dietilamida do ácido lisergico, que em alemão é
LysergSaureDisthylamid, portanto uma palavra do gênero feminino.
O Despertar espiritual Bill à luz da
ciência
Neste
capítulo vamos analisar o que pode ter acontecido na realidade com Bill
no quarto do Towns Hospital. Temos forte convicção e encontramos evidências
gritantes, de que a suposta experiência espiritual de Bill, não passou de mera
ocorrência de fenômenos alucinatórios associados ou não a TBH. Fenômenos esses
muito comuns a dependentes de álcool, nas mesmas circunstâncias patológicas de
Bill. Ficamos com a hipótese de que a ocorrência foi “em nível psicológico”, ou
“alguma grande ocorrência psíquica” mencionada pelo arguto Dr. Silkworth.
Intuímos até que, os fatos não passaram desapercebidos ao Dr. Silkworth, mesmo
porque, ele conhecia o delirium tremens, sabia dos efeitos alucinógenos
do meimendro e da beladona, administrados ao paciente. Este médico demonstrou
ter competência no trato com os dependentes de álcool, e também ser uma pessoa
de grande visão. O atento médico,
possivelmente não teria ficado na dúvida comunicada ao Bill , e teria sido mais
conclusivo em seu diagnóstico, se isto fosse o mais indicado naquelas
circunstâncias. Ou bem mais provavelmente, tendo conhecimento do que se
passava, não quis se pronunciar, esperando que a transformação ali operada
pudesse ajudar o paciente, já que a surpreendente ocorrência provocou um
intensa reação nele.[1] Lembre que
o Dr. Silkworth disse ao problemático paciente: “Você já é uma pessoa
diferente. Assim meu rapaz, qualquer coisa que possua agora, é melhor se
agarrar a ela.” O delirium tremens já era conhecido naquela época e o
médico com certeza tinha ciência disso. No nosso entendimento, o quadro
patológico de Bill comportava, sob vários aspectos, a manifestação de fenômeno
alucinatórios e também um pico na crise de euforia, provocado pelo TBH
(Transtorno Bipolar do Humor), já que as evidências de Bill ser um bipolar eram
nitidamente percebidas desde a sua infância, e sobre isso passaremos a
discorrer a partir de agora.
Transtornos mentais e comportamentais
devido ao uso de álcool - CID Código Internacional da Doença
De
acordo com a catalogação efetuada pela OMS, a dependência de Álcool recebeu os
CID F10.0 a F10.9, onde estão discriminados os transtornos provocados pelo
álcool, para se diagnosticar a doença, e abaixo os discriminamos:
CID-F10.0 – Transtornos mentais e
comportamentais devido ao uso de álcool – intoxicação aguda.
CID-F10.1 – Transtornos mentais e
comportamentais devido ao uso de álcool – uso nocivo para a saúde.
CID-F10.2 – Transtornos mentais e
comportamentais devido ao uso de álcool – síndrome de dependência.
CID-F10.3 – Transtornos mentais e
comportamentais devido ao uso de álcool – síndrome (estado) de abstinência.
CID-F10.4 – Transtornos mentais e
comportamentais devido ao uso de álcool – síndrome de abstinência com delirium.
CID-F10.5 – Transtornos mentais e
comportamentais devido ao uso de álcool – transtorno psicótico.
CID-F10.6 – Transtornos mentais e
comportamentais devido ao uso de álcool – transtorno amnésica.
CID-F10.7 – Transtornos mentais e
comportamentais devido ao uso de álcool – transtornos psicótico residual ou de
instalação.
CID-F10.8 – Transtornos mentais e
comportamentais devido ao uso de álcool – outros transtornos mentais ou
comportamentais.
CID-F10.9 – Transtornos mentais e
comportamentais devido ao uso de álcool – transtorno mental ou comportamental
não especificado.
CID-F10.0 e
CID-F10.5
Detalharemos
apenas os CID’s F10.0 e F10.5, que no momento é o que mais nos interessa aqui neste
trabalho.
CID-F10.0
O
CID-F10.0 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool –
intoxicação aguda: Os critérios de diagnósticos de intoxicação estão baseados
nas evidências recentes de ingestão pelo álcool, com alterações de comportamento
mal-adaptivas, sinais de comprometimento neurológico, lentificação psicomotora,
prejuízo na coordenação e julgamento, labilidade do humor e déficit cognitivo.
No caso
deste CID, cremos que não há nenhuma dúvida quanto a identificação do estado de
Bill, nesse critério para diagnosticar sua condição patológica porque, como
tivemos a oportunidade de ver, ele apresentava as evidências de recentes
ingestões de álcool, uma vez que em seus depoimentos escritos e pela biografia,
Bill só não vinha bebendo muito nos últimos dias, como também chegou ao
hospital bêbado e portando uma garrafa nas mãos. Também se verificou inúmeros
itens que evidenciavam alterações de comportamento mal-adaptivas,
principalmente motivados pelos desentendimentos com as pessoas, brigas e
condutas desajustadas. Em vários momentos ficaram registrados os sinais
evidentes de comprometimento neurológico, lentificação psicomotora, prejuízo na
coordenação e julgamento, labilidade do humor e déficit cognitivo.
Principalmente nos períodos préinternação, quando estava bastante confuso,
cometendo atos desatinados. Ele mesmo se revelou ao dizer que estava prestes a
ficar louco e com ideações suicidas. No caso de Bill, notam-se com facilidade
as exaltações (e alterações) do humor, a aceleração do pensamento, as ideias de
grandiosidade e as agitações psicomotoras. A literatura científica fala que,
embora haja aceleração do pensamento (sensação de que os pensamentos fluem mais
rapidamente), fica a incapacidade de dirigir a atividade para metas definidas,
ou seja, embora verifique aumento da atividade, a pessoa não consegue ordenar
as ações para alcançar objetivos precisos.
(Del Porto, 2006: www.unifesp.br/dpsiq/polbr/ppm).
Também aconteceram os alertas médicos,
principalmente na penúltima vez que se internou, quando o Dr. Silkworth sugeriu
a Lois, sua esposa, que o trancasse para sua própria segurança, e ainda a
advertência de que, se continuasse daquele jeito não duraria mais um ano de
vida.
CID-F10.5
E a
seguir o CID-F10.5 – Transtorno psicótico: É um conjunto de manifestações
afetivas, psicóticas, com quadro delírio-alucinatório, falsos reconhecimentos e
transtornos psicomotores, que ocorrem durante ou imediatamente após uso
prolongado de álcool. O quadro alucinatório, antigamente conhecido como alucinose
alcoólica pode seguir a um episódio de delirium.
Quanto
a este CID – Transtorno psicótico, também fica evidentes suas manifestações no
quadro de Bill, mas nos fixaremos ao delírio-alucinatório, ou como era chamado,
alucinose alcoólica, uma vez que eles estão diretamente ligados, ou
confundidos, com a tal experiência espiritual e, exige maiores explicações para
bom entendimento do leitor. Ainda para maior esclarecimento, reafirmamos que a
alucinação alcoólica ocorre em seguida a manifestação do delirium tremens.
Pressupostos básicos para a manifestação
de alucinações
A principio, não fica difícil entender que a situação de Bill
era francamente favorável a manifestação desse transtorno, mas conhecer os
mecanismos pelos quais eles concorrem, para compor o quadro, facilita
sobremaneira a compreensão dos fatos à luz da razão e da realidade,
desmistificando a aureola que envolve o caso Bill.
Dissemos
que a situação de Bill favorecia o aparecimento desse transtorno
delírio-alucinatório, tanto é verdade que ele já havia sido acometido pelo tal
transtorno anteriormente, só que com outros contornos. Vamos lembrar novamente
uma passagem, por ocasião da segunda internação de Bill quando ele disse (Levar Adiante, p. 114): “À noite, eu me
enchia de terror porque a escuridão era infestada por coisas rastejantes. De
dia, ocasionalmente, imagens estranhas dançavam pelas paredes.” Eis aí a primeira
manifestação, clara e inequívoca, do delírio-alucinatório, que neste caso é um
delírio persecutório, o que houve depois, na última internação, foi apenas a
recorrência do fenômeno, só que em vez de zoopsias, teve alucinação onírica,
visual; nesta ocasião o objeto alucinado foi a luz, seguido pelas visões de sua
infância.
Já
fizemos aqui a observação importante, de que são muito comuns essas
manifestações em dependentes de álcool em estágio adiantado da doença, sendo
frequentes suas constatações na literatura médica e em relatos clínicos, Bill
não seria uma exceção, nem tampouco vítima de um acontecimento raro. Quantos e
quantos casos contados por dependentes, que alucinaram com bichos ferozes ou
não, escondidos embaixo da cama, subindo pelas paredes, e ainda, alucinações
com sons, imagens e luzes. O sistema nervoso central de todos os dependentes em
fases adiantadas da doença, encontram-se lesados e/ou dementes – em suma,
bastante afetados-, propiciando os delírios e alucinações. É também muito comum
nessa circunstância o acometimento da síndrome de Wernicke-Korsakoff, onde o
paciente fica confuso e com afetações graves de memória. Veremos mais sobre
esta síndrome no capitulo “A doença”.
No
livro “O Alcoolismo” de autoria do Dr. Ronaldo Laranjeira e Ilana Pinsk, é dito
que devido a alguma doença, ou porque a pessoa efetivamente decidiu parar de
beber, os sintomas da síndrome de abstinência podem se intensificar. “Cerca de
60% dos pacientes não necessitam de tratamento específico para esses
desagradáveis sintomas, somente repouso, hidratação e comida leve. Para 40%
deles, os sintomas pioram muito, podendo produzir três tipos distintos de
complicação: convulsões, delirium tremens e alucinose alcoólica.”
(página 28). É muito importante dizer que Bill estaria sujeito ainda a ter
alucinações provocados pelos barbitúricos Meimendro e belladona, sabidamente
provocadores de alucinações, que lhe fora administrado pelo Dr. Silkworth. Além
do delirium tremens e Síndrome de Wernicke-Korsakoff, as alterações
comportamentais provocadas pelo TBH, também devem ser levadas em consideração.
Bill poderia ter sido acometido por um ou mais desses transtornos, ou até por
todos eles concomitantemente.
No que
diz respeito às alucinações visuais, de acordo com a moderna concepção psiquiátrica
(porque até recentemente se falava em percepção sem objeto), explica-se:
“porque percepção sem objeto, em verdade, não existe. Toda percepção é sempre
percepção de algo e implica forçosamente direção para um objeto (Amaral, 2007).
Se a percepção é um fenômeno sensorial que inclui um objeto estimulante e um
sujeito receptor (!), como falar em percepção sem objeto? Eis um desafio
conceitual que a patologia mental coloca à psicologia do normal.
(Dalgalarrondo, 2002). Este vem a ser, em última análise, o seu conteúdo
perceptivo empírico que apesar de falso ou irreal representa um dado imediato
de consciência.” Esclarecido esse pormenor técnico, de qualquer forma, as
alucinações visuais, são imaginação de coisas sem que elas existam de fato. “O
indivíduo tem uma convicção inabalável quanto à existência do objeto alucinado,
pois ele é percebido mais nitidamente do que objetos reais, conforme já
havíamos dito anteriormente. E isso, com um detalhe muito importante: o
conteúdo das alucinações é extremamente variável, porém guarda sempre uma
íntima relação com a bagagem cultural do paciente que alucina”
(psiqweb.med.br/alucin.html). É impossível alucinar com algo que não pertença
ao mundo psíquico do paciente.
Então
no caso do Bill, alguns dos elementos psíquicos ele mesmo revelou-nos em seus
escritos, como por exemplo, a montanha que aparece na alucinação “nasci à
sombra de uma montanha chamada Aeolos. Uma de minhas primeiras recordações
(veja como ele se lembrava dela e a fixação sobre ela que levou pela vida
afora) foi quando eu estava observando aquela enorme e misteriosa montanha e me
perguntando o que ela era e se algum dia eu subiria tão alto”. Logo adiante ele
afirma “comecei a desenvolver uma grande vontade de vencer. Decidi ser o homem
Número Um”. Calcule a importância dessas reminiscências para Bill, que veio a
se tornar o A.A. número um e buscou obsessivamente se destacar e galgar a
escala social. Outra coisa que se torna um aspecto importante é o fato de ele
dizer depois, sobre a alucinação: “pareceu-me com os olhos de minha mente”, em
que há correspondência com as chamadas “alucinações extra-campinas”, que,
conforme relatos científicos, são visões em que o paciente consegue ver cenas
fora do seu campo sensorial, como enxergar do lado de fora da parede (psiqweb).
Possivelmente há ainda um vasto repertório de Bill que ele não disse, mesmo
porque muitos deles seriam praticamente impossíveis de serem explicados
objetivamente, como foi o caso do evento em Newport, quando estava com Lois,
pouco tempo antes de embarcar em missão de guerra (Levar Adiante, p. 62), e em outra ocasião, na Catedral de
Winchester. Em Newport, do alto da colina com vista para o mar ele narrou: Ela
e eu olhávamos para o horizonte, cismando. O sol estava apenas se pondo e
falamos do futuro com alegria e otimismo. ‘Naquele lugar, senti os primeiros
lampejos daquilo que eu perceberia mais tarde como sendo uma experiência
espiritual... Nunca me esquecerei.
Veja como Bill associa sem nenhuma dificuldade
a percepção e sensação que ele teve ali ao lado da esposa, com a mesma sensação
que sentiu na dita experiência espiritual. Na catedral de Winchester foi
relatado assim: a atmosfera se impôs tão profundamente sobre ele que provocou
uma espécie de êxtase, acionado e agitado por uma “tremenda sensação de
presença”. “Durante um breve momento, precisava e queria Deus. Havia uma
humilde vontade de tê-lo comigo – e Ele veio.” Aqui, da mesma forma ele
distingue a sensação que ele sentiu na ocasião, como a mesma que ele percebeu
no quarto do hospital, em ambas as situações ele invocou e testemunhou como
sendo a presença de Deus.
Como
está demonstrado, o mundo psíquico de Bill estava ricamente abastecido de
elementos que compuseram as alucinações, estando plenamente coerente com a
afirmação de que “não é possível alucinar com algo que não pertença ao mundo
psíquico do paciente”.
Além dessas passagens que veio a ser parte da “bagagem
cultural e psíquica” de Bill, que foi possível constatar nos relados dele mesmo
e em sua biografia, deveria haver ainda outras tantas passagens,
acontecimentos, fatos e reflexões.
Provavelmente até mais, se formos analisar a criação de Bill pelos avós,
a região em que nasceu, etc. Sobre os avós, além do avô paterno de Bill,
considerado um bebedor pesado que encontrara a religião em um despertar
religioso e nunca mais bebeu, deveria conter no seu âmago vasto repertório.
Também haveria as experiência de conversão da religião de seus demais parentes
(e talvez da sua própria uma vez que há a omissão da religião em sua biografia)
no recôndito de sua mente.
Desta
forma, entendemos que Bill foi “programado” para passar por aquela alucinação,
e tanto isso é evidente, que seu último pensamento antes que ela acontecesse
foi expressada na frase: “Se é que Deus existe, que Se revele!” Estava tudo
meticulosamente preparado, tanto a nível objetivo como também em consonância
com o inconsciente de Bill, nos mínimos detalhes, vemos que tudo aconteceu como
em uma “construção”, onde cada tijolo é cuidadosamente colocado em seu devido
lugar; ele estava preparado para esta ocorrência triunfal, para essa
iluminação, para essa experiência de conversão, para esse despertar espiritual,
para essa delirante realização, de quem se considerava o Número Um. A nível
objetivo, encontramos mais de uma afirmação sobre sua capacidade de planejar e
prever os acontecimentos. Ele mesmo comentou que uma das coisas que mais o
agradava, era estudar e planejar um acontecimento e depois se extasiar com sua
comprovação. Lembren-se do que dizia seu
amigo Tom, que Bill não só planejava detalhadamente, como também só pensava
alto, depois, na página 273 de sua biografia (Levar Adiante) podemos encontrar a seguinte sentença: Com a sua
característica capacidade de previsão (ele estava sempre olhando para
frente), Bill não só havia esperado que aquilo acontecesse como também havia se
preparado antecipadamente para aquela situação. Não se pode descartar ainda
que, depois dos acontecimentos, esses eventos fossem justapostos para fazer o
sentido que queria dar a entender.
É muito
importante frisar aqui algumas observações de Russ que foi um destacado membro
de A.A., sendo da absoluta confiança de Bill, tendo inclusive morado na casa de
Bill por mais de um ano. Disse Russ: “’Naqueles dias, os argumentos de Bill nem
sempre se sustentavam. Ele tinha um ego imenso. A maioria de nós era egoísta, mas ele o era tão
tenazmente que, se desejasse alguma coisa, essa coisa virava verdade. Bill
começava pela conclusão. [...] Ele partia de uma premissa falsa e seguia passo
a passo um raciocínio lógico até chegar a conclusão da qual partira’. Embora
fosse muito mais esperto do que a maioria das pessoas, Russ afirmava que ele
‘ficava perdido’ quando queria algo intensamente, tornando-se disposto a
‘desviar um pouco as coisas’”. (Levar
Adiante, p. 180-181)
Outro
destaque que julgamos de suma importância é sobre observações feita pelo
repórter do Post, Jack Alexander, que gozava de grande reputação
nacionalmente. A principio Alexander foi investigar Alcoólicos Anônimos,
intrigado porque a instituição “tinha relação tanto com a religião quanto com
Rockefeller”, (Levar Adiante, p.
269). Jack acabou vindo a ser um grande divulgador do A.A., e até chegou a ser
um dos Custódios da irmandade. As
duas citações que fazemos em seguida estão às páginas 269 e 270 do livro Levar Adiante: “É um tipo que desarma
qualquer um e é especialista em doutrinar, usando a psicologia, a psiquiatria,
a fisiologia, a farmacologia e o folclore do alcoolismo”. “A percepção inicial de
Alexander era correta: Bill era cândido, mas sua candura nada tinha de
ingenuidade ou de estupidez; era proposital e atingia seus objetivos.” Ou seja,
Bill era um emérito manipulador com inegável talento de ator. Prestem bem a
atenção que estas observações sobre a personalidade de Bill não vieram de
críticos ou de irados detratores, mas de colaboradores dignos de respeito e
credibilidade.
Um
detalhe em particular também é intrigante, e chama-nos a atenção; antes de ele
gritar “Se é que Deus existe, que se revele!” houve a seguinte afirmação de que
“Sem nenhuma fé ou esperança, ele gritou”. Essa afirmação contradiz o que
normalmente os teólogos discorrem sobre quando acontece um milagre, o de que é
preciso da fé para que ele aconteça. Sintetizamos nossas pesquisas a respeito
de tão polêmico assunto, com uma frase que encontramos frequentemente nos
tratados teológicos consultados: A fé é uma exigência básica para se obter
uma cura milagrosa. Aliás, nesse sentido, Bill contrariou os interesses e
pensamento de muita gente ligado às seitas e religiões, despertando-lhes a ira,
possivelmente por não se lhes terem satisfeitos em suas doutrinas. Porque
segundo é amplamente divulgado está exatamente na fé à causa que produz o
inusitado.
O
milagre afiançado por Bill foge completamente a construção descritiva teológica
que as religiões e os teólogos apresentam. Da maneira como foi colocado – em
que sem fé – portanto sem acreditar -, ele ditou que (o milagre – a
manifestação de Deus) acontecesse, como se ele viesse de algum outro lugar,
obedecendo a um mecanismo desconhecido, prédeterminado.
Ainda
quanto a alucinação, segundo Ballone G.J. (2006): “Os enfermos delirantes são
capazes de discorrer com uma lógica impecável, não se tratando de perturbação
no juízo já formado, mas de algo que precede a formação desses juízos”. E aqui,
novamente o achado científico cabe como uma luva para o caso de Bill.
CID-F10.3 - SAA - Síndrome de Abstinência
do Álcool
Voltemos
aos transtornos provocados pelo uso do álcool, no que se refere a síndrome
(estado) de abstinência, CID-F10.3. O termo Síndrome de Abstinência do Álcool
(SAA) foi proposto por Edwards & Gross (1976), dentro do conceito síndrome
de dependência do álcool e vem a ser os sintomas e sinais da reação do
organismo dependente à falta de álcool. Ela se dá quando uma pessoa que esteja
em estado adiantado de dependência, bebendo seguidamente durante um longo
tempo, e de repente pára de beber ou reduz consideravelmente a quantidade que
bebia regularmente. Ela se inicia logo depois de algum tempo em que o individuo
parou de beber[2] e,
normalmente os sinais e sintomas mais comuns são: calafrios, sudorese, tremores
- principalmente nas mãos -, insônia, anorexia, dores generalizadas, disfunções
intestinais, câimbras, náuseas, vômitos, confusão mental, formigamento nas
extremidades dos membros, taquicardia, irritabilidade, aumento da pressão
arterial, febre, disforia (ansiedade, depressão e inquietude), aumento da
frequência respiratória, podendo até correr risco de morrer se for acometido
por convulsões - pois há relatos sobre essa possibilidade -, alucinose
alcoólica (alucinações ou ilusões visuais, táteis ou auditivas, transitórias),
e até delirium tremens, que é a forma mais grave da síndrome de
abstinência. Esta, quando aparece, surge de dois a quatro dias após a ingestão
do último gole. A síndrome de abstinência pode ocorrer em seus sinais e
sintomas, associados ou em parte deles, persistirão por seis a oito semanas, em
sua maioria. Alguns levam mais tempo, sendo contadas experiências de
prevalescências de até um ano, mas nesses casos apenas um ou dois sinais
persistem e vão se abrandando com o passar do tempo.
No caso
da dependência de álcool, são comuns dois tipos de alucinações, a alucinose
alcoólica, que é transtorno da percepção que se instala em consequência do
estado critico do paciente. Ela pode acontecer quando ele está plenamente
consciente, inclusive com capacidade de entender e para criticar o que está se
passando com ele, ou então pode acontecer quando já tem algum tempo em que ele
parou de beber. Estas alucinações são do tipo auditivas e verbais, e há as
alucinações provenientes do delirium tremens. Neste segundo caso, o
transtorno ocorre na fase de abstinência e inicia-se normalmente setenta e duas
horas após o inicio da abstinência, embora possa aparecer até sete dias após
esse início. São comuns alterações cognitivas (processos mentais de
conhecimento, percepção e raciocínio), da memória e da atenção e desorientação
temporo-espacial, em que as alucinações visuais aparecem com frequência. Ocorre
também as zoopsias (visão de animais). Especialistas informam que deve-se
suspeitar que haja delirium tremens em todos os casos de SAA em que o
paciente tenha agitação, pressão arterial acima de 140/90mm, frequência
cardíaca maior que 100 bpm e temperatura acima de 37°. O tratamento usualmente
é feito com benzodiazepínicos, o que pode representar riscos bem maiores que os
benefícios, devido a interação de substâncias psicoativas[3].
Embora grande número de casos não sejam diagnosticados, o número de óbitos é
elevado, variando de 5% a 15% dos casos, Maciel e Kerr-Correa (2004). O
medicamento referenciado inexistia à época de Bill, e ele foi tratado com
beladona e meimendro[4], hoje
visto com reservas, uma vez que são drogas muito perigosas – e na interação com
álcool é explosiva -, ainda são usados para distúrbios convulsivos e na indução
de anestesia geral.
Transtorno Bipolar do Humor
O Transtorno
Bipolar do Humor, ou simplesmente TBH, também conhecido como Transtorno Afetivo
Bipolar – TAB, até pouco tempo atrás, era chamado de Psicose Maníaco Depressiva
– PMD. Atualmente a forma mais adequada (embora não seja a mais usada) para se
referir a ele é Espectro Bipolar. Trata-se de uma doença que caracteriza-se por
alterações no humor ou afeto, com episódios de euforia, seguido por episódios
de depressão ao longo da vida. Na euforia temos agitação psicomotora,
ansiedade, insônia, discurso e pensamentos acelerados com fugas de ideias,
anorexia, irritabilidade, impulsividade e ideias de grandeza, aumento das
atividades produtivas ou prazerosas, aumento da libido, a crítica é prejudicada
e os ajuizamentos expressados se afastam da realidade. Ainda segundo Ballone
pode ser verificado: “autoestima é inflamada, grandiosidade, sensação
de ser mais e melhor que os outros e, algumas vezes quando tem delírio,
reconhecendo ser predestinado a alguma coisa muito importante.” Na fase depressiva verifica-se a presença de
melancolia, com perda de prazer e interesse pelas atividades rotineiras,
lentificação psicomotora, perda de energia, pensamentos negativos e ideação
suicida.
Embora
seja uma doença de ordem psiquiatra complexa, com quadro clinico variado, sua
forma clássica é facilmente diagnosticada com sintomatologia mais consistente
ao longo da história da psiquiatria. As alterações, ou ciclos dos episódios de
humor são bem caracterizadas. Até recentemente aceitava-se as classificações do
TBH dos tipos I e II, mas com a moderna concepção do Espectro Bipolar, as
variações estão sendo estendidas para os tipos III e IV, e correspondem à
intensidade das alterações do humor ou afeto, como preferem uns.
A Dra
Giuliana Cividanes, autora do primeiro trabalho brasileiro que analisou a
associação do TBH com transtorno por uso de álcool (onde nele ela afirma que no
período de euforia, eles dificilmente são controlados, e depois, ao perceberem
o que aconteceu, ficam abalados), publicou, em colaboração com Laranjeira R. e Ribeiro
M. um trabalho na Revista de Psiquiatria Clinica, em que afirma que o uso de
substâncias psicoativas por dependentes de álcool é extremamente comum e mais
frequente do que o observado na população geral (Kessler, 2004), mesmo quando o
consumo de álcool e/ou drogas é considerado de baixo risco ou moderado. (ver:
www.scielo.br/scielo.php?pid).
Nesse
sentido, “um aspecto altamente relevante, é que é frequentemente difícil saber
em pacientes com transtornos de humor, mono ou bipolares, persistentes ou não,
como episódios maníacos depressivos ou mesmo distimia, quando tais transtornos
são causa, ou se os sintomas apresentados são consequências do uso ou da
dependência de álcool” (Seibel e Toscano Jr., 2.000).
O
célebre astrofísico Carl Sagan, já falecido, também nos dá sua valiosa
colaboração sobre TBH, efeitos do álcool, e até atiça nossa curiosidade em
pesquisar sobre outras substâncias, como as endorfinas e encefalinas, para o
caso dos dependentes. Disse ele: “Todos nós, é claro, sabemos que o comportamento
é modificado pelas moléculas. Seres humanos no mundo todo já tiveram
experiências com substâncias como etanol, que certamente produziram mudanças no
comportamento, nas atitudes e na percepção do mundo. Sabemos que
tranquilizantes também fazem isso. Mas analisemos um caso bem específico, o da
síndrome maníaco-depressiva É uma doença terrível. O maníaco-depressivo oscila
entre dois extremos, e para mim é difícil dizer qual é o mais apavorante: o
mais profundo desespero e uma exaltação enlevada em que tudo parece possível –
a ponto de muitas vítimas dessa doença, quando estão no extremo maníaco do
pêndulo, acreditarem ser Deus. E obviamente é uma coisa incapacitante. Os dois
extremos são incapacitantes, e não se fica muito tempo no meio, bem como um
pêndulo, em que se anda mais devagar nos extremos do que no meio. (neste espaço
o Dr. Sagan fala do lítio, um elemento químico – o terceiro mais simples,
depois do hidrogênio e do hélio – resolvem de forma profunda, este problema
para boa parcela dos afetados pelo TBH).”
Continua a dizer o cientista: “Pensem nisto: quem sabe um
dia todas as emoções humanas não sejam, pelo menos, compreendidas
fundamentalmente dentro da terminologia da biologia molecular e da arquitetura
neuronal?” Se analisarmos nossa própria sociedade e outras, encontraremos
grande variedades de substâncias, muitas delas bem diferentes em termos
químicos, que afetam fortemente os estados de humor, as emoções e o
comportamento. Não só o etanol, mas a cafeína, os cogumelos, as anfetaminas, o
tetraidrocanabinol e outros canabinóis, a dietilamida do ácido lisérgico –
conhecida como LSD – os barbitúricos, a clorpromazina. É uma lista enorme.
Isso
levanta algumas dúvidas: Seriam todas as emoções humanas até certo ponto
determinadas por moléculas? Se uma molécula externa ingerida é capaz de mudar o
comportamento será que não existe alguma molécula interna comparável que possa
mudar o comportamento? É um campo em que tem havido grandes avanços. Estou
falando sobre as encefalinas e as endorfinas, que são pequenas proteínas do
cérebro. (Variedades da experiência científica, p. 198-200)
Qualquer pessoa dotada de um mínimo de raciocínio pode
compreender perfeitamente que, o conjunto dos fenômenos psíquicos apresentados
por Bill se identifica cabalmente com os achados científicos pertinentes. E
entre aqueles (religiosos e teólogos) que acreditam em milagres, e em
intervenções divinas, a história de Bill é incongruente com suas crenças e
dissonante com as doutrinas cristãs.
Fatos que precederam a fundação de A.A.
Logo
depois de sua alta hospitalar Bill começou a pensar em fundar “uma irmandade”,
de alcoólicos recuperados que pudesse ajudar os alcoólicos da ativa, e a medida
que foi pensando isso sobreveio mais uma possível crise de euforia, como pode
se deduzir pelos seus relatos sobre esse momento: “A essa altura, minha
excitação tornou-se ilimitada. Poderia ser colocada em movimento uma reação em
cadeia, formando uma irmandade sempre crescente de alcoólicos cuja missão seria
visitar outros sofredores e libertá-los.” (Levar
Adiante, p. 135) Seguiu pensando como cada um dos membros que se dispusesse
a levar a mensagem a outros e esses, ainda a outros e, dessa maneira a mensagem
chegar a cada alcoólico isolado do mundo. Aqui os biógrafos fazem uma
comparação com essa ideia de Bill, com as ideias empregadas em Wall Street,
onde “havia demonstrado consistentemente habilidade para visualizar o futuro e
perceber oportunidades de crescimento existentes em situações aparentemente
comuns.[5] Todavia
quanto aos números errou redondamente pois A.A. nunca atingiu sequer 0,5% dos
dependentes de álcool de todo o mundo.
Nessa
época passou a frequentar as reuniões do Grupo Oxford com a esposa. Daí
apareceram várias ideias de como funcionaria um grupo que depois colocaria em
prática na fundação de A.A. e para elaboração dos Doze Passos. A confissão, que
significa que as pessoas deveriam confessar seus pecados umas as outras (5º
Passo de AA), as reparações (8º e 9º Passos de AA), e as orientações diretas de
Deus (2º, 3º, 6º, 7º e 10º Passos de AA), foram retiradas desse grupo.
O Grupo
Oxford foi fundado pelo ministro luterano Frank Buchman em 1920, depois
batizado com esse nome em 1928 e, rebatizado em 1938 com o nome de “Rearmamento
Moral”, e era conhecido pelo radicalismo e ortodoxia. Pregava entre outras
coisas, que os dependentes para permanecerem sóbrios necessitavam de pressão,
evangelização agressiva e princípios de “orientação coletiva”. Imaginamos como
deveria ser terrível para os dependentes terem de aceitar o fanatismo e a
ignorância sobre a doença, vinda daqueles cristãos contemporâneos de Bill. O
fundador dos A.A. assimilou facilmente esses equívocos, tendo em vista que até
hoje, graças ao Bill e seus Doze Passos, pessoas continuam tratando os
dependentes de maneira preconceituosa e moralista; como indivíduos “com
defeitos de caráter”, necessitados de evangelização fanática - havendo até quem
pregue jejum intenso nas chamadas “fazendinhas” –, para expiação dos pecados
desses doentes. Para se ter uma ideia mais aproximada do que falamos do Grupo
Oxford, Bill conta que Sam Shoemaker – um dos primeiros prosélitos de Frank
Buchman – havia recolhido e abrigado um grupo de bêbados num apartamento
próximo da Missão do Calvário, disse “um deles que ainda “resistia à salvação”,
irritado, atirou um sapato e quebrou um lindo vitral da janela da igreja de
Sam.”
Devido
a decepções como a que acabamos de narrar acima, o pessoal do Grupo Oxford
aconselhou Bill a se esquecer dos infelizes dependentes de álcool, mas ele
resistia e confessou “tinha um tipo de força, que me conduzia, equivalente a
dois motores: um constituído de genuína espiritualidade e outro de meu antigo
desejo de ser o homem número um. Por essa declaração de Bill, entende-se
nitidamente a persistência das exaltações de humor, e também que agora ele
queria fundar um grupo onde ele poderia projetar toda suas obsessões e
certamente obter os ganhos que lhe proporcionasse a sua saciedade material
(tanto é que tirou sua mulher do emprego, mesmo antes de ter outras rendas), e
sabe-se lá o que mais ia em sua alma. Certo é que retornos pecuniários pessoais
estavam programados pois, não cuidava de buscá-los na iniciativa privada
mediante o exercício profissional. Seus biógrafos lembram sugestivamente como
seria sua forma procedimental: “com as ideias empregadas em Wall Street” de
prever o futuro e captar oportunidades em situações de aparências corriqueiras.
E esse talvez tenha sido o maior mal de Bill, que antevendo uma boa
oportunidade, não deu ao A.A. o rumo que os conselhos do Dr. Silkworth
sabiamente apontou, preferiu o estardalhaço do despertar espiritual, este,
muito em conformidade com a descrição do Dr. Ballone sobre o ‘bipolar’: “se
reconhecendo um predestinado”. Mais adiante, depois de relatarmos os conselhos
do Dr. Silkworth e da alavancagem de A.A., poderá ser verificada na execução de
seus planos o que realmente pretendia.
No
terceiro dia de hospitalização apareceu Ebby que lhe trouxe o livro As
Variedades da Experiência Religiosa de William James e sobre ele mais tarde
Bill afirmaria “que James, apesar de jazer há muito tempo em seu túmulo, foi um
dos fundadores de Alcoólicos Anônimos”.
Todavia
ainda que realmente se aceitasse o entendimento de que, o acontecido no Towns
Hospital foi um acontecimento espiritual e seguindo os princípios da religião,
do ponto de vista de James[6], como
justificativa, Bill acabou criando um paradoxo. Paradoxo porque se A.A. ajudou
a muitos, se tivesse seguido os princípios científicos que lhe fora instilados,
conforme veremos logo a seguir, teria ajudado imensamente mais. Diante do
exposto, aqui forçosamente temos que discordar dos biógrafos de Bill que
afirmaram que “o objetivo de James fora demonstrar que as experiências de
conversão tinham validade e valor”.
Assim
motivado e com a euforia característica dos bipolares, Bill foi a luta e, com
respeito a isso, podemos ler em sua biografia afirmações tais como: Ardendo de
confiança e entusiasmo, persegui os alcoólicos de manhã, à tarde e à noite e
tinha a mesma ambição motivadora que havia criado o único fabricante de
bumerangue de Vermont[7]. Mas nada
conseguia de objetivo, até que apareceu uma boa oportunidade para falar em
público sobre o assunto, convidado que fora para uma grande reunião dos Grupos
Oxford na Casa do Calvário. Falou-lhes sobre alcoolismo e de sua “maravilhosa
experiência espiritual”. Notou que havia um homem que não tirava os olhos dele,
absorvendo tudo que Bill dizia, e depois da palestra veio lhe falar. Disse que
foi até os Grupos Oxford por insistência de sua mulher, mas que não suportava
aquela conversa insana sobre Deus e nem gostava de toda aquela gente agressiva
que tentava lhe salvar a alma, disse mais; ainda que não aceitasse a esdrúxula
experiência religiosa do orador, concordava plenamente com o que ele havia dito
sobre o alcoolismo. Foi o primeiro alerta dado a Bill para que ele se ativesse
apenas aos fatos médicos da dependência do álcool e parasse com sua pregação
religiosa.
Desta
palestra Bill chegou a duas conclusões: a primeira foi a de que havia
impressionado o tal homem, de nome Fred, e convidou-o a se juntar ao pequeno
grupo que se reunia ali por perto depois das reuniões do Oxford. Parecia-lhe
que aquele homem era um (seu) convertido a toda prova e isso o deixou
exultante, segundo suas próprias palavras. A segunda conclusão, foi a de que
deveria fazer mais palestras, pois concluiu que gostava de falar em público e
se conseguia resultado como aquele, certamente tinha achado o caminho. Contudo
e mais importante, ele não aprendeu a lição de que deveria se limitar a falar
de alcoolismo e deixar de lado sua prédica religiosa. Esse foi apenas o
primeiro alerta, outros neste sentido viriam depois. Segundo a biografia, Bill
tinha muito a aprender, pois Fred continuou a beber embora tenha se tornado um
amigo, e os primeiros meses de 1935 enfrentou muitas frustrações como aquela.
“Anos depois, ele viria a explicar seu fracasso como
sendo devido a um método errado; durante aquele período, afirmou, ele estivera
pregando para os bêbados. Além disso, ele ainda acreditava que os alcoólicos
precisavam ter uma experiência espiritual, semelhante àquela que ele tivera,
para conseguir se recuperar.” (Levar Adiante, p. 143)
Sinceramente
aqui está a nossa maior dúvida com relação a Bill, pois mesmo tendo consciência
de que tinha que se limitar a falar apenas da dependência de álcool, e o leitor
vai acompanhar que houve pelo menos três outras oportunidades ímpares para
aprender a lição, ele insistia em seus delírios religiosos. Foram com o Dr. Silkworth, depois com o Dr.
Bob (AA nº 2), e posteriormente com Bill D. (AA nº3), onde todos eles se
manifestaram contrários a sua pregação religiosa e da narrativa de sua
fantástica história da experiência espiritual, eles eram favoráveis aos fatos científicos. Qual a
razão de contrariar a realidade, que ele mesmo reconhece, como explicitado no
recorte acima? Além de contrariar, a lógica explicita, está aí uma
inquestionável contradição. Quando dissemos que está aí a maior dúvida sobre
Bill, estamos falando das reais intenções que lhe ocorria no íntimo,
inconfessadamente, mas que salta aos olhos atentos ante tantas e tamanhas
evidências. As favas com os fatos médicos e a ciência, que, aliás, ele sempre
desdenhou. A ciência provavelmente nunca o elegeria como o Número Um, a volúvel
massa ignara e fanática talvez sim, sempre ávida pela mágica, pelo
sobrenatural, pelo milagre. Queria sensibilizar o povo Yanque para
conseguir-lhes a simpatia, e trazer esse povo ( ‘império protestante’, um termo
usado pelo historiador Sydney Ahlstrom)[8]
para seu lado, e nada como tocar no
“calcanhar de Aquiles” dessa população. Ao colocar no seu discurso aquilo que o
povo quer e acredita, incluiria a experiência espiritual ou conversão, para
mostrar para a massa crente que ele era um predestinado por Deus, e que havia
recebido o sinal para uma missão divina. Depois voltaremos a esta importante
questão.
Ainda
segundo a referenciada biografia, foi o Dr. Silkworth que ajudou a colocar Bill
no caminho certo quando lhe dizia abertamente que ele estava pregando, e essa
pregação estava afastando seus convertidos. Afirmam que ele falava em demasia
das doutrinas dos Grupos Oxford e da sua própria experiência espiritual. E
continuava o médico argumentando-lhe: “Por que não falar sobre a doença do
alcoolismo? Por que não falar aos alcoólicos sobre a doença que os condenava a
ficarem loucos ou morrer, se continuassem a beber? Vindo de outro alcoólico, um
alcoólico falando com outro, talvez aquilo quebrassem aqueles egos.” (Levar Adiante, p. 143) Esta foi a
posição visionária do intuitivo médico. Observem que foi este médico o
precursor dos grupos de ajuda mútua.
No
livro Alcoólicos Anônimos Atinge a Maioridade (escrito por Bill – pág.
59) ele disse assim: “Pouco antes de sair para Akron (onde encontraria o Dr.
Bob), o Dr. Silkworth tinha me dado um grande conselho. Sem isso, A.A. nunca
poderia ter existido. ‘Veja Bill’, ele disse, ‘você somente conseguiu fracassos
porque está pregando a esses alcoólicos. Você está lhes falando a respeito dos
preconceitos do Grupo Oxford’ [...] Daí você termina, falando acerca de sua
misteriosa experiência espiritual. Não é de admirar que eles apontam seus dedos
para suas cabeças e saem para beber. Por que você não muda sua estratégia?
[...] Depois dê a elas os fatos médicos e insista nisso.”
Entre o colchete com reticências e a sequência da frase,
logo acima, está narrado um episódio que preferimos citar no capitulo
intitulado “Apropriação das ideias de Jung”, porque lá ele é mais útil às
demonstrações que queremos apresentar. Por hora o importante é que o leitor
saiba que Bill foi devidamente advertido e conscientizado quanto a orientação
para a mudança de estratégica feita pelo Dr. Silkworth.
Carl Gustav Jung, uma pedra forjada de
sustentação do A.A.
Chamamos
a atenção do leitor para dois fatos muito importantes com respeito à maneira
como Bill forçou a entrada de William James e Gustav Jung (respectivamente o
pai da psicologia e do pragmatismo americano, e o criador da teoria do
Inconsciente coletivo e dos Arquétipos) na ideologia de A.A. Foram duas
maneiras bem distintas: na primeira, a ideia de um foi interpretada à maneira
de Bill e aplicada para corroborar seus projetos; e no segundo caso, o Dr. Carl
Jung, o inventor da chamada psicologia analítica. Com Jung na verdade houve uma
troca de favores, em que um ajudou a corroborar a teoria do outro em uma
potencialização sinergética. Construíram uma curiosa simbiose que resultou numa
farsa intelectual como poucas já vistas. Para isso vamos conhecer um pouco de
Jung e sua obra. Posteriormente abordaremos William James.
Carl
Gustav Jung nasceu em 26 de julho de 1875 no vilarejo de Kresswil, na Suíça. Seu
pai e oito tios eram pastores luteranos, o que influenciou profundamente nos
seus interesses e trabalho. Em 1902 Jung formou-se em medicina. Já em 1900
tornara-se interno na Clinica Psiquiátrica Bughölzli, em Zurique, onde criou um
laboratório experimental e dali surgiu seu conhecido teste de associação de
palavras. Em 1905 assumiu a cátedra de professor de psiquiatria da Universidade
de Zurique. Em 1907 conheceu Freud, que a convite deste, o visitou em Viena,
onde desenvolveram uma amizade pessoal e uma parceria profissional que durou
até 1914, quando romperam por divergências acadêmicas e interesses pessoais,
como veremos depois.
Frisamos
aqui que, usaremos do livro O Culto de Jung intensivamente para
referências, citando as ideias de Richard Noll. Deste autor utilizaremos parte
de suas próprias referências, nas suas próprias palavras, quando essas forem as
mais apropriadas, citando também frases inteiras ou parte delas. Da mesma
maneira faremos uso de parágrafos ali existentes. Sempre que as circunstâncias
não permitirem, ou que esteticamente não convierem as referências diretas da
autoria, certamente, sempre faremos uso do livro quando sentirmos essas
necessidades, ou quando circunstancialmente forem mais favoráveis ou indicadas.
Esta
nossa iniciativa justifica-se em prol de uma exposição mais corrente e
esclarecedora, para as facilidades de entendimento e conforto do leitor. Deve
ser levado ainda em conta que inúmeras passagens, fatos, obras e a própria
personalidade de Jung tem muita similaridade com os correspondentes de Bill, e
sobre esses aspectos Noll soube dissertar com rara felicidade. Com isso, quase
tudo o que o autor de O Culto de Jung relata em seu brilhante livro
serve para os nossos propósitos, portanto, não hesitamos em tomar emprestado de
Noll, seus relatos para parte de nossa própria dissertação.
Ruptura de Jung com Freud
Para
entender os interesses de Bill e Jung na criação do mito da doença espiritual, é
importante conhecer um pouco de Jung e suas teorias, mas faremos isso de forma
bem compacta.
Segundo
Noll, a partir da retórica, Jung ao responder uma carta de Freud, perguntava
“Não haverá na Ordem Internacional um novo salvador? Que espécie de novo mito
ela irá disseminar para que nós o sigamos? Por simples presunção intelectual,
só os sábios serão éticos. O resto de nós precisará da verdade eterna que se
expressa no mito”. (O Culto de Jung, p. 207) Dessa forma Jung parecia
insinuar a Freud sua ideia de psicanálise como substituta do cristianismo, como
movimento de redenção e renascimento. E era isso que as elites buscavam,
conforme vimos nas páginas anteriores (que aqui foram omitidas, sintetizando o
texto), e isso era objeto das intenções de Jung, que buscava seduzir Freud com
seus acenos para uma psicanálise espiritual.
“Jung
parecia então revelar a Freud seu conceito da psicanálise como substituta do
cristianismo e mesmo como movimento de redenção e renascimento. A linguagem era
nietzchiana, até dionisíaca, e cairia bem nas filosofias de base mitológica que
eram propostas por Gross, pelos membros do Círculo Cósmico ou por qualquer
grupo asconiano interessado em alcançar a renovatio cultural e
individual.” Sobre o pensamento de Jung, Noll concluiu “A nova religião da
modernidade seria, é claro, a psicanálise.” O cristianismo com seus quase dois
mil anos só poderia ser substituído por um “irresistível movimento de massas”.
E assim Jung se expressou:
“Imagino
para a psicanálise uma tarefa muito mais admirável e muito mais abrangente do
que a aliança com uma fraternidade ética. Penso que precisamos dar à
psicanálise tempo para infiltrar-se entre pessoas de muitas áreas, reviver
entre os intelectuais o sentimento do símbolo e do mito, aos poucos retransformar
Cristo no profético deus da vinha e, por aí, assimilar as arrebatadoras forças
instintuais do cristianismo, com o único propósito de fazer do culto e do mito
sagrado o que eles já foram: um festim bêbado de alegria em que o homem
recupere o etos e a santidade do animal. Era essa a beleza e o objetivo da
religião clássica, e só Deus sabe quais necessidades biológicas passageiras a
transformaram num Instituto da Aflição. Mesmo assim, que êxtase e sensualidade
infinitas jazem adormecidos em nossa religião, esperando apenas para serem
reconduzidos a seu verdadeiro destino! Um genuíno desenvolvimento ético não
pode abandonar o cristianismo; precisa surgir dentro do cristianismo, converter
em realidade seu hino de amor, a agonia e o êxtase em face do Deus morto e
renascido, o poder místico do vinho, a impressionante antropofagia da Última
Ceia – só esse desenvolvimento ético pode desempenhar o papel das forças vitais
da religião”. (O Culto de Jung, p. 207-208)
Para
concluir, Jung confessava a “Freud que a psicanálise o deixava orgulhoso e
insaciado e que gostaria de associá-la a tudo que é dinâmico e vivo. ‘Só nos
resta permitir que esse tipo de coisa se desenvolva’.” “A resposta de Freud a
tudo isso foi uma reprimenda: ‘você não deve me considerar o fundador de uma
religião. Minhas intenções não são tão grandes. [...] Não penso num substituto
da religião – essa necessidade precisa ser sublimada”. Noll diz que Freud ficou
desencorajado com o fanatismo de Jung e com o que chamou de “mistura de
imagística cristã e dionisíaca, uma associação que atendia a arianos e não a
judeus”. (O Culto de Jung, p. 208) Diante da reação de Freud, Jung
arranjou uma desculpa que registrou em carta enviada a Freud em 20 de fevereiro
de 1910: “mais um daqueles rompantes de fantasia a que me entrego de tempos em
tempos”. E acrescentou dizendo: “coisas de todo tipo estão cozinhando em mim,
mas especialmente a mitologia”. (mesmo livro e página) Contudo, apesar das
desculpas, Jung voltou ao tema, ainda que de maneira mais sutil, em carta a Freud,
datada de 10 de agosto daquele mesmo ano. Na carta, a ideia da psicanálise como
religião milenarista estava contida na revelação que fazia ao pai da
psicanálise, sobre “algumas coisas bem extraordinárias” que os opositores da
psicanálise andavam dizendo, e que mereciam a devida atenção por parte dos
adeptos do movimento liderado pelo destinatário. Dizia o missivista que os
cochichos sobre sectarismos, misticismo, jargão arcano, iniciação e outras
coisas parecidas tinham significado, e que só poderiam estar sendo dirigidos ao
“que tem todo o aparato de uma religião”. Jung não discordava das argumentações
dos opositores que davam uma conotação religiosa para a psicanálise. Ele ainda
sugeria a Freud que se elegesse uma elite (que Noll destacou entre parêntese:
“essencialmente, uma nova aristocracia nietzschiana”) com a finalidade de dar
proteção contra os críticos e finalmente conduzi-la a “uma idade de ouro na
terra” (O Culto de Jung, p. 209)
No
entendimento de Noll, parecia evidente que, na carta, Jung “estava se
entregando a mais um de seus rompantes hiperbólicos, [...] que em vez de negar
a acusação de cultismo, oferecesse uma ‘visão apocalítica’ reconhecidamente
excessiva, que parecia expressar seu desejo de promover tal sociedade secreta”.
Por fim, nessa mesma linha de argumentação, Noll interpreta que na carta a
Freud, ele explicitava que mesmo antes de romper com Freud e criar o seu
próprio grupo, ele já “fantasiava o movimento psicanalítico de modo muito
semelhante a como Creuzer e outros fantasiavam os cultos-mistérios do mundo
greco-romano: uma organização hierárquica liderada por uns poucos hierofantes
ou iniciados seletos, que ficariam a par do conhecimento esotérico conforme
avançassem de iniciação em iniciação, até conseguirem lugar na elite dirigente.
Tal organização sagrada deveria operar fora das convenções sociais de costume,
oferecendo uma experiência singular de revitalização ou renascimento aos que
fossem corajosos o bastante para encarar o desafio. Em 1916, Jung, cansado da
reticência de Freud já havia muito tempo, estava a meio caminho de estabelecer
ele próprio uma organização sagrada nesses moldes.” (O Culto de Jung, p.
209-210)
As
explicações de Richard Noll, sobre os interesses de Jung pelo misticismo,
notadamente sobre o ariano, em que o sol como elemento mitológico ocupava o
centro das atenções, parece-nos muito claro. Também parece claro que esses
interesses místicos o levaram a insinuar-se perante Freud, na tentativa de
influenciá-lo a fazer da psicanálise um movimento religioso, e ante a reação
contrária do pai da psicanálise, Jung resolveu desenvolver sua própria teoria
psicanalítica e fazer dela um movimento de culto. O autor do O Culto de Jung
deixa a entender que, apesar da grande inteligência e capacidade intelectual do
psicanalista suíço, este deixa escapar por diversas vezes que se equivocou na
elaboração da teoria do inconsciente coletivo, como também faltou com a verdade
sobre a principal prova que corroboraria essa teoria, o Falo Solar.
Para
que o leitor possa acompanhar o raciocínio de Noll, passaremos a seguir a
falar, ainda que sinteticamente, da teoria de Carl Gustav Jung, que tanto
interessou e serviu a Bill Wilson em seus intentos. Por sua vez, Bill também
cometeu imperdoáveis equívocos, porque ao desviar, no nascedouro, a trajetória
da instituição que poderia ser a redenção da maioria dos dependentes de álcool
e outras compulsões, ele o fez em beneficio de seus propósitos pessoais.
Conceitos do inconsciente individual e
coletivo
Freud
dizia que todo ser humano tem um inconsciente individual, que vem a ser seu
acervo pessoal, composto pelos sentimentos e ideias reprimidas, ou recalcadas,
desenvolvidas durante a sua vida, com acessos barrados aos níveis pré-consciente
e conscientes da mente humana.
Já o
inconsciente coletivo de Jung nada tem a ver com os processos individuais ou
pessoais do individuo. Trata-se de uma herança de sentimentos, pensamentos e
lembranças compartilhados por toda a humanidade.
Em
outras palavras, o inconsciente coletivo seria o depositário das imagens
latentes de todo antepassado humano. Para Jung esse acervo da humanidade seria,
ou se manifestaria, em imagens primordiais ou arquétipos. Esse legado de
estrutura psíquica contendo padrões e imagens universais independeriam de
credo, cultura, raça ou qualquer conhecimento objetivo do individuo. Nas
palavras do próprio Jung, o inconsciente coletivo compreende toda a vida
psíquica dos antepassados desde seus primórdios. É o pressuposto e a matriz de
todos os fatos psíquicos e por isso exerce também uma influência que compromete
altamente a liberdade da consciência, visto que tende constantemente a
recolocar todos os processos conscientes em seus antigos trilhos. Ainda nas
palavras de Jung, mas de outra forma, o inconsciente coletivo conteria toda a
herança espiritual da evolução da humanidade que pode se tornar subitamente
perceptível na estrutura cerebral de todo individuo.
O inconsciente
coletivo de Jung
Depois
de sonhar com uma velha casa, Jung afirmou que obtivera daí inspiração para
conceber as primeiras ideias do inconsciente coletivo. No parecer de Noll, isso
lhe deu foi a ideia para o seu primeiro modelo do inconsciente filogenético. No
sonho, Jung viu nessa casa, porões, ossos, corredores, escadarias, uma
estrutura muito antiga, talvez romana e uma tumba com cerâmica pré-histórica.
Noll informa que Jung, conforme dissera numa palestra em 1925, teve “uma
sensação bastante impessoal a respeito do sonho”, surgindo daí a intuição de
que as imagens não viriam de um reduto pessoal, e sim de uma fonte filogenética
ou transcendente. Para Freud o significado do sonho era outro – o desejo de que
certas pessoas estivessem mortas e enterradas debaixo de dois porões.
O homem do Falo Solar
Richard
Noll afirma que, durante toda vida, Jung contou a história do Homem do Falo
Solar como prova conclusiva de que haveria um inconsciente coletivo. Essa
história seria a prova cabal da sua existência. A equipe designada por Jung para
identificar material clinico de natureza mitológica, no hospital de Burghölzli,
conta que esse homem do Falo Solar teria alucinações e delírios cujo conteúdo
se parecia qual texto mágico helenístico do século II. Assim, os assistentes
psiquiátricos de Jung, deixavam a entender que a tal história seria o bastante
para comprovar cientificamente a existência do inconsciente filogenético e do
inconsciente coletivo.
No ano
de 1959, em entrevista ao programa “Face to face” que teria entrado para a
história (O Culto de Jung, p. 200-201), no qual Jung foi entrevistado, o
apresentador da emissora, John Freeman, perguntou ao médico suíço: “Há algum
caso que o senhor considere o momento crucial de sua carreira?” Jung respondeu
que sim, e apontou que esse caso era o do Homem do Falo Solar.
Mas na
verdade esse não era um caso (médico) do entrevistado, e sim do médico
Honegger, pois o paciente estava sob os cuidados deste médico - que na opinião
de Noll parece ter sido deliberadamente ocultado.
Honegger havia iniciado seus trabalhos
psiquiátricos com internos em 1909 na Clinica Burghölzli sob a direção de
Bleuler. Na época Honegger estava sob liderança de Jung, que se transferindo
para Küsnacht, determinou a ele e mais dois médicos que seguissem suas
orientações para colher material filogenético dos pacientes. Na obra Metamorfoses
e símbolos da libido, havia referências explicitas a Honegger, que foram
retiradas por Jung em Símbolos de transformação, que por sua vez era a
revisão da primeira obra, levada a efeito em 1952. Nos textos posteriores, Jung
afirmava que o Homem do Falo Solar teria sido seu paciente, não mencionando
Honegger em hipótese nenhuma. Na afirmação de Noll, em Metamorfoses e
símbolos da libido, Jung descreveu assim o caso:
“Num
homem insano (demente paranóico), Honegger descobriu a seguinte alucinação: o
paciente considerava o sol uma “calda erguida”, semelhante ao pênis em ereção.
Assim, quando esse homem movia a cabeça para frente e para trás , o sol também
moveria o pênis da mesma forma, e o vento surgiria daí. Durante muito tempo,
ficamos sem entender essa alucinação, até que me familiarizei com a Liturgia
Mitraísta e suas visões.” (O Culto de Jung, p. 200)
Por
toda sua vida, Jung afirmara que o Homem do Falo Solar não poderia ter tido acesso
anterior às ideias mitológicas, o que tornaria indiscutível a prova do
inconsciente coletivo. Na entrevista a BBC por Jung, Noll destaca ainda mais
uma pergunta de Freeman com a devida resposta de Jung:
-
Freeman: Mas como o senhor podia ter certeza de que seu paciente não estava
inconscientemente lembrando uma coisa que alguém já contara a ele?
- Jung:
Ah não. Isso está fora de questão, pois se tratava de uma coisa que era não
conhecida, um papiro mágico que estava em Paris e nem tinha sido publicado[9] ainda. Só
o foi quatro anos mais tarde, depois que eu já havia feito aquelas observações
em meu paciente.
Noll
argumenta ainda que, nos anos 30, muitos anos depois do suicídio de Honegger
(1911), quando este já estava desconhecido, exceto por alguns amigos, a
história do Homem do Falo Solar tomou a seguinte forma:
1 - O
paciente que era de Honegger passa a ser de Jung (pelas manobras de Jung), e
Honegger simplesmente some dos anais da psicologia analítica.
2 - Jung
alegaria depois que os delírios do Homem do Falo Solar foram constatados em
1906, contrariando a data em que possivelmente poderia ter acontecido, pois
Honegger só iniciara suas atividades na Clinica em 1909, e ele é que era o
médico do tal paciente.
3 - O
texto da Liturgia Mitraísta (o papiro mágico) só teria sido publicado em 1910,
quatro anos depois da época em que, segundo Jung, ele próprio descobrira o
Homem do Falo Solar.
E assim
essa ficou sendo a versão firmemente sustentada por Jung e por seus discípulos,
muitos dos quais eram íntimos de Jung nos seus últimos anos de vida e conheciam
a verdadeira história. Foi na obra A estrutura da Alma que pela primeira
vez Jung apropriou-se da obra, atribuindo a si os créditos e méritos por seu
achado. Contudo, a papelada pertencente a Honegger, que havia sumido por
ocasião de seu suicídio[10], em 1911,
reapareceu em novembro de 1993, e cujas fotocópias foram depositadas por
William McGuire[11] na
Biblioteca do Congresso. Entre elas
estavam o histórico do Homem do Falo Solar, e este se chamava “E. Schwyzer” e
que havia nascido em 1862.
Noll
aponta ainda uma série de contradições e omissões, cometidas por Jung e seus
colegas, quanto a autoria do material, e datas. Jung dizia que o material
publicado não seria a primeira (1903), mas a segunda edição (1910), e portando
que o paciente poderia ter entrado em contato com esse material, antes de sua
internação e até mesmo durante esta. E o
que é mais importante, o próprio Honegger não obedeceu aos critérios
recomendados, para saber se o paciente havia entrado em contato com o material
mitológico. Apenas a presunção de que o paciente não havia entrado em contato
com esse material foi estabelecida diante das condições humildes do paciente.
Por se tratar de um comerciário sem muita instrução, ele não poderia – segundo
Honegger - ter nenhuma ideia desses mitos e filosofias. Como havia muito
material mitológico, filosófico, teosófico em circulação, naquela época, esse
paciente poderia muito bem ter sido exposto ao mito em questão e depois se
esquecido disso, que em termos técnicos atuais, é conhecido como amnésia de
fonte (source amnésia), e no tempo de Jung como criptomnésia. Há ainda o
antecedente muito parecido, no qual Jung relata com parcialidade outro caso.
Trata-se de quando “ele usou esse método, por exemplo, para documentar o
aparecimento espontâneo de mandalas e ideias alquímicas nas pinturas e desenhos
de uma paciente. Essa paciente era uma americana que Jung cuidara no final dos
anos vinte, e que foi registrada no seu célebre Estudo do processo de
individuação de 1950.”
Conforme
diz Noll, Jung, no estilo de sempre, assegurava aos leitores que “todas essas
ideias e influências eram naturalmente desconhecidas de minha paciente”, e que
“de modo algum eu poderia tê-la contaminado involuntariamente com ideias alquímicas”. Hoje se sabe que essa
paciente era a proeminente Junguiana
Kristine Mann, que chegara a Jung depois de ter passado e participado
intensamente por círculos swedenborguianos e que conhecia muito de literatura e
ideias ocultistas, incluindo-se a simbologia alquímica. Interessou-se muito
pelo assunto bem antes de seu envolvimento com Jung.’ (O Culto de Jung,
p. 205)
Envolvimento de Bill
com Carl G. Jung
Conta-se
na biografia de Bill que um de seus projetos, para a sua aposentadoria “seria
formalizar a gratidão a um incontável número de pessoas que ele, Bill, sentia
serem responsáveis pela criação da Irmandade.”[12]
E no primeiro lugar da lista estava Carl Gustav Jung. Já o grande conselheiro e
responsável direto pela criação de A.A., o Dr. Silkworth, fora “relegado” a um
segundo plano. Acreditamos até que isso não tenha sido um projeto
pré-elaborado, como quer sugerir o texto, porém, cremos que isso foi uma
ocupação que Bill arranjou, para falar como cofundador da irmandade, uma vez
que na data de sua carta para Jung, em 23 de janeiro de 1961, suas ideias não
estavam sendo bem vindas e bem vistas dentro de A.A. Naquela ocasião, quando provocou uma cisão, tentava mudar a composição
dos custódios[13],
o que levara o Dr. Jack afirmar que a conduta de Bill se parecia muito com a de
um “’velho cacete’ quando estava frustrado”. (Levar Adiante, p. 433) E
esse seu plano fora derrotado e ele chegou a chantagear, dizendo que ainda
teria direito a uma sala no Escritório Central da fraternidade (mesmo livro e
página). Tentou por vários anos na Conferência de Serviços Gerais, mudar o
Conselho de Serviços Gerais[14], e
recebeu a recusa dessa instância superior de administração de A.A., até que o Dr.
Jack teve coragem de insinuar a Bill que os Custódios não estavam reagindo às
suas ideias e, sim, à maneira dele de conduzi-las. Este custódio comunicou a
Bill que deixasse aquela tarefa com ele, e esta acabou sendo realizada sem
maiores dificuldades. Ele resolveu um problema rapidamente que Bill não
conseguira em anos. Tratava-se apenas de resistência pessoal de seus pares a
seus métodos. Ele se tornara intratável por ali.
Esse aludido projeto, para a aposentadoria de Bill, em
escrever cartas de agradecimento àqueles que seriam os fundadores imaginais de
A.A., no caso do Jung, na verdade foi uma das maiores farsas que ele perpetrou.
Ele se esqueceu que, em 1944, havia demonstrado que desconhecia as teorias de
Jung e, ao saber delas por intermédio de um artigo de Wylie, na revista
Grapevine, editada por AA, desdenhou-as mordazmente. Fez isso por meio de um
outro artigo, que ele escreveu na mesma edição da revista Grapevine, em 1944,
retrucando Wylie. Esqueceu-se de que havia escrito o artigo, acusando Jung por
seus métodos e teorias, e depois, em 1961, inventou (glorificou) esses métodos.
Alegou que estes haviam sido incorporados como uma das bases de sustentação de
A.A (por meio de Rowland em 1930). Em outras palavras, aquilo que ele dizia em
1961 ter sido uma das bases de sustentação de A.A., em 1944 ele repudiou
ferozmente. Sobre isso veremos logo à frente, sob o titulo “Desdobramento do
caso Jung”.
Forçando uma base para A.A.
Voltando
as cartas trocadas entre Bill e Jung, publicadas nas páginas 419 a 421 do livro
Levar Adiante, e nas páginas 325 a 331 do livro A Linguagem do
Coração, ainda há outras versões, com pequenas mas importantes variáveis de
tradução. Aquela a que nos referimos logo abaixo foi publicada no site de A.A[15]., Área
Estado de São Paulo, de onde imprimimos
uma cópia. Vale salientar que no site de A.A., logo após o titulo “Carta de
Bill W. a Carl Jung”, está assim escrito: “Aqui está um capitulo de vital
importância na história dos inícios do A.A., primeiramente publicado na
GRAPEVINE, em janeiro de 1963, sendo reeditado em janeiro de 1968 e em novembro
de 1974.” Pelo enunciado, entende-se que a carta e suas posteriores publicações
(1963, 1968 e 1974), refere-se a uma só tradução, ou seja, que uma seja cópia
idêntica da outra, mas não é. Para que o leitor tenha uma ideia das
dificuldades que o pesquisador pode encontrar ao se empenhar para documentar
fielmente os fatos relativos a Bill e ao A.A., vamos mostrar como foram
publicados (apenas até o final do segundo parágrafo) no site de A.A. e no Livro
A Linguagem do Coração, página 325. Versão da carta publicada no site de
A.A.:
“Meu
Caro Dr. Jung.
Esta
carta há muito lhe deveria ter sido enviada.
Devo
primeiramente apresentar-me ao Senhor como Bill W. um dos cofundadores das
sociedades dos Alcoólicos Anônimos. Embora seja provável que o Sr. já tenha
ouvido falar de nós, com certeza ignora que uma conversa que manteve com um de
seus pacientes, Mr. Rowland, nos idos de 1930, tornou-se uma das regras
fundamentais da nossa Sociedade.
Embora
Mr. Rowland tenha nos deixado há muito tempo, o registro de sua inesquecível
experiência, enquanto sob os seus cuidados, passou definitivamente para a nossa
história e é a que passo a lhe relatar: Tendo Mr. Rowland esgotado todos os
recursos para livrar-se do alcoolismo, tornou-se em 1931 seu paciente,
permanecendo em tratamento, se não me engano durante mais ou menos um ano; após
este tempo deixou-o cheio de confiança e com a mais irrestrita admiração pelo
Senhor. Contudo para sua enorme consternação, retomou ao velho hábito.”
Versão
da carta publicada no livro A Linguagem do Coração:
“Estimado Dr. Jung:
Faz muito tempo que deveria ter escrito esta carta de
profundo agradecimento.
Para começar, permita-me que me apresente. Me chamo Bill
W. e sou um dos cofundadores da Irmandade de Alcoólicos Anônimos. Embora o
senhor já tenha tido algum conhecimento sobre nós, duvido que saiba que uma
conversa que o senhor teve, no principio da década de trinta, com um senhor de nome
Rowland H., acabou desempenhando um papel decisivo na fundação da nossa
Irmandade. Embora Rowland H. tenha falecido há muitos anos, o relato de suas
extraordinárias experiências enquanto estava sob sua atenção médica passaram a
ser parte da história de A.A.
Segundo
recordamos, a narração de sua experiência pode resumir-se assim:
Por
volta do ano de 1931, ao haver esgotado todos os seus recursos para
recuperar-se do alcoolismo, recorreu ao senhor como paciente. Creio que o
senhor o atendeu durante um ano aproximadamente. Ele lhe tinha uma admiração
sem limites e, ao terminar o tratamento, se sentia muito seguro de si mesmo.”
Na
primeira das cartas, versão publicada no site de A.A., datada de 23 de janeiro
de 1961, de Bill para Jung, o remetente diz que uma conversa do médico com
Rowland (o amigo de Ebby) no inicio da década de 1930 redundou-se em uma das
regras fundamentais da fraternidade de A.A.
Na
carta, Bill começa dizendo que uma conversa de Jung com Rowland gerou essa
regra fundamental de A.A. Vejamos então qual foi essa conversa: ao ser
procurado pelo paciente depois de uma recaída (tratara dele durante um ano, mas
ficava bêbado assim que se afastava do médico), Jung disse que seria inútil, e
em sua opinião, a única coisa que poderia libertar Rowland da sua dependência
seria um “despertar espiritual” (segundo Bill – pois não há comprovação que
Jung tenha dito exatamente assim). Diante da argumentação do paciente de que já
acreditava em Deus, o médico respondeu que só acreditar não adiantava: para ocorrer
a experiência religiosa vital seria necessário ingressar em um movimento
religioso.
Acontece
que Bill nem conhecia Rowland, e este não procurou Bill, e nem A.A. para pedir
ajuda. Ele também não os conhecia. Aliás, A.A. nem existia até então. Procurou foi
o Grupo Oxford e depois, para convencer Ebby, transmitiu a esse amigo comum
(pois Ebby era amigo de Bill também) os dogmas dos Grupos Oxford. Assim, tudo
que Bill sabia sobre Rowland, fora transmitido por Ebby, antes de Bill se
internar e, portanto, bem antes da fundação de A.A. Mas na carta de Bill a
Jung, ele força tanto para que se entenda que tinha uma proximidade com
Rowland, que escreve o nome dele abreviado – Rowland H. – à maneira de A.A.,
quando quer se referir que o nome abreviado se trata de um membro da
fraternidade. Isto é a maneira que encontram para deixar a entender que estão
mantendo o individuo no anonimato. Nesta passagem envolvendo Rowland, esse
expediente de Bill apenas mostra a sua costumeira capciosidade.
Dizemos
que “deixam a entender”, porque, como exemplo, ao se referir a Bill como Bill
W., isso não o mantêm no anonimato, mesmo porque costumam publicar sua foto ao
lado de seu nome com essa forma de grafar.
Quando se trata de um dependente de álcool que não é membro de A.A.,
isto não é regra, não tem nada a ver. Então ao tratar Rowland Hazard por
Rowland H., Bill, ao seu tendecioso estilo, está induzindo as pessoas a
entender uma coisa da maneira como ele quer que elas entendam, desprezando a
realidade e a verdade.
Para
demonstrar cabalmente que o argumento que Bill usava, dando a entender uma
proximidade com Rowland, não tinha lastro, citamos um trecho onde o Dr.
Silkworth convencia Bill a mudar de estratégica quanto a sua pregação
religiosa. Conforme dizia o médico, a narrativa da “sua misteriosa experiência
espiritual”, vem mostrar que Rowland estava distante de Bill:
“Não
foi você que em certa ocasião me mostrou aquele livro do psicólogo James, que
diz que a derrota total é a base da maioria das experiências espirituais?
Esqueceu-se também de que o Dr. Carl Jung disse, em Zurique, a certo
alcoólico, aquele que mais tarde ajudou Ebby a alcançar a sobriedade[16],
que sua única esperança de salvação seria uma experiência espiritual?” (Alcoólicos
Anônimos Atinge a Maioridade, p. 59) Fica claro pelas palavras do
médico que Rowland estava distante de Bill, não havendo laços que os
aproximassem, aliás, mostra que estavam bem distantes um do outro.
O que
Rowland sabia e transmitiu a Ebby, foram os princípios básicos do Grupo Oxford,
que certamente Ebby veio não só a se inteirar, como também a praticá-los. Além
da “doutrinação abrangente” citada por Rowland, que Ebby e Bill também vieram a
conhecer muito bem, os quatro princípios daquele grupo que Ebby transmitiu a
Bill seriam honestidade em relação a você mesmo, em relação ao seu próximo e em
relação a Deus. Honestidade absoluta, pureza absoluta, desprendimento
absoluto e amor absoluto. (parte desses e outros princípios do G.O. foram aproveitados
para elaboração dos Doze Passos). Preceitos que Bill se inteirou mas não
praticava.
Na
carta de Bill a Jung, ele escreve coisas para as quais, à luz da verdade, não
há correspondência. Demonstramos que não havia como ter acontecido as afirmações
e alusões de Bill. Os fatos apontam em outros sentidos, e, não se sabe de onde
Bill tirou tantos supostos detalhes da conversa de Rowland com Jung, inclusive
também não se sabendo de onde Bill conhecia os sentimentos de Rowland, com
relação a Jung, ao dizer coisas como: o registro de sua inesquecível
experiência, enquanto sob os seus cuidados, ou ainda: a mais irrestrita admiração pelo Senhor,
(carta do site) ou mesmo: suas extraordinárias experiências enquanto estava
sob sua atenção médica e por fim: Ele lhe tinha uma admiração sem
limites (Levar Adiante). Bill tirou essas coisas do nada, e não
haveria possibilidade de que alguém pudesse ter falado a ele aquelas coisas, e
ainda que isso fosse possível, Rowland não mantinha relações com Bill e nunca
passou procuração para Bill falar em seu nome. Bill queria tão somente forjar
uma proximidade com Rowland que nunca existiu.
Por
todo tempo, o próprio Bill teve o capricho de relatar não só os acontecimentos
mais importantes, mas muitas outras coisas, e muitas mesmo, e muitas delas eram
frivolidades, banalidades que ele discorreu longamente (compulsivamente) e sem
nenhum objetivo. Então, porque esse possível fato que seria de tamanha
envergadura, ele não registrou na extensa literatura que escreveu? Depois, nos
registros de suas memórias, nos documentários gravados ou filmados, nada falou.
Só depois da sua “aposentadoria” que lhe ocorreu registrar tão importante
acontecimento? Criou um fato tão
importante, e a partir dele, lapidou algumas frases afirmando que o fato teria
sido uma das regras essenciais e primordiais da fundação de A.A. Bill chegou a
afirmar pomposamente que aquilo seria “o primeiro elo de uma corrente de
acontecimentos, que terminaram por induzir a fundação de nossa Sociedade”. Ou
mais incisivamente ele diz: “a primeira pedra em que fundamentamos a nossa
Sociedade”, e outra frase de efeito, em tom profético: “passou definitivamente
para a nossa história”. Não há aí veracidade alguma, tudo fictício. Nem nos
livros escritos por Bill, nem nos artigos que ele escreveu para a revista
Grapevine, nem na biografia (definitiva, como dizem os biógrafos) de Bill, não
há absolutamente nada sobre relacionamento de Bill com Rowland ou de Rowland
com A.A. A arrumação é tão inverossímil, que podemos juntar outro argumento
irrefutável: o de que Bill não conhecia os argumentos e teorias de Jung, a
ponto de, mesmo não os conhecendo, criticá-los ferrenhamente e ironicamente,
por ocasião do caso Wylie. Nesta oportunidade, demonstrando que não conhecia
Jung e suas teorias, uma de suas argumentações foi: “O que mais chamou minha
atenção foi a referência quanto à experiência espiritual ‘ao estilo Jung’,
aparentemente, produzida ‘por uma técnica científica psicológica [...] Se
pudéssemos apenas dar-lhe uma boa dose desse ‘símbolo transcendental’”. ( A
Linguagem do Coração, p. 115) Prestem bem a atenção que Bill diz
ironicamente que se os ensinamentos de Jung valessem realmente alguma coisa,
bastaria dá-los (em forma de dose) aos dependentes, e estaria tudo resolvido.
Mas em vez de aceitá-los, Bill criticou-os acidamente. Aquilo que em 1944 era
odiado, em 1961 (na carta ao Jung) era endeusado. Como é que uma mesma coisa
poderia ser ao mesmo tempo desprezada e enaltecida? Incoerência só? Bill não
sabia nada do teor que envolvia o triangulo Rowland-Jung-experiência
espiritual, sabia apenas que Jung havia recomendado a Rowland que a buscasse,
como se busca a um milagre. Essa história de Bill é fruto de construção onírica
ou imaginal, próprio dele. E quando escreve essas tendenciosidades, o faz no
superlativo como: “Ele lhe tinha uma admiração sem limites”, “irrestrita
admiração”, “extraordinárias experiências”, denotando inquestionavelmente que
não só é fruto de fabulação, mas idealizando dentro de sua visão patológica de
grandiosidade, de delírio, enfim, de sua autêntica maneira de ser.
Então
porque Bill estava dizendo (envolvendo) que a conversa de Jung com Rowland
tornou-se uma das regras fundamentais da sociedade? Aquilo não fazia o menor
sentido, e ao dizer aquela frase, Bill teria possivelmente outra intenção não
revelada, que o desenrolar dos fatos torna evidente.
Se
alguém tem alguma coisa a ver com essa experiência espiritual (que por vezes é
referida como despertar espiritual, com experiência religiosa, com experiência
de conversão, de acordo com a necessidade e das circunstâncias), ou
influenciado a Sociedade de Alcoólicos Anônimos com ela, seria o Grupo Oxford.
Assim, se fosse para dizer da origem dos princípios de experiência
(excluindo-se a de Bill), honestamente, teria que ser dito que ela veio dos
Grupos Oxford. Mas o que é bem mais provável na intenção de Bill, era dentre
outras coisas, referendar sua própria experiência, dita espiritual, como a base
que impôs para A.A. e que deveria ser seguida por todos adeptos da irmandade,
mesmo que muitos de seus pares não a engolisse e ainda a ironizasse.[17]
Antes
de seguir no raciocínio da distância que havia entre Bill e Rowland, queremos
enfatizar a contradição de Bill em relação a Jung e suas teorias. Com isso queremos
demonstrar que verdadeiramente Jung nunca serviu (e nunca foi) para ser uma das
bases de A.A., conforme já mencionamos. Quando Jung fez uma orientação de
sentido terapêutico, a outro paciente, este de nome Wylie, ela foi rechaçada
por Bill, que ensandecido, derramou impropérios contra Wylie e Jung. Isto se
deu, como dissemos acima, em artigo que Bill escreveu para a revista Grapevine[18] em
Setembro de 1944. Certamente Bill se esqueceu que havia escrito este artigo, no
qual atacou os dois personagens, inclusive sendo demasiadamente irônico, e
discordando da “técnica científica transcendental” de Jung, por apresentar
aquilo que considerava uma afronta e incoerente despropósito: um meio para se
alcançar a sobriedade que não fosse A.A. Mas em 1961 ele já considerava a
técnica de Jung como algo que já era “uma das regras fundamentais da
nossa sociedade”. Não só criou várias frases de efeito para enaltecer a
importância das opiniões e teoria de Jung para A.A. como derramou elogios e
bajulações sobre ele. Aquilo que foi, em uma determinada circunstância, o
motivo para Bill exasperar-se ao
extremo, e atirar insultos de toda ordem, em outra circunstância (o idêntico conteúdo) servia para se derreter
em bajulações e em enaltecimentos e adulações demagógicas. Nenhuma coisa para
Bill tinha o seu valor em si mesmo e por si mesmo, mas unicamente pela sua
utilidade para ele próprio, inclusive as pessoas, ou como disse o jornalista
Luiz Edmundo: “Bill era ainda um explorador inclemente das pessoas, usava a
todos e se descartava daqueles que se recusavam a se submeter ao que ele
exigia.” Este é Bill.
Assim
como no caso de seu sócio e amigo Hank[19]
que não recebeu seu dinheiro, nem a gratidão merecida pela publicação do livro
azul, o Dr. Silkworth também não foi devidamente reconhecido. Este médico foi o
real idealizador de conceitos e bases para fundação de A.A, e não recebeu os
merecidos créditos, como aquele que deveria estar em primeiro lugar da lista de
Bill, quanto à gratidão e aos agradecimentos. Foi o Dr. Silkworth o idealizador
dos grupos de ajuda mútua, e isto mostra a magnitude e importância deste
médico, que não recebeu uma única linha de agradecimento. Preferiu Jung que,
embora não tinha nada em absoluto a ver com A.A., possuía fama internacional na
época, e por isso, essa associação poderia trazer dividendos para Bill e sua
entidade. Para que o leitor possa aquilatar melhor o que estamos informando,
olhem como a carta de Jung se tornou objeto de idolatria, conforme atesta a
biografia de Bill: “a carta de Jung se tornou um talismã para ele. O original
emoldurado está numa das paredes da biblioteca de Stepping Stones.
Com o
passar do tempo, as cópias da mesma viriam a ser lidas nas reuniões,
emolduradas e penduradas nas paredes das salas e repetidamente publicadas na The
Grapevine.”[20] (Levar
Adiante, p. 421)
O Grupo
Oxford, embora no nosso entendimento tenha influenciado tendenciosamente Bill,
sem dúvida era o único credor pelas ditas experiências de conversão e não
recebeu os créditos correspondentes. O Grupo Oxford foi ainda o inspirador dos
Doze Passos de A.A, e também foi quem acolheu Bill quando ele estava no seu
mais terrível fundo de poço.
No
livro Levar A diante, consta o seguinte texto:
“O fato
de Bill nunca ter feito um reconhecimento pessoal semelhante (a carta de Jung)[21], da
dívida de A.A. com Frank Buchman (Fundador do Grupo Oxford)[22],
que também morreu em 1961, continua sendo um ponto sensível para algumas
pessoas e um motivo de espanto para outras.
O
próprio Bill se arrependeu seriamente dessa omissão. Um mês depois da morte de
Buchman, Bill escreveu para um amigo: ‘Agora que Franck Buchman se foi e eu
percebo mais do que nunca o quanto devemos a ele, gostaria de tê-lo procurado
nos últimos anos para externar-lhe o nosso apreço’”. (Levar Adiante, p.
422)
Assim
Bill resolve a situação com o mesmo expediente de outras feitas em
circunstâncias parecidas: não teve a devida gratidão com quem merecia e
“arranjou” a substituição de Jung ao Grupo Oxford, dando-lhe o crédito por uma
participação que não houve. Foi um arranjo, ao que tudo se mostra, com segundas
intenções.
Ademais,
nunca houve registro da suposta experiência espiritual com Rowland Hazard, e
mesmo se ela tivesse acontecido, seria dentro do contexto das relações de
Rowland com o grupo Oxford, e nunca numa relação dele com Bill ou o A.A. vamos
esclarecer essa questão pontualmente:
1 –
Insistimos que tudo que Bill sabia sobre Rowland foi transmitido por Ebby, e
isto está devidamente documentado, em
toda narrativa de Ebby não há referência a nenhuma história de experiência
espiritual de Rowland.*
2 – Se
houve alguma coisa concernente a essas experiências, elas dizem respeito à experiência
religiosa ou experiência de conversão que era exigida pelos calvinistas
puritanos da região em que Bill nascera, conforme esclarecimentos do professor
Luís André, no inicio deste presente trabalho.
3 – Se
os Grupos Oxford também exigiam essa experiência (forçada), elas possivelmente
seriam como tantas outras de membros que simplesmente as declaravam de maneira
ideária, para não ficarem como ovelhas negras.
* No
site de A.A: www.aabahia.org.br/historiamundo/htm, num artigo cujo subtítulo é
“Como a Mensagem Chegou a Bill W.”, essa questão está assim esclarecida: “Em
1932 e 1933, um homem chamado Rowland Hazard, filho de um Senador e
proprietário bem sucedido de um engenho da Ilha Rhode, tinha tornado-se um
alcoólico sem esperança, e foi procurar ajuda com um psiquiatra de fama
mundial, Carl Jung. Jung falou que não havia nenhuma esperança para ele ali,
que voltasse para casa e que talvez encontraria essa ajuda em algum grupo
religioso. Foi o que fez ingressou no Grupo Oxford nos Estados Unidos e
tornou-se sóbrio. Ensinaram-lhe certos princípios que ele aplicou a sua vida.
Este relato está documentado por Ed no Livro Azul.” [...]
Mais
tarde, como sabemos, em Dezembro (1934) desse ano, Ebby teve sua oportunidade
de transmitir estes preceitos para Bill Wilson. (que inclusive foi gravado em
fita por Bill)
Mais
adiante voltaremos a este assunto, ao fazer os desdobramentos do Caso Jung,
deslindando ainda mais esse emaranhado criado por Bill, ao analisar o já
mencionado artigo em que refuta o ator Wylie, ali Bill se contradiz
redondamente.
Quanto
a essas experiências de conversão, ainda conforme explicações do professor Luís
André, no início deste livro, “deveria ser uma espécie de iluminação que daria
ao jovem a certeza e a convicção de que ele era efetivamente um puritano:
poderia ser uma visão mística, uma certeza interior, ou qualquer outra atitude
determinada pelos dogmas daquela religião.” No séc. 19 (tempos depois), por
exemplo, a poetisa americana Emily Dickinson ficou se debatendo a vida toda,
entre a fé e a descrença, porque garantiu, em cartas pessoais enviadas a
amigos, que não tinha passado pela inevitável “experiência”. Ficou louca por
causa disso.
Sem dúvida, a frase de Bill para Jung não retratava uma
realidade, ele forçou uma situação, e possivelmente o objetivo fosse outro. O
resultado prático da jogada, foi um pretexto para relacionar Jung a “sua”
experiência espiritual e ao A.A. Ele poderia estar buscando o endosso do
próprio Jung para a sua dita experiência espiritual - para nós, alucinação –, o
que realmente acabou acontecendo. Jung aproveitou a situação e colocou sua
teoria dos arquétipos na jogada. Certo é que Jung não tenha inspirado o que foi
chamado de regra fundamental da irmandade. Bill nunca falou em suas palestras
da experiência espiritual de Rowland, e muito menos de Jung, falou sim, de seu
fogacho[23].
É bom esclarecer
que, mesmo Jung dizendo para Rowland que não adiantava nenhum tratamento para
ele, e que o tenha aconselhado a ter uma experiência espiritual, ele o fez sem
nenhum embasamento científico – prenda que lhe era por demais peculiar. Ele
apenas ajudou a perpetuar o mito já existente, de que a doença é espiritual e
de que sem conversão não há recuperação. Um absurdo sem tamanho que tem
estigmatizado os dependentes de álcool desde antes até atualmente, e então
dificultado enormemente suas recuperações. Veremos isso logo adiante.
E
quanto à frase: “após este tempo deixou-o cheio de confiança e com a mais
irrestrita admiração pelo Senhor”, parece simplesmente que Bill queria bajular
Jung, pois como está relatado na biografia, era só o médico virar as costas, e
Rowland ficava bêbado. Só depois este voltou novamente até Jung. Quando voltou,
pediu para retomar o tratamento, quando Jung não só se negou a fazê-lo, como
ainda o aconselhou a procurar por um milagre, não sem antes alertá-lo de que
tais experiências, embora tivessem acontecido a alguns dependentes de álcool,
elas eram raras. (escrito assim na carta, e na página 418 do livro Levar
Adiante assim: ”Mas o senhor lembrou, todavia, que embora essas
experiências tivessem resultado ocasionalmente na recuperação de alcoólicos,
elas eram no entanto relativamente raras”).
De
qualquer maneira, por esta afirmação de Jung, podemos entender que se a
recomendação do psicanalista tornou realmente uma das regras fundamentais da
sociedade A.A., essa instituição se destina apenas a uns “gatos pingados”
de iluminados. Se tais experiências espirituais deram certo ocasionalmente para
alguns dependentes e elas eram raras, obviamente não servem para a
esmagadora maioria dos dependentes de álcool. Por que querem aplicar para todos
dependentes um método que sabidamente serve para uma parcela minúscula? Certo é
que vivem arranjando métodos de recuperação para dependentes, e por mais
mirabolantes que sejam, dizem que eles acabam servindo para alguém. Será que
essas ditas recuperações não seriam apenas coincidências? Que se deram ao
acaso?
Voltamos
aqui, neste trecho do texto, alguns meses depois de concluída a presente obra –
já na fase de revisão -, para acrescentar a seguinte observação: Já falamos
também a posteriori sobre a reportagem intitulada “É preciso dar mais do
que doze passos”, em que a Unifesp fez um estudo, concluindo que a taxa de
abstinência de um grupo que não fez terapia alguma, foi mais alta do que a taxa
dos que alcançaram a abstinência nos grupos de A.A. Desta forma, a pesquisa da
universidade corrobora nossos pensamentos que estão expostos no final do
parágrafo anterior.
Desdobramento do caso Jung /O Caso Wylie
Em conformidade com o que havíamos dito anteriormente, vamos estender esse assunto mais um pouco, esclarecendo a nebulosa relação de Bill com Carl Jung. Neste momento veremos as contraditórias versões que Bill apresentou na avaliação da obra do psiquiatra. Como vimos na sessão anterior, Bill não só apoiava as ideias de Jung, como disse que elas foram fundamentais para estabelecer a ideologia de A.A. Contudo, noutro momento anterior, Bill as abominou e se denuncia por isso. Neste desdobramento do caso Jung, fica notória a ambiguidade de Bill e sua disposição para forjar fatos, iludir e subestimar a inteligência dos outros. Para consecução deste objetivo, tomaremos como base o livro A Linguagem do Coração. Este livro é uma obra que reúne artigos escritos por Bill para a Revista Grapevine, e por sua vez, é uma publicação que serve como meio de comunicação oficial de Alcoólicos Anônimos. Nesta fonte de pesquisa deparamos com achados muito importantes, que coloca mais luz nessa questão.
Nossas atenções se voltam principalmente
para um artigo em especial, intitulado “Comentários sobre as ideias de Wylie”.
O artigo é datado de Setembro de 1944 e se inicia ao final da página 114 e vai
até a página 116 do mencionado livro. Trata-se de um depoimento de um escritor,
e pelo que Bill diz, era também um ator conhecido. Wylie se livrou do álcool
por conta própria, contando com a ajuda de Carl Gustav Jung. Como não precisou
de A.A. o feito incomodou Bill, levando-o a exasperar-se. Em seu enunciado, com
destaque, se lê: “Em um artigo intitulado ‘Philip Wylie Espeta uma Agulhinha no
Convencimento’[24],
o renomado autor diz que é um alcoólico que ‘deixou de beber sem ajuda’. Em
seguida, cita a psiquiatria e outros recursos científicos como fatores que
contribuíram para mantê-lo sóbrio. O que segue é a resposta de Bill.”
Antes de descrever sobre o artigo de
Bill, vamos transcrever o texto assinado por Wylie, que deu origem a
intempestiva manifestação do cofundador de A.A., para se ter uma dimensão mais
aproximada do que realmente aconteceu.
Na verdade, Wylie foi
convidado pelo editor da Revista Grapevine, para escrever um artigo, tido pelo
encarregado da revista como de interesse dos adeptos da irmandade. A tarefa foi
aceita atenciosamente e elaborada de maneira comedida, dotada de bom senso e
tudo dentro dos padrões éticos aceitáveis. No artigo não há nada que pudesse
infligir quaisquer regras literárias ou mesmo do relacionamento humano.
Contudo, Bill se deixou ferir pelas opiniões de Wylie, já que elas por si só
não teriam conteúdo ou motivo suficiente que pudesse magoar alguém. Feriram sim
interesses egoísticos de Bill.
Na visão
externada por Bill, fica entendido que ninguém a não ser ele mesmo, teria
autoridade para tratar do assunto. Nesta ocasião mostra mais uma vez que a
tarefa de falar publicamente e ter opiniões sobre a dependência de álcool,
seria monopólio seu e de A.A., ainda que tenha dito diferente. Para Bill, Wylie
foi longe demais, mesmo porque, além de ter conseguido resolver seus problemas
com o álcool pelos seus próprios meios, ainda se achava no direito de emitir
pareceres sobre o assunto. Sobre A.A., a quem inclusive se referiu com
respeito, Wylie conseguia passar uma ideia que as pessoas poderiam receber de
maneira positiva. Ao tomar conhecimento do texto de Wylie, Bill se deu o
direito de rechaçá-lo com muita ironia e autosufuciência, na mesma edição da
revista. Vale dizer que aqui neste caso, que não aparece na biografia
autorizada de Bill, não há como dissimular os fatos, pois inexistem biógrafos
para enaltecer a “candura” de Bill e sua disposição para aceitar criticas. E
foi isso mesmo que os biógrafos de Bill disseram sobre ele, Candura e
disposição para aceitar críticas, mas chegou mais outro momento para ver se
isso é verdade.
O artigo de Wylie, publicado
pela Grapevine, cujo acesso pela internet obtivemos mediante o pagamento de
quatro dólares, com o débito no cartão ficando em RS$ 7,72, a crédito de GV INC
(que deve ser o nome jurídico da revista). Se levar em conta que esse valor é
aproximadamente o equivalente ao preço das melhores revistas periódicas
brasileiras (quando do evento) de informação, cultura e entretenimento, podemos
dizer que o valor pago ao Empreendimento A.A. foi extorsivo. Pagamos este valor
só para ter acesso a um único artigo, aliás, não disponibilizam apenas uma
consulta; cobram por um período mínimo de um mês, para justificar assim o valor
exorbitante. Cobranças essas injustificadas se forem levadas em conta as
alegações de que tudo isso é importante para acudir os dependentes de álcool
que sofrem. A.A. possui rendas além do justificável e suficiente, e vender o
acesso à revista é apenas mais uma maneira de vender o 12º Passo; de atender os
objetivos reais de faturamento da entidade e seus beneficiários. Pagamos à
matriz americana, já que as filiais brasileiras de A.A. não disponibiliza o
material, cujo titulo original é “Philip Wylie Jabs a Little Needle Into
Complacency”. O artigo foi gentilmente traduzido pelo professor de Literatura
de Língua Inglesa, Luís André Nepomuceno.
A livre tradução é a que se segue:
Um
editor do Grapevine me chamou e me pediu que escrevesse um artigo. Pediu-me
porque eu tinha recentemente feito a crítica de um livro sobre alcoolismo,
de Charles Jackson, chamado O final
de semana perdido. Havia ele pensado que o que eu tinha dito na crítica
mostrava que eu revelava interesse por alcoólatras. Eu tenho. O editor não
sabia que eu sou um deles. Parei de beber sozinho, e quero com isso dizer
que estive sem um grupo organizado como o A.A. para me aconselhar. Mas eu
tive muita assistência e conselhos de pessoas experientes no assunto, e que
curiosamente se identificam muito com o que sei sobre o A.A. Para chegar
a ponto de dizer que parei de beber ou que não bebo há muito tempo,
levou anos. Precisei de uma energia inimaginável. E isso me deixou com algumas
ideias que eu gostaria de passar adiante, e ainda com algumas suspeitas que eu
gostaria de levantar.
As
coisas que eu fiz são talvez as coisas que muitas outras pessoas
fizeram. Fiz psicoterapia duas vezes. Depois eu mesmo estudei
psicologia - Junguiana, freudiana, adleriana, behaviourista. Depois li os
livros básicos de religião. Depois ainda, filosofia. Por fim, eu
entrei num asilo de loucos, observei-os, e aqui estão algumas ideias que
me ocorreram. Uma das razões que dei a mim mesmo para beber foi que eu
podia facilmente fazer algumas coisas que eu não faria e que outros homens
sóbrios podiam fazer. Eu então comecei a fazer as coisas sobriamente. Fiz
sobriamente tudo o que eu fazia quando estava bêbado, com exceção de algumas
coisas que me traziam problemas. E isso me foi extremamente útil.
Eu
tinha crises de ansiedade que não há palavras para descrever, embora a
descrição de Charles Jackson tenha chegado mais perto do que a de qualquer
outro escritor. Cada medo, cada fobia, cada compulsão que estava na minha
cabeça, e isto não era apenas quando eu estava de ressaca. Então eu peguei o
hábito de pôr no papel (sugestão do psiquiatra) descrevendo em detalhes a
natureza deste terrível sentimento de aflição. Talvez o fato de eu ser escritor
deu a este sistema um mérito especial. Mas descobri que eu não podia
acabar com esta horrível obsessão - sentado confortavelmente num quarto
tranquilo. No papel, sentia que as coisas não eram tão imensas e opressivas.
Tornavam-se uma bobagem. E me fizeram rir de mim mesmo e ganhar confiança.
O
próprio Dr. Jung sugeriu que eu observasse alguns asilos. Não entendi por quê
antes de fazer visita a um deles. Ficou claro para mim que meus companheiros
definitivamente não eram iguais a mim. Logo eu descobri que meu alcoolismo não
era o desencadeador da insanidade, e eu tinha medo precisamente disso.
Os Junguianos por acaso dão um nome diferente para a “experiência
religiosa” que vocês discutem no A.A. Eles chegam a esta experiência por outros
métodos – métodos que estão em conformidade com a técnica científica e
psicológica deles. Eles chamam de “símbolo transcendente” a fração
espiritual que gera a própria experiência. Naturalmente não tenho como
descrever aqui este método - eu precisaria de um livro para falar sobre isso.
Mas não importa se você chama isso de experiência religiosa ou de um símbolo
transcendental, e talvez seja do interesse de alcoólatras (que apenas em parte
estão envolvidos em objetar contra religiões formais e institucionalizadas)
entender que há caminhos totalmente abstratos e não-religiosos para esse mesmo
contato humano e universal, com a integridade interior, verdade e a própria
natureza em si.
(assinado no original:
Philip Wylie)
A resposta de Bill segue adiante, vamos
transcrevê-la, e inserir nossas observações - em itálico e entre colchetes –
sempre que considerarmos importantes fazê-lo:
O artigo de Philip Wylie publicado neste
número da Grapevine granjeia a
simpatia de cada um de nós AAs. Por que? Porque ele é tipicamente alcoólico. [Bill está ironizando o autor, usando o termo
“tipicamente alcoólico”, num sentido pejorativo, para dizer que se trata de
coisa de bêbado – e é mais um daqueles preconceitos de Bill contra os
ex-dependentes de que já denunciamos.] Além disso, ninguém alcança, nem de
longe, o espírito generoso e de auto-sacrifício do autor. Esquecendo sua
própria importância mundana, expressa o pouco que lhe importa, a opinião do
público; arrisca sua reputação para compartilhar conosco o seu caráter. [Aqui Bill não só está ironizando o Wylie,
dizendo que ele foi generoso e se sacrificou, expondo-se como um mundano (já
que ele era um ator e escritor, ao que parece, consagrado) diante do grande
público. Bill também o difama, ao dizer que, confessando sua dependência de
álcool ele estaria mostrando seu caráter, num sentido negativo, pois que está
associando a dependência como se fosse um defeito moral do artista. Aliás,
chamar a dependência de álcool como sendo defeitos de caráter, foi coisa que
Bill fez durante todo tempo que esteve a frente de A.A., para desgosto geral
dos dependentes.] Como viajante
solitário que logrou sair tateando pela obscuridade, nos conta como descobriu
seu refúgio. Não poderíamos esperar alguém de ânimo mais robusto. O Sr. Wylie
pode se tornar um membro de A.A. no dia em que quiser. [Pelo feito de parar de beber, sem precisar de A.A, irrita Bill que, por
ter conseguido sem A.A. ele taxa o fato como sendo “tateando no escuro”, já que
A.A. seria a única luz, e continua ironizando; diz que devido ao espírito forte
e voluntariedade do protagonista o coloca como digno de ser membro da Irmandade
Anônima]
É tradição entre nós que o individuo
tenha direito incondicional de ter a sua própria opinião sobre qualquer assunto
que se possa imaginar. Não está obrigado a estar de acordo com ninguém; pode
estar em desacordo com todos, se assim o desejar. E de fato, ao encontrar-se
numa “bebedeira seca”, muitos AAs ficam assim. [Se a constituição americana dá direito de livre expressão ao individuo,
porque Bill não o deixou estar pra lá com as ideias dele? Não teria Wylie a
volição ou ao direito de discorrer sobre o álcool e sua liberdade de expressão?
Ao mesmo tempo que diz que o outro tem o direito de se manifestar, mostra que
isso o incomoda e muito, e que por Wylie agir independentemente e dar sua
opinião pessoal naturalmente, justificaria Bill dizer que ele estaria contra as
ideias de todos? O “todos” aí significa a pretensão da ideia totalitária que o
tema da dependência de álcool circundaria apenas o Bill e o A.A. Desta maneira,
quem emitisse opinião que não fosse aceita por Bill e pela irmandade, eles
estaria em desacordo com todos. Segundo essa lógica, Bill e A.A. seriam donos
da verdade; só estaria de acordo com todos se a conquista da sobriedade fosse
através de A.A. E por isso compara-o com os AAs que agem como se estivessem
bêbados (talvez a expressão fosse muito mais apropriada para ele mesmo, o Bill,
ao reagir incontrolavelmente diante da vitória e ideias do outro)]. Portanto nenhum AA tem porquê se
sentir desconcertado se não pode estar completamente de acordo com o
verdadeiramente estimulante discurso do Sr. Wylie. [Ao mesmo tempo que prepara os membros de AA (numa espécie de lavagem
cerebral) para discursos que não estejam afinados com os dogmas da irmandade,
dizendo para não se sentirem desconcertados com isso, continua martelando
ironicamente o seu desafeto quanto ao seu discurso. Depois para desfazer o
incomodante discurso, dissimula embolando as palavras de forma ambígua]: É
mais valioso refletirmos sobre a diversidade de caminhos que há para a
recuperação; que qualquer história ou teoria de recuperação elaborada por
alguém que já tenha andado o caminho, provavelmente terá muito de verdade. [E continua a ironia...] O artigo do Sr.
Wylie é como uma fartura de fruta seca. Talvez devêssemos seguir o conselho da
dona de casa que diz: “Comamos o que pudermos comer, guardemos o que não
pudermos”.
[Ao
continuar, Bill chega a um ponto crucial de seu artigo]:
O que
mais me chamou a atenção foi a referência quanto à experiência espiritual “ao
estilo de Jung”, aparentemente, produzida “por uma técnica científica
psicológica”. Que benção seria isso para nós, que a cada dia tivéssemos que
lutar com o principiante agnóstico! Se pudéssemos apenas dar-lhe uma boa dose
desse “símbolo transcendental” e, assim, pôr fim ao assunto. Não teríamos que
nos preocupar desse assunto tão cansativo de esperar que nosso candidato chegue
aos tropeções a ter a suficiente amplitude de mente para aceitar a
possibilidade de um Poder Superior a ele mesmo. [Aí Bill demonstra sem a menor sombra de dúvida que não conhecia a
técnica nem os conceitos teóricos de Jung naquela época – nove anos após a fundação
de A.A. Aqui cabalmente ele prova que foi forçada, inventada, forjada; enfim
que foi uma farsa, o que em 1961 ele disse ter sido se tornado “uma das bases
de A.A”. Ele sarcasticamente chamou de “a experiência espiritual ao estilo
Jung”. Essa frase dita em tom de
deboche mostra que em 1944, não conhecia e desdenhava a teoria de Jung. Mas
quando a teoria de Jung ganhou fama, Bill a atraiu para o A.A. como quem puxa a
brasa para sua sardinha. E matreiramente retrocedeu no tempo (da mesma forma
que o fez Jung quando forjou o “homem do falo solar”), dizendo que ela, a
partir de Rowland, em 1930, passou a ser uma das bases da irmandade. Ao debochar da experiência espiritual à moda
de Jung, afirmando que se ela tivesse validade seria muito fácil, pois, em vez
de lutar com o principiante ateu, bastaria empurrar-lhe goela abaixo alguma
coisa pronta, que seria a dose transcendental. Feito isso o A.A. não precisaria
se desdobrar ao renhir com o dependente agnóstico para abrir-lhe a cabeça e
enfiar lá dentro o Poder Superior – trocando em miúdos, fazer a lavagem
cerebral no candidato].
Não obstante, como o Sr. Wylie comenta generosamente,
não é muito importante como se produz a experiência espiritual transformadora
desde que o individuo experimente uma que lhe dê resultados. [Nesse ponto Bill contradiz não só a ideia
apropriada posteriormente à Jung, como também se contradiz com o outro pé do
tripé (também forjado) de sustentação de A.A., que é a validade do pragmatismo
de William James[25].
Pois James teorizava exatamente isso: a religião intuitiva individual,
livremente buscada por cada um. Para James, a religião individual seria mais
importante inclusive que a religião institucionalizada. Se funcionasse para o
individuo, não importava como ela fosse concebida. Ao dizer com desdenho do
individuo que experimenta uma que lhe dê resultado, critica a religião
pragmática de James, e ainda que ela dê resultado para o individuo, não têm
nenhum valor para Bill, pois ela não foi conseguida de acordo com sua cartilha.
Sobre essa cartilha, Bill deixa transparecer que só ele conhecia seus
mistérios; como se fosse uma procuração que Deus lhe passou. Desta maneira, de
um só golpe, ele faz um juízo depreciativo e mordaz daquilo que ele mesmo
atestou ser dois pilares de A.A., exatamente àqueles que alegou ter buscado em
Jung e James]. É necessário que o alcoólico, de alguma forma, ganhe
suficiente objetividade a respeito de si mesmo para apaziguar seus temores e
derrubar seu falso orgulho. Se ele pode fazer tudo isto mediante seu intelecto
e, a partir daí, apoiar a estrutura de sua vida em um “símbolo transcendental”,
melhor para ele! Mas para a maioria dos alcoólicos, esse plano de vida lhes
pareceria pouco adequado.[26]
Considerariam a simples humildade e fé no poder de Deus, um remédio muito mais
forte. O A.A. recorre, sem vacilar, à emoção e à fé, mesmo que o intelectual
científico evite esses recursos, tanto quanto possa. Não obstante, as técnicas
mais intelectuais, de vez em quando, dão resultados, visto que estão ao alcance
daqueles que não podem tomar uma dose mais forte.
[Agora
Bill sugere que a atitude do ator é um falso orgulho que precisa ser eliminado,
e que não vê como valido o individuo apoiar-se na sua própria razão e nos
conhecimentos científicos para sustentar-se. Bill esquece que os seus próprios
métodos se tratavam exatamente de técnicas pseudocientífica. Segundo Bill,
mesmo que a técnica experimentada por Wylie funcionasse, seria de maneira
superficial, já que isto é para aqueles que não comportam algo bem mais eficaz
e maior, disponível apenas para os eleitos de A.A. – antes, desdenhou do
símbolo transcendental de Jung, se esquecendo que ele mesmo criou o símbolo
transcendental chamado Poder Superior]
Ademais, quando nos sentimos demasiado orgulhosos de nossos próprios ganhos,
nos lembram que o A.A. não tem o monopólio de resgatar os alcoólicos. [Bill nesta penúltima frase, insinua que
embora A.A. seja a excelência no assunto, o que muito orgulha toda a comunidade
interna, não tem como tornar-se único, e por isso deve ter complacência com
outros, meros e pretensiosos métodos, embora demonstre indisfarçavelmente que
isso é para ele muito incomodante e também bastante irritante]
De fato, é evidente que o mundo
científico vai tendo cada vez mais apreço por nossos métodos; mais do que nós
temos pelos deles. Neste sentido, estão começando a nos dar lições de
humildade. [Ao final do parágrafo, Bill
faz por onde diminuir a ciência que favoreceu a recuperação de Wylie (e a sua
própria), pois que, ela mesmo, a ciência, na sua delirante presunção, está se
rendendo humildemente ao A.A. Deixa nítido que A.A. devota a ciência cada vez
menos consideração – a pretensão de A.A. de estar acima da ciência sobrevive
até os dias atuais, porque não muda seus pressupostos, ainda que seus métodos
fiquem cada vez mais obsoletos, e a ciência continue a evoluir a passos largos]
[Por
fim, para atirar uma farpa em Wylie, Bill termina citando o Dr. Harry Tiebout,
que enalteceu o trabalho religioso do A.A. em detrimento das técnicas
psiquiátricas, e sua última frase dá o tom dessa declaração, ainda que ela
queira insinuar um efeito inverso, paradoxalmente, como o foi para ele, que se
tornou onipotente com sua pseudo experiência espiritual]: “Uma experiência
espiritual ou religiosa é o ato de
abandonar nossa própria onipotência”. (sic)
Um outro aspecto muito
interessante trazido a tona nesse episódio, é como Bill se deixava enrolar por
seus interesses (reais) não revelados. Interesses esses que mudava de acordo
com as circunstâncias, nesse caso, acabou mostrando como a incoerência gerou
outras incoerências. Quando Bill quis persuadir os AAs a usarem LSD, em 1956,
argumentou que “Tudo o que possa ajudar alcoólicos é bom
e não deve ser descartado. Era preciso explorar técnicas que ajudassem homens e
mulheres, que não se adaptassem a A.A. ou a um outro caminho, a se recuperar”,
mas nessa ocasião, tanto os achados de Wylie quanto os de Jung, além de não
serem aceitos seriam desprezíveis. Já naquela outra ocasião, o LSD não só seria
plenamente aceitável, como até teria recompensas divinas pelo uso, como ele
afirmou categoricamente. Enfim, se fosse para o interesse de Bill, o demoníaco
se tornava divino, e, vice versa. O que fosse bom para os outros mas não o
fosse para Bill era abjeto. Incongruências e Incoerências.
Voltando ao texto de Bill, num dos
trechos que consideramos se tratar de um dos pontos mais importantes do seu
artigo, ele afirma que o que mais lhe chamou a atenção foi a referência quanto
à experiência espiritual “ao estilo Jung” e “técnica científica”. Bill colocou
os termos jocosamente entre aspas e, passou a criticar bem ao seu estilo, com
ingredientes irônicos e depreciativos. A técnica ao estilo Jung, de caráter
científico (para ambos) não merecia crédito, mesmo porque, para ele, o mundo
científico cada vez, se dobra em reconhecimento ao A.A., e este não reconhece o
valor da ciência. Esse enaltecimento dos dogmas A.A. e desprezo pela ciência
foi outro ponto marcante que Bill introjetou na irmandade que perdura até os
dias atuais[27]:
seus ensinamentos divinizantes em detrimento do conhecimento científico.
O mais impressionante de tudo isso, é que
aqui ele está criticando mordazmente o que posteriormente ele inventou, como
sendo uma das escoras do tripé do A.A., pois assim tentou passar. Está ironizando
a base de sustentação de A.A. Um dos preceitos fundamentais de A.A, nas suas
próprias palavras. Pois foi ele quem disse para o mundo, através da carta de
próprio punho à Jung,[28]
datada de 23/01/1961, que mencionamos aqui anteriormente: Esta carta, segundo a biografia, era a formalização da gratidão de
Bill àqueles que ele atribuía como responsáveis pela criação da Irmandade. E no
primeiro lugar da lista estava Carl Gustav Jung” conforme já vimos. Num trecho
da carta está escrito assim “Esta sua
posição sincera e humilde foi, sem dúvida, a primeira pedra em que
fundamentamos a nossa Sociedade.”
As contradições aterradoras declaradas
documentalmente, que aqui expomos, mostra o que seja realmente a personalidade
de Bill:
Quando escreveu este artigo molestando o Sr.
Wylie (setembro de 1944), publicada na Revista Grapevine, Bill mostra
indiscutivelmente que ignora por completo Jung e suas teorias. Jung
representava um desafio ao A.A. Bill ignora também que Rowland estivera com
Jung, e que este mesmo Rowland no futuro seria considerado o “mensageiro
divino” que trouxe da Suíça de Jung a “pedra angular” que se tornou possível a
edificação de A.A. (nove anos antes de escrever este artigo). Na carta enviada
a Carl Jung em 1961, Bill logo no primeiro parágrafo, informa ao seu
missivista: “com certeza ignora que uma conversa que manteve com um de seus
pacientes, Mr. Rowland, nos idos de 1930[29],
tornou-se uma das regras fundamentais da nossa Sociedade”, nos seus dizeres, a
primeira pedra. Então como é que em 1932, o que era uma regra fundamental e a
primeira pedra da construção de A.A. (que foi fundado em 1935) ele desconhecia
e repudiava em 1944? Ele relatou a Jung o que não era verdade. Evitamos até
aqui uma palavra que poderia dar um sentido pessoal, ou mesmo não bem estabelecida
dentro do âmbito cientifico, mas não é impropério dizer que há nuances de
cinismo nessas elaborações. Ou será que Bill na verdade era um psicopata? É
importante que se diga da “vista grossa” que A.A. faz para o caso, já que a
contradição está registrada no (mesmo) livro A linguagem do coração editado em 2008. Neste livro publicado por
A.A. o artigos atacando Jung, está nas páginas 114-116 e o outro,
glorificando-o está registrado às páginas 325-329. É subestimar a inteligência
dos outros!
Tal constatação corrobora nossas
informações anteriores de que ele, o Bill, não conhecia Rowland, e que este não
fora membro de A.A., e portanto, ele não teria passado nada para Bill, passou
sim para Ebby[30]
e este para Bill. Mas como Bill queria “forçar a barra”, e dar a entender a
Jung (e para todos) que foi Rowland que lhe trouxera as boas novas diretamente
de Jung, e possibilitando assim, agregar ao A.A. parte do patrimônio
intelectual do psiquiatra. Desta forma Vinculou-se a irmandade de A.A. às
teorias de Jung, com o fito de dar-lhe maior credibilidade e publicidade[31],
já que Jung e suas teorias do inconsciente coletivo e dos arquétipos, naquela
época gozavam de prestigio internacional. Jung caiu(?) na capciosa armadilha de
Bill fragorosamente, tanto é que na resposta a Bill, ele mostra isso logo de
cara ao dizer: O diálogo que mantivemos, ele e eu, e que ele muito fielmente lhe transmitiu [...]. Aqui, no jogo de
palavras sem nenhuma veracidade, já que o que Jung disse a Rowland, segundo as
palavras (presumidamente mais confiáveis) deste, foram bem diferentes, uma vez
que Jung não aceitou retomar o tratamento de Rowland que foi seu paciente. Além
do mais, ainda mandou Rowland procurar por um milagre. Jung aceitou o que Bill
lhe disse, como sendo palavras de Rowland, que teriam se originado do diálogo
entre o médico e seu paciente. Em outras palavras, Bill inventou uma mensagem
de Jung que Rowland teria lhe transmitido, e por sua vez, Jung disse que a
mensagem (que ele não elaborou) foi transmitida com fidelidade ao Bill – um
mentiu envolvendo o outro e o envolvido disse que a mentira era uma
verdade. Como poderemos colocar em
dúvida a conclusão de Noll sobre Jung, de que este era um farsante? E sobre
Bill, é possível não vê-lo materializado no mesmo adjetivo? Para bem definir
essa dupla, caberia aqui a expressão “a tampa e o balaio”, que em nossa região
significa que ambos são da mesma laia.
Nesse ponto de nossa narrativa cabe
salientar dois pontos importantes. 1º) Quando Jung desacreditando de Rowland
pela sua derradeira recaída, lhe comunicou que não aceitava a retomada do
tratamento que ele pedia, aconselhou-o a procurar uma religião. Sobre isso,
Bill reportou esse conselho com insinuante semântica: “tornar-se o sujeito de
uma genuína experiência espiritual ou religiosa [...] Mas preveniu-o de que
conquanto tais experiências tivessem acontecido a alguns alcoólicos, elas eram
comparativamente raras”[32].
O teor da frase que Bill usou para reportar o conselho dado por Jung não pode
ser confirmada, porque na resposta de Jung, este ressalvou assim: “A razão pela
qual não pude dizer tudo foi que naquela época eu tinha que ser cuidadoso com
tudo o que dizia. Eu havia descoberto que estava sendo de todas as maneiras mal
interpretado.” Nem sabemos se Jung realmente falou de experiência espiritual
nos termos que Bill reporta, pois as práticas da psicologia analítica que Jung empregava em seus pacientes, e que já
abordamos exaustivamente, eram bem diferentes disto. Apenas o que fica claro é
que Jung disse para Rowland - de quem queria se ver livre -, é que ele era um
caso perdido e que deveria procurar por um milagre. E o que Rowland fez depois
disso (e não se sabe a quantas bebedeiras depois), na verdade, é o que muitos
dependentes fazem ao chegarem ao fundo do poço: procurar uma religião para
infrutiferamente resolverem seus problemas da dependência. Tal procedimento
quase sempre se redunda em frustração, uma vez que o sucesso nessas incursões é
uma exceção à regra, como o foi no caso dele, Rowland. Foi bem provavelmente
assim que Rowland chegou até aos Grupos Oxford, onde participava de uma equipe
de abordagem à dependentes de álcool. Como era amigo de Ebby, abordou-o e o
levou para um dos Grupos Oxford. Bill através de Ebby, foi para um desses
grupos também, e provavelmente não era o grupo que Rowland frequentava, pois
Bill nunca mencionou seu nome. Não mencionou e nem lhe dedicou uma única
linha em seus escritos, o que certamente faria, se fosse verdadeira a
participação de Rowland como mensageiro de Jung, como Bill matreiramente quer
deixar a entender. Só veio a mencionar o nome deste personagem quando urdiu
toda essa história e escreveu para Jung. 2º) Jung caiu ou se deixou cair na
urdidura de Bill, pois ao aceitar o jogo, possivelmente vendo aí uma
oportunidade, tirou proveito do ensejo. Aproveitou para não só salientar sua
teoria “abraçada” por A.A., como também para inventar a origem espiritual da
doença e imiscuir-se em campo alheio aos seus conhecimentos, a dependência de
álcool. Desta forma, criaram mais um mito (muito ao feitio dos dois) e se
potencializaram em seus objetivos. Objetivos esses profundamente danosos para a
humanidade, que só agora recentemente, Richard Noll denuncia, de forma
brilhante e inquestionável, quanto a Jung. No caso de Bill até consta muitas denuncias
esparsas, como no caso dos jornalistas Álvaro Opperman, que veremos nas
próximas páginas, e de Luiz Edmundo que veremos bem mais na frente, e ainda, as
muitas denúncias do site orange. Guardadas nossas limitações, também
denunciamos a farsa perpetrada por Bill, só que o fazemos em termos
científicos.
Forjando um mito
Uma das
ideias que Bill absorveu de Jung trouxe sérias consequências para todos
os dependentes de álcool, que padecem até os dias de hoje, devido suas implicações
advindas dela. Essa ideia foi a afirmação irresponsável de que a doença da
dependência de álcool é espiritual, ou de origem espiritual. As afirmações de
Carl Jung nesse sentido, nos fazem entender o por que das indignações de
Richard Noll com as ideias sem fundamento que ele divagava, sempre danosas para
a ciência. O pior são as terríveis consequências, dessas divagações ilógicas,
para milhões de seres humanos inocentes. No caso do inconsciente coletivo e os
arquétipos, as consequências apontadas com muito equilíbrio e autoridade por
Noll, ainda que muito danosas, fica minúscula perto desta desqualificação da
doença, feita por Jung. Desqualificar a doença de biológica para espiritual,
distorcendo sua causa, desvirtua também a terapêutica para a dependência de
álcool, provocando enorme prejuízo para milhões de dependentes.
Com o
oportunismo peculiar, destacado ao longo de todo o livro O Culto de Jung,
por Noll, o teórico suíço aproveita-se das insinuações descabidas de Bill, para
imiscuir suas teorias. Antes de dizê-lo a Bill na carta, porém, justificou-se
que não havia transmitido a Rowland um aspecto de sua recomendação, porque
havia descoberto que estava sendo mal interpretado no que dizia. Depois de
dizer a frase “A sua fixação pelo álcool era o equivalente, em nível mais
baixo, da sede espiritual do nosso ser pela totalidade, expressa em linguagem
medieval, pela união com Deus”, ponderou com esta outra frase: “Como
poderia alguém expor tal pensamento sem ser mal interpretado em nossos dias?”
Bem, na
primeira frase, Jung começa com um absurdo, ao dizer que dependência de álcool
é fixação. Ainda que dissesse ser uma fixação oral, não concordaríamos, pois
hoje se sabe que a dependência de álcool advém de várias causas combinadas. E
depois reporta sua teoria “helenística, indo-ariana”, que ele chama de linguagem
medieval ao dizer que a dependência de álcool seria a “sede espiritual do
nosso ser pela totalidade” – pela união com Deus. Ele sim, ao criar uma teoria
teológica, mostra sua fixação em criar uma religião. Uma religião para poder se
salvar, diga-se de passagem. Sua busca frustrada em ser uno com Deus; ter
Deus dentro de si, conforme já vimos. Ou seja, além de ordem espiritual, a
dependência seria espiritual a nível do inconsciente coletivo. Um disparate!
Ninguém
é alcoólico por ter sede espiritual pela totalidade. Por não ser uno com Deus.
Isso não passa de retórica completamente destituída de razão. A dependência de
álcool, conforme veremos no capitulo “A Doença”, conta com dez CID catalogados
pela OMS, que já discorremos aqui, e nenhum deles, envolve crenças religiosas.
E depois Jung ainda vem dizer, que expor tais pensamentos naqueles dias estaria
sendo mal interpretado. Mesmo nos dias atuais, Jung não está sendo mal interpretado;
ele esta sendo bem interpretado. Ainda que isso signifique considerá-lo como um
tremendo presunçoso e insano, como bem mostra Noll. Com os conhecimentos
científicos atuais sobre a dependência de álcool, fica muito mais fácil “bem”
interpretar Jung hoje, e constatar toda sua ardileza. Toda sua infeliz
especulação.
Lembrem-se
de que Jung afirmou que o inconsciente coletivo conteria toda a herança
espiritual da evolução da humanidade, e essa sede espiritual que Jung se
reporta, é herança que não se originou hoje. Com isso Jung fez uma associação
completamente oportunista, sem nenhum embasamento; coisa de se lamentar
profundamente. E depois, ao afirmar que, “expor tal pensamento sem ser mal
interpretado em nossos dias”, equivaleria ter pretensões proféticas; um
visionário futurista. Mas como o tempo é o senhor da verdade, suas
palavras em nossos dias, não só denotam seu equivoco, como também o esvazia de
suas pretensões como profeta e salvador. Nesse ponto se iguala a tantos outros
fanáticos que propuseram a salvação (redenção) de seus seguidores, mas em vez
disso, acabaram por arruiná-los. Contudo, o que é pior mesmo, é o estrago que
essa ideia infeliz, açambarcada por Bill vem provocando em milhões e milhões de
dependentes de álcool ao longo desse tempo todo, que explicaremos no momento
oportuno. Jung consegue desagradar a todo mundo, à exceção de seus fiéis
seguidores, evidentemente. Porque a ideia teológica - farsa na opinião de Noll
- de Jung bate frontalmente contra qualquer lógica ou plausividade.
Logo
abaixo, depois de explicar ainda mais, de maneira preconceituosa e
discriminatória, como um ser humano contrai a dependência de álcool, Jung
conclui apoteoticamente, aguçando ainda mais suas conjecturas ilógicas, ao
explicar: Veja você, “álcohol” em latim significa “espírito”, e você, no
entanto, usa a mesma palavra tanto para designar a mais alta experiência
religiosa como para designar o mais depravador dos venenos. E em seguida
acrescenta: A receita então é “spiritus” contra “spiritum”.
A
conceituação de Jung é inepta, desprovida de qualquer conteúdo objetivo ou
pragmático. Para nós, essas alegações são pura semântica, com o único intuito
de justificar sua proposição para a teoria da doença espiritual de origens
reportadas ao inconsciente coletivo.
Semântica
porque, primeiro ao dizer que álcohol em latim significa espírito, é
apenas uma questão de linguística, porque etimologicamente a palavra álcool vem
do árabe al-kuhul[33]. Não só a
palavra, mas também a própria bebida destilada e o alambique são de origem
árabe. Embora haja vestígios arqueológicos dando conta de que os egípcios
tenham produzido um aparelho parecido com o alambique, esse equipamento, como é
conhecido, só foi desenvolvido no ano de 800 D.C. pelo alquimista árabe Jabir
ibn Hayyan. A própria palavra alambique vem do árabe “al ambic” cujo
significado vem de “algo que refina, que transmuta”.
No
século X, o astrônomo, médico e filósofo árabe,[34]
de nome Abu Ali al-Husain ibn Abdallah ibn Sina, ou simplesmente Avicena
(980-1063), inventou o processo de destilação a partir da bebida fermentada. O
resultado da destilação, em sua maior parte é o álcool etílico, e a forma de
bebida destilada. Al-kuhul originalmente significava fina poeira, referindo-se
ao antimônio, que era cosmético usado pelos egípcios. Posteriormente passou a
designar qualquer “essência”, como o álcool. Donde essência pode ter passado a
significar espírito em latim, uma vez que essência poderia significar
“exalação” como veremos logo abaixo.
Ainda
com respeito a origem da bebida e da palavra álcool, num trabalho assinado por
Marcus Valério XR (1971), disponível em www.xr.pro.br/Ensaios/Drogas.html, ele
informa que:
“No
entanto para eles (árabes)[35] a palavra
atualmente é Al-Ghawl, em inglês The Ghoul, literalmente ‘o
espírito/fantasma’. O próprio Al Corão contra indica fortemente o uso de
álcool, e sendo assim, os mulçumanos são abstêmios. Talvez isso seja devido a
percepção que os árabes tem de seu próprio vocabulário. Eles foram os
precursores do Álcool, e também os primeiros a abandoná-lo. E de acordo com uma
interpretação comum no islã, similar a interpretações comuns na bíblia, esse
‘espírito’ no caso, AL-GHAWL, pode ser traduzido como: O DEMÔNIO.” (sic).
Como se
pode notar, o espírito que se refere a origem da palavra, não significa
“a mais alta experiência religiosa”, e sim coisas de “conteúdo” mundano mesmo
e, se quiser usar essa palavra, para se referir às coisas transcendentais,
certamente se remeteria a fenômenos fantasmagóricos ou demoníacos.
A
palavra álcool em latim, não tinha um significado original ou tradicional, e só
foi incorporada ao vocabulário daquela língua nos tempos modernos. Ao que nos
parece, estava ligado à sua condição química de volatilidade, na relação
exalação-essência, e a partir daí, à uma significação relativa ao álcool
propriamente dito. Para corroborar nossas suposições, fizemos um perípato por
bibliotecas públicas e particulares, e podemos assim resumir o teor dessas
pesquisas como segue.
Nos
dicionários publicados até a data da correspondência entre Bill e Jung,
consultados (em todos eles), tanto nos Latino-Português quanto nos
Português-Latim, não encontramos a palavra álcool. Nos dicionários
Latino-Português, há praticamente um consenso, ao se constatar o significado da
palavra spiritus, que adiante podemos assim exemplificar:
SPIRITUS, -ús, subs. M. I – Sent. Próprio: 1) Sopro, vento, hálito, respiração, exalação
(Verg. Em. 12, 365). Daí: 2) O ar (Cic. Amer. 72). II – Sent. Figurado: 3)
Suspiro (Hor. Epo. 11, 10). 4) Inspiração, sopro divino, gênio, espírito
criador (Hor. O. 4, 6, 29). 5) Espírito, sentimento (T. Lív. 2, 35, 6). 6) Ira,
cólera, arrogância, orgulho, presunção (Cic. Phil. 8,24). 7) Espírito, alma
(Ov. Met. 15, 167).
O
dicionário mais recente que tivemos acesso foi o “Dicionário de Latim – Português”
da Porto Editora, de Portugal, 2ª edição de 2001, cujos significados para a
palavra Spiritus é bem mais amplo, e nem por isso entre elas encontra-se a
palavra álcool.
Já nos dicionários Português-Latim também não encontramos
a palavra álcool, e onde poderia se encontrá-la, caso existisse, encontra-se as
duas palavras (seria entre elas portanto): ALCÔFA e ALCOVA. No “Dicionário de
Português – Latim” da Porto Editora, 2ª edição de 2000, entre as palavras
alcofa e alcova aparecem ainda as palavras alcoice, alcorcova e alcouce. Na
nossa pesquisa, sobre a bebida ou ao hábito de beber, nada foi constatado que
as relacionasse a spiritus, conforme segue abaixo.
BÊBEDO, adj. Ebrius,a,um;
vinolentus,a,um; temulentus, a, um; vinosus,a,um; tudo retumbava com os gritos dos bêbedos:
personabant omnia vocibus ebriorum: palavras de bêbedo : ébria verba; olhos
lânguidos (de quem bebeu muito) : ebrii oculi.
BEBEDOR, s. m. Potor,oris;
potator,oris; vinosus,i; aquele que gosta de beber: bibendi avidus; bebedor
de vinho : vini potator ou bibo, onis.
BEBER, v. t. e i. Bibere;
potare; hourire; beber vinho : bibere vinum; beber de um só trago :
bibere pro summo; água boa para beber : aqua idônea potui; beber até
perder a noção das coisas : vino se sepelire.
BEBERAGEM, s. f. Potus.
Us; beberagem medicinal : potus medicus.
BEBERICAR, v. t. e i.
Sorbillare; potitare.
BEBIDA, s. f. Potio.onis; potus, us; dar
alguma bebida para tomar: dare aliquid
potui.
(Dicionário Português-Latim, p. 98 e 43)
(Dicionário Português-Latim, p. 98 e 43)
Apenas
conseguimos encontrar a palavra álcool, correlacionada a spiritus - numa
suposta etiologia, que acima postulamos -, no livro Sintaxe Latina,
coincidentemente, publicado em 1961, portanto, novíssimo para todos daquela
época, inclusive para Jung. Naquele
livro, cujo capítulo tem como título “Vocabulário de Termos Mais Usuais e
Modernos”, onde consta várias palavras modernas para a época, tais como,
aeroporto (aeroportus, us; aerodromus, i.) ou Altofalante (megaphonium, ii;
vocis amplificator, oris.), deparamos com a exegese:
Álcool,
spiritus, us, m.; potior vini sucus; praecipuum vini
elementum.
Assim,
diante dos fatos e documentos, podemos seguramente afirmar que a colocação
feita por Carl Jung foi forçada. Forçada intencionalmente para forjar uma
realidade que seria incontestável, e a partir daí construir uma frase de efeito
que, com esse suposto lastro endossante, pudesse significar uma verdade
científica. E que acima de tudo, fosse plenamente coadunada com sua teoria do
inconsciente coletivo e os arquétipos, para ele, cientificamente perfeita e
incontestável, contudo, taxada brilhantemente por Richard Noll como uma
aberração ética; uma das maiores farsas que a humanidade já viu.
Assim
como Noll vê a farsa protagonizada pelo Jung, num intrigante emaranhado de
manipulações intelectualmente cuidadosamente articuladas, chega a citar o
seguinte trecho em seu livro: “A história simplesmente não é o pão dos fiéis, e
é mesmo verdade que ‘o mundo quer ser enganado’, como certa vez disse
Jung a um colega que pusera em dúvida suas alegações”. (O Culto de Jung, p.
IX)
Vimos
que Bill não agiu muito diferente de Jung, e ambos protagonizaram (ainda que
não protocolar – como está demonstrado nas cartas) um pacto tácito de endosso e
apoio mútuo. O objetivo seria a potencialização recíproca para a ascensão de
seus movimentos carismáticos, onde apenas eles ganharam, à custa do sofrimento
e engano à milhões de seres humanos. O caso de Bill, em termos de danos a
terceiros é ainda bem maior, porque engana não só os adeptos do A.A., como
ainda ajuda a estigmatizar os outros 99,7% (aproximados) de Dependentes de
álcool que não aderiram a essa entidade dogmática. O estigma de Bill e A.A. faz
com que um extraordinário contingente de dependentes desista até mesmo de
procurar outros caminhos para se tratar. Parece que não foi um mero acaso a
aproximação dos dois; ambos tinham personalidades, mentes e objetivos afins.
Infelizmente.
A autoiluminação e reforçando os dogmas
de A.A
Bill
também fez de si um mito. Um dos endossos para forjar a autoiluminação
aconteceu quando Bill recebeu a visita do padre Edward Dowling, o padre Ed,
cujo acontecimento e seus desdobramentos estão registradas às páginas 265-267
do livro Levar Adiante, de onde vamos retirar os principais trechos para
melhor esclarecimento do fato.
“Bill estava frustrado, impaciente, inquieto, insatisfeito
e deprimido. Alguns dizem que estava enfrentando uma bebedeira seca[36]”
porque o pessoal de Rockefeller não dava sinal
de vida (Bill estava articulando para conseguir alguns de seus milhões de dólares
que serviria até para construir hospitais). Foi quando ocorreu “o presente que
lhe veio às mãos”. “Era uma noite fria e chuvosa dos finais de 1940 [...]
estava sentindo pena de mim mesmo” e Tom veio dizer que odiava ter de
incomodá-lo, mas estava ali um vagabundo de Saint Louis querendo falar com ele.
Bill resmungou ‘Essa não, mais um! Bom deixe-o entrar’”.
Esse
homem não era um vagabundo, era o padre Ed que, após se identificar, disse que
“estava fascinado pelos paralelos que havia descoberto entre os Doze Passos de
Alcoólicos Anônimos e os Exercícios de Santo Inácio; a disciplina espiritual da
Companhia de Jesus.”
Quando
Bill confessou que não sabia nada sobre os Exercícios, o padre “pareceu
maravilhado e isso reconfortou Bill”. Ao conversar com o jesuíta, Bill confessa
que “meu espírito continuou em alta; pouco depois, comecei a me dar conta de
que esse homem irradiava uma graça que ocupava o quarto com um ‘sentido de
presença’”. Os biógrafos colocam a seguir, entre parênteses, a seguinte
frase: “(Bill havia utilizado o mesmo termo “sentido de presença” para
descrever o ambiente da Catedral de Winchester)”. Insinua-se aí claramente a
elevação do padre a condição de “mensageiro divino”. Destaca-se a surpreendente
exaltação da figura do padre, que de mendigo passou a ser anjo em poucos
minutos.
Para se
eliminar quaisquer dúvidas que possa suscitar sobre a insinuação de Bill, acima
mencionada, a seguir os autores da biografia fazem a observação de que, “Nessa
noite o padre Ed compartilhou com Bill, um entendimento da vida espiritual, que
naquele instante, e para sempre, pareceu referir-se à condição de Bill”. Em
seguida afirmam que tudo aquilo também foi “uma segunda experiência de
conversão”. (estas aspas são dos autores da biografia)
A
encenação deixa transparecer, por parte do próprio Bill e de seus biógrafos,
que a primeira conversão, pareceria que não foi tão convincente assim, aos
olhos dos outros. Providencialmente “arranjaram” mais essa para fortalecer a
miragem divina que pairava sobre Bill. E para completar afirmam: “Ele se
libertou de todos os seus pecados e omissões, de tudo o que pesava em sua mente
e de tudo aquilo que, até então, não tinha conseguido expressar. Essa
comunicação extraordinária, essa abertura foi vital para Bill.”, concluíram os
biógrafos. Pronto, portanto, remido, iluminado, santificado!
Aqui os
dois destaques fundamentais do dogma que norteiam A.A. até os dias atuais:
primeiro a iluminação de Bill e depois seus seguidores coroando o Avatar.
Acabava de ser reafirmado o Grupo (e o personagem) Carismático, conceito de Max
Weber que veremos logo adiante. Agora vamos reportar um caso narrado por Bill,
que certamente serve para ressaltar esta enganosa iluminação dele. É sobre os
poderes de Bill, conforme este diz, ser protagonista de um milagre, granjeando
ter sido o seu intercessor junto à Deus. Foi o intercessor de um milagre,
acontecido em consequência de suas preces, quando os médicos desenganaram um
dependente. Este paciente se chamava Slim[37],
que Bill havia levado desmaiado ao hospital.
Tudo
aconteceu conforme um artigo que Bill escreveu para a revista Grapevine. Este
artigo, intitulado “As ‘Bolinhas’” foi publicado às páginas 120-123 do livro Levar Adiante. Certamente a narrativa
está carregada da dramaticidade achada conveniente pelo Bill e também com os
contornos característicos de seu ator. A parte mais importante do texto está
assim descrita: “Um famoso especialista chegou e tirou o estetoscópio.
Imediatamente, ficou muito sério e indicou que o seguíssemos até o corredor, disse
que ia receitar um medicamento, mas duvidava que meu amigo fosse sobreviver. O
Dr. Silkworth estava de acordo.”
“Nesse
meio tempo, eu estivera rezando como nunca o havia feito antes. Depois que os
dois médicos deram seu veredicto, disse-lhes que havia estado rezando e lhes
expliquei, tão alegremente, que havia lido o livro do Dr. Aléxis Carrel, ‘O Homem, esse Desconhecido’ (sic) no
qual descrevia as curas milagrosas efetuadas pela oração. O renomado
especialista despediu-se de nós. O Dr. Silkworth desceu para esperar a chegada
do medicamento. Finalmente um rapaz trouxe duas cápsulas da farmácia. O doutor
ficou olhando-as, dizendo que detestava a ideia de administrá-las porque eram
muito fortes. Subimos e, assim que saímos do elevador, vimos alguém caminhando
com desenvoltura pelo corredor, fumando um cigarro. ‘Olá rapazes’, Slim nos
cumprimentou, gritando. ‘Podem me dizer porque me encontro aqui?’.
Nunca
esquecerei em toda minha vida o alívio e o espanto que vi refletidos na cara do
doutor enquanto examinava, rapidamente, o coração de Slim. Olhou-me e disse: ‘O
coração deste homem está funcionando normalmente. Há quinze minutos não
conseguia contar suas pulsações. Acreditava que conhecia bem o coração destes
alcoólicos. Mas nunca tinha visto uma coisa parecida – nunca. Não consigo
explicar’.” (A Linguagem do Coração, p. 123) Neste texto, constata-se
mais uma vez o que poder-se-ia classificar como uma das passagens que retrata o
Bill de forma clássica. Se colocando como intermediador de Deus de forma insinuante.
Com toda sutileza Bill diz para os médicos que havia rezado como nunca, e
destacou que lhes explicou, tão
alegremente, que estivera lendo um livro
de curas milagrosas, deixando a entender com isso, que era possuidor da
maior convicção, de onde viera a solução para o problema de Slim. Demonstra que
o mais importante do que o problema do paciente, ou a comunicação dos médicos,
era o fato de suas orações e da cura milagrosa que ela pode propiciar. Em
nenhum momento Bill diz claramente que havia salvado o doente por meio de suas
orações, mas no jogo de palavras, deixa muito bem claro que foi ele o
protagonista, afinal quem estivera rezando senão ele? E depois usa o livro do
Dr. Carrel para explicar que as (suas) orações são capazes de provocar curas milagrosas.
Depois Bill descreve que o paciente aparece (fumando - descontraidamente)
perguntando por que ele estava ali, sugerindo estar tão bem que só um milagre
poderia ter provocado seu restabelecimento. Bill acresce ainda que, o médico se
autoquestiona, quanto aos próprios conhecimentos sobre os corações dos
dependentes de álcool, afirmando que pensava que os conhecia. O médico se
pergunta ainda – muito espantado -, que não entendia por qual motivo o coração
estava batendo normalmente, quando momentos atrás ele havia desenganado o
paciente. Bill mostra sua capacidade como intercessor, afinal, de que serviria
um messias se este não tivesse competência para conversar com Deus, e este não
agisse atendendo sua reivindicação? Mais uma vez Bill mostra do que era capaz e
o quão era íntimo de Deus.
Bill
desviou A.A. de seus propósitos iniciais, dando-lhe os contornos de um grupo
carismático. Assim, é uma entidade centrada em um sistema de crenças em comum,
elaborado por um líder carismático, que também poderia, segundo Max Weber, ser
taxado de profeta ou divino. Sobre o grupo carismático entraremos em detalhes
no capitulo “A religião de Bill”.
Quando Noll afirma que em 1928 Jung
introduzira a noção “personalidade mana”[38],
para descrever o que essencialmente era o mesmo conceito, entretanto, as forças
sobrenaturais por trás da personalidade, são naturalmente os arquétipos do
inconsciente coletivo. Já no caso de Bil, as forças sobrenaturais forjadas por
ele, foram (primeiramente) o despertar espiritual, que para nós, como foi dito,
apenas alucinação. Depois foi o padre Ed que Bill enxergou nele um “arauto
divino” encarregado por Deus de comunicar-lhe sua sobrenaturalidade e sua
missão terrena. Como se tudo fosse designado diretamente por Deus.
Acrescente-se aqui o Bill médium, o Bill teológico que, inspirado pelos
“mestres superiores” escreveu os Doze Passos em poucos minutos.
Quanto
ao padre Ed, até entendemos sua candura e boas intenções, porém quanto a
similaridade do texto de Bill com os de Santo Inácio, é discutível. Haja vista
que todo texto religioso reporta sempre a uma indubitável semelhança ou
lembrança à textos proféticos, ou outros textos teológicos análogos.
O mais
importante é que, assim como os arquétipos do inconsciente coletivo de Carl
Jung sob o crivo de Richard Noll, se desnuda, denunciando, como diz o próprio
Noll, num narcisismo colossal de seu autor, que já nas páginas
introdutórias, IX e X de O Culto de Jung, mostra a que veio:
“Para
começar, este livro demonstra de uma vez por todas que Jung não só estava
tremendamente equivocado acerca da ideia de inconsciente coletivo, mas que
também mentiu sobre as provas dessa teoria quando percebeu que se equivocara.
Em segundo lugar, eu documento como Jung, depois do rompimento com Freud,
deliberadamente se pôs a constituir um culto religioso baseado no misticismo
ariano e no paganismo politeísta. Sua teoria psicológica era essencialmente uma
máscara, uma falsa doutrina científica para ocultar um novo movimento religioso
que ensinava as pessoas a terem transes e visões e contatarem diretamente os
“deuses.” Em terceiro lugar o livro critica o atual movimento Junguiano, no
qual muitos “analistas Junguianos” que conhecem os fatos por trás dos problemas
de Jung com a verdade, continuam a mentir ou semear ilusões a esse respeito. Em
boa parte porque seguem ganhando tanto dinheiro com pacientes desesperados,
garantindo-lhes o renascimento espiritual se prosseguirem pagando durante anos
de “análise Junguiana”. É extraordinário que esse movimento moralmente corrupto
e intelectualmente falido tenha escapado às criticas por tanto tempo...”
Além de
ser impressionante a similaridade das personalidades entre Bill e Jung e de
seus planos pessoais[39],
também compartilho com Noll quando ele diz que Jung tenha escapado às criticas
por tanto tempo, o que se aplica também à Bill o fundador de A.A.; tenha
escapado de ser confrontado com a verdade por tanto tempo.
Também
o movimento (A.A.) carismático de Bill, tomou emprestadas algumas ideias de
Jung, explicitadas por Bill, na carta ao criador dos arquétipos. As ideias de
Jung, que segundo Bill tornou-se uma das bases originais da sociedade, como
vimos, foi forçada e nunca foi criada por Jung. O que Jung ajudou a criar como
vimos foi o mito da doença espiritual, da qual falaremos mais detidamente nas
páginas seguintes. Os dogmas de A.A., que pregam o pseudo “despertar
espiritual”, ou “experiência de conversão” para se curar da dependência de
álcool são frutos da imaginação de Bill. Esses dogmas além dos outros ritos
religiosos, contidos nos Doze Passos - como programa de recuperação -, são
criações únicas de Bill. O que Bill tomou ainda emprestado à Jung e não
está explicito, e sim, implícito na carta e em suas atitudes, são as
ideias de autodeificação, que mostramos continuamente no presente
ensaio.
Bill ao
dizer a Jung que “muitos elementos do A.A. são estudiosos de sua obra” e que “o
senhor gostará provavelmente de saber que além da experiência espiritual,
muitos A.A. vêm ingressando em outras experiências psíquicas, com considerável força
cumulativa”[40]. Ao
afirmar isto certamente Bill se referia a si próprio, pois não há absolutamente
nenhum registro destas práticas entre os AAs. Assim sendo, Bill conhecia Metamorfoses
e símbolos, onde Jung expunha, o que Noll chama de conceitos Junguianos
básicos. Contrapondo ao cristianismo tradicional que oferecia um Deus distante,
transcendente e absoluto, um desses conceitos Junguianos seria “Ter um deus
dentro de si poderia levar à experiência de tornar-se uno com Deus ou fundir-se
de algum modo a essa força divina.” Noll dizia: Jung achava que, nos
cultos-mistérios do mundo helenístico, a experiência central de transformação
envolvia justamente tal processo ou experiência de autodeificação. Isso se
destacava, dentre outros, nos mistérios de
Isis e
Mitra, que Jung assim se referiu:
“Carregar
um deus dentro de si significa tanto ser o deus de si mesmo. [...] Aliás, há
traços ainda mais claros do tornar-se uno com Deus naqueles mistérios,
estreitamente relacionados ao cristão, em que o místico é elevado à adoração
divina através de ritos iniciáticos. [...] São muito antigas essas
representações do tornar-se uno com Deus. A velha crença adiava para depois da
morte o tornar-se uno com Deus; os mistérios, porém, sugerem que isso acontece
já neste mundo.”
Aliás,
essa forma de procedimento de Bill se parece muito com as praxes pouco
transparentes de Jung, tão bem deslindadas por Noll. Ainda que se conteste que
Bill copiou todas essas coisas de Jung, ninguém em sã consciência poderá
negar que as personalidades dos dois são parecidíssimas, principalmente quanto
ao que Noll chamou de narcisismo colossal, e o séquito que acompanha essa
majestade.
Como ao
longo de todo texto nos referimos com recorrência a personalidade de Bill
Wilson, sentimo-nos compelidos a dar ao leitor, uma satisfação de nossas razões
para tal. Para tanto, transcrevemos a seguir, os achados do Luiz Edmundo.
Os
achados de um jornalista sobre Bill Wilson
Recebemos uma colaboração do jornalista
Luiz Edmundo de Souza, que decisivamente vem enriquecer o nosso trabalho. Esse
conceituado jornalista está radicado nos Estados Unidos há décadas, tendo
trabalhado para empresas jornalísticas renomadas no mundo inteiro, como a A Voz
da América e Agência Reuters.
Algumas
das informações passadas pelo Luiz Edmundo já eram conhecidas e haviam sido
incorporadas ao presente texto. Outras
informações do mesmo teor, desconhecidas até então, não deve representar
surpresa para o leitor, uma vez que não foge a natureza daquilo que já foi
discorrido aqui.
Ainda
que os leitores tenham captado subjetivamente, a essência do teor, de maneira
mais aprofundada ou abrangente, sobre Bill e A.A., a colaboração do competente
jornalista, em última instância, traria uma versão independente de quem não
está envolvido exaustivamente nos estudos e pesquisas em questão. Ao realizar
seu trabalho sobre Bill, Luiz Edmundo se baseou principalmente no site: http://www.orange-papers.org/orange-funny
espirituality.htm, cujo titulo, em tradução livre, ele designou
como sendo “A Estranha Espiritualidade de Bill Wilson e dos Alcoólicos
Anônimos”.
Eis o relato do Edmundo: Nesse vasto artigo[41],
encontra-se uma extensa análise da personalidade de B.W., de onde foram
extraídos alguns recortes, começando com um pequeno texto que foi retirado do
“Big Book”[42]
do original americano, da terceira e quarta edição, página 135, onde se lê:
“Se uma
família segue ou não uma orientação espiritual, o membro alcoólatra tem, por
si, de seguir alguma, se quiser se recuperar. Os outros membros precisam
reconhecer esse seu estado, sem nenhuma sombra de dúvida. Ver é crer, para
qualquer família que tenha convivido com um alcoólatra”.
Mas eis
aí a questão: um dos nossos amigos é um fumante inveterado e é consumidor
compulsivo de café. Sem dúvida abusa dessas duas coisas. Sua esposa, percebendo
algo pecaminoso nisso e querendo ajudá-lo, começa a adverti-lo sobre o
problema. Mesmo admitindo seus exageros, ele confessa que “não está pronto”
para por fim aos dois hábitos. Diante do que foi chamado de “implicância da
esposa”, ele começa a se embriagar por “birra”.
E
continuando, como dizem, esse amigo estava errado, muito errado. Ele tinha que
admitir isso e remendar suas crenças espirituais. Embora agora ele seja um
membro bem sucedido de A.A., ele ainda fuma e toma café exageradamente, mas nem
a esposa nem ninguém ousam julgá-lo. Ele acredita estar ela errada em levar a
sério essa questão, enquanto ele está se curando rapidamente do problema
considerado mais grave.
Essa
história triste mostra o exemplo de um homem que vive sua vida “numa base
espiritual”, enquanto a família não consegue a mesma orientação. E nos mostra
alguém que está convencendo a família sobre sua cura do alcoolismo. Bill fala
em espiritualidade e quer mostrar que evoluiu, mas mostra outra coisa; ele usa,
para isso, seus hábitos de fumar e de beber café – durma-se com um barulho
desses – Ele é dependente de tabaco e está se matando com isso. A mulher,
preocupada, tenta salvá-lo de um enfisema ou câncer pulmonar, mas o autor
“anônimo” Bill Wilson a classifica como intolerante, porque ela “sente que há
algo pecaminoso no abuso dessas substâncias”. Ignorando os outros aspectos
dessas outras dependências, ele diz que ela não passa de uma desmancha-prazer e
uma puritana implicante
Naquele
momento, o que ele via não era nada ligado à espiritualidade, mas a face
desnuda do monstro da dependência, que diz “não quero saber das consequências
ou custos, ou se alguém vai morrer – tudo o que eu quero é fazer minha parte”.
E tentava convencer a todos, em sua mensagem, de que os “bons meninos” membros
de A.A. tinham o direito de abusar de qualquer coisa que quisessem – desde que
não fosse do álcool. Tanto BW quanto seu cofundador do A.A. Dr. Bob, eram
fumantes pesados e sempre defenderam o tabagismo como algo aceitável[43].
Num
comentário, Luiz Edmundo, perguntando se é sabido que Bill morreu de enfisema
pulmonar, diz: Para ele, morrer de enfisema, câncer do pulmão ou enfarto era
perfeitamente aceitável e compatível com qualquer padrão espiritual – desde que
morresse sóbrio.
Com
base nessa convicção, ele se tornou um inimigo declarado das “implicações” de
sua mulher, que o via consumir-se a olhos vistos e tentava salvá-lo. Bill
preferia viver as turras com sua mulher do que com o cigarro e café, mesmo
sabendo que isso vinha consumindo-o há mais de vinte anos. Para isso ele criou
uma falsa mas conveniente identidade com Deus e o mundo espiritual, que
supostamente lhe conferia autoridade para combater qualquer coisa que
interferisse na sua missão de vencer o alcoolismo.
Ele
sofria de bronquite crônica desde os anos sessenta e já não respirava
normalmente. Mesmo em seus últimos dias, no hospital, ele ainda tinha de lutar
para decidir entre tomar oxigênio ou fumar mais um cigarro. Pode parecer
incompreensível que alguém possa ter vencido o alcoolismo, mas tenha se deixado
matar pelo fumo.
Ele
simplesmente tratava a mulher com a mesma filosofia do personagem, citado no
inicio do texto (de Luiz Edmundo), refletida na atitude de “se você não me
deixar fumar o quanto eu quiser, eu vou beber até morrer, e tudo vai ser culpa
sua”.
A
autoria do Big Book do A.A. é atribuída ao próprio BW. Ele clamou todos os direitos
autorais e recebeu todos os royalties de sua venda, para si mesmo e para o Dr.
Bob. Esse mesmo livro mostra que Bill Wilson era um insano. Não apenas um
pouquinho louco, mas louco mesmo, clinicamente diagnosticável como louco total.
Ele sofria de ilusões paranoicas de grandeza e complexo messiânico, de
personalidade narcisista e às vezes de uma combinação de tudo isso. Mas o
comentário é de que aquela história – tão estúpida e trágica, tão imprópria –
somente poderia ter sido admitida por alguém que tivesse cozido seu cérebro
tanto tempo no álcool, para encontrar justificativa de incluí-la no livro da
entidade, como exemplo de um membro do A.A. vivendo uma vida espiritual,
enquanto sua mulher não fazia o mesmo. Uma forma de se auto-justificar pela intolerância
com a própria esposa. E o mais incrível é ver o quanto os membros da Associação
acreditavam estar recebendo a sabedoria de Deus, indiscutível, como fora dada
ao próprio Bill Wilson – da maneira como ele fazia crer a todos. E aí está um
dos aspectos mais negativos do seu comportamento – a megalomania e culto da
personalidade, tentando se mistificar, criando para si uma imagem de enviado ou
porta-voz de Deus. E costuma ser muito nítido o momento em que essa atitude
começa a se manifestar, juntamente com outras manifestações igualmente
injustificadas e até condenáveis.
Prosseguindo
na narrativa, Luiz Edmundo conta que Bill Wilson se sentia no direito de ter
quantas mulheres quisesse – como de fato teve muitas amantes durante anos, e
até deu cerca de 10% do que herdou a esposa Lois Wilson, para sua amante
favorita, Helen Wynn. Depois de a esposa ter dedicado tantos anos de sua vida
sustentando o bêbado Wilson, tudo que ele fazia era roubar dinheiro da bolsa
dela, para comprar mais bebidas. E quando sua mulher o alertava sobre os
perigos do fumo – que afinal o levou a morte – tudo o que ouvia era um
disparate de xingamentos bêbados para conseguir o que queria, e ainda culpando
a mulher por suas recaídas e por beber ainda mais.
Ele
mesmo ou Joe Worth escreveu na história de Bill: bebia duas garrafas por dia,
frequentemente três – era rotina -, “gin-de-banheira” conhecida como uma bebida
venenosa, contaminada com álcool metílico, que é terrivelmente tóxico e causa
danos ao sistema nervoso, destruindo células do cérebro, quando não a cegueira
e a morte.
O
próprio Bill informou sobre sua condição, nas gravações que fez antes de
morrer, e que a Fundação Hazelden usou como fonte para a autobiografia dele.
Segundo ele mesmo, o Dr. William Silkworth disse à sua esposa Lois, quando ele
estava internado para desintoxicação no Hospital Charles B Towns, em Nova York,
que “temia pela sanidade de BW, devido aos sinais de danos causados ao
cérebro”. “Minha mulher desgastada e desesperada foi informada de que tudo
terminaria numa falha cardíaca durante um delirium tremens, ou se tornaria numa
completa degeneração do cérebro”.
Numa
dessas internações para desintoxicação, ele foi tratado com Belladonna (O uso
repetido de um alucinógeno extremamente tóxico – a mistura de belladonna com
meimendro – levou BW à condição de alucinado), quando teve alucinações do tipo
“ver a luz”, ou “ver o Deus dos pregadores” – e foi quando se tornou religioso.
Essa “experiência espiritual” e sua conversão miraculosa vieram a tempo de
salvar-lhe o fígado, mas não o cérebro. O diagnóstico de danos cerebrais foi
para Bill como uma piada, algo mais a se gabar, por se considerar acima de
qualquer dano desse tipo. “Outros homens podem ir à demência através dos danos
provocados ao cérebro pelo álcool, mas não Bill Wilson”.
Segundo
Nan Robertson, citado no “orange”, BW sofria de persistentes crises de ilusões
de grandeza e sua vida entre 1930 e 1934, era mais ou menos assim: Suas
ressacas e alucinações tornaram frequentes.
Ele
mendigava e roubava dinheiro na bolsa de sua mulher, entrava num trem do metrô
e ali ficava horas, consumindo o gim ilegal, falando coisas incompreensíveis e
sem-nexo. Certa vez ele atirou uma máquina de costura contra sua esposa Lois,
chutou e destruiu portas e painéis da casa, no Brooklyn. Vivia bêbado e
raramente comia. Seu estado emocional se alternava entre profunda apatia e
momentos de alucinações de grandeza. Certa vez disse a Lois que “os gênios
concebem seus melhores projetos quando em estado de embriaguez”.
Prosseguindo,
Edmundo descreve os achados sobre um diagnóstico idêntico ao de Bill. Um manual
de entrevistas clínica acrescenta as seguintes informações sobre as
“Alucinações de Grandeza”:
-
Conteúdo: Capacidade e habilidades Messiânicas.
-
Explicação do Paciente: um “escolhido”, renascido, recompensa especial por suas
realizações.
-
Expectativa do Paciente: Pregações, sessões de ajuda e de curas.
A descrição de ilusões de grandeza se
encaixa perfeitamente em BW:
- Ele
esperava admiração futura e seu reconhecimento como líder da humanidade. Ele
nem esperou pelo futuro, pois saiu megalomaníaco em pregações durante anos,
quebrando sua condição de anônimo, se promovendo e colocando sua foto nos
jornais. Ele inclusive depôs no Congresso, declarando-se como o líder e cofundador
do A.A. Para ele, “anônimo” significava que todos os demais abriam mão de
qualquer mérito pelo que conseguiam.
- Ele
se fez o líder de um culto religioso.
- Tinha
complexos Messiânicos.
-
Sentia-se e se declarava como um escolhido de Deus para uma missão especial – a
de salvar todos os alcoólatras do mundo.
-
Tornou um pregador fanático e começou a organizar igrejas domésticas, assim que
“virou” sob os efeitos da beladona e “viu Deus”.
-
Achava que tinha descoberto uma nova e original cura para o alcoolismo: a
religião.
-
Acreditava que tinha um relacionamento especial com Deus.
- Tinha
ideias infladas a respeito de sua própria grandeza e importância.
À parte
suas alucinações, o comportamento de BW não parecia estranho ou bizarro – desde
que não se falasse em alcoolismo, Deus, religião, ou o lugar de Bill Wilson no
Universo – porque aí dava para se perceber que ele era um lunático total.
Houve
quem o diagnosticasse como portador de síndrome bipolar, ou um
maníaco-depressivo[44].
Outra avaliação o dava como portador de um desvio narcisístico da
Personalidade, por meio do qual BW também figurou como um Caso num livro
didático, com as seguintes características:
– Desvio de Personalidade Narcisista
Critérios para Diagnose – padrão dominante de grandiosidade
(em fantasia ou no comportamento), necessidade de se sentir admirado, falta de
empatia, com início no começo da idade adulta e presente em diversos contextos,
com pelo menos cinco dos seguintes sintomas:
- Um
sentido aumentado de autoimportância (por exemplo, a pessoa exagera suas
realizações e talentos, espera reconhecimento como um superior, sem as
realizações que o justifiquem).
-
Preocupa-se em fantasias de sucesso ilimitado, poder, brilhantismo, beleza ou
amor ideal.
- A
pessoa se acredita ser especial e única, podendo somente ser compreendida,
aceita e associada a outra pessoa ou instituições igualmente grandiosas.
-
Requer constante e excessiva admiração.
-
Possui um senso de “ter o direito”, ou seja, uma expectativa anormal de receber
tratamento especial e diferenciado, ou cumprimento automático de suas
expectativas e desejos.
- Tende
a explorar as pessoas, com a finalidade de realizar seus objetivos.
-
Falta-lhe empatia, ou seja, é incapaz de se identificar com ou reconhecer os
sentimentos e necessidades das outras pessoas.
-
Frequentemente tem inveja de outros ou acredita ser o objeto de inveja de
outras pessoas.
-
Demonstra arrogância, com atitudes e comportamentos insolentes.
Características Associadas:
-
Vulnerabilidade de auto-estima e sensibilidade. Tendem a se magoar facilmente
mediante críticas ou derrotas.
-
Dificuldades no relacionamento interpessoal, devido a problemas relacionados a
“direitos”, necessidade de reconhecimento e o relativo desprezo pelo sentimento
alheio.
- Apesar
de uma impelente ambição e autoconfiança, que podem levar a grandes
realizações, o nível de desempenho pode ser interrompido bruscamente pela
intolerância a críticas e derrotas.
- As
funções vocacionais podem ser baixas, refletindo a falta de disposição para
assumir riscos em situações de competição, onde uma derrota é possível.
Aqui os
autores[45]
fazem nova observação: Novamente, as descrições acima se encaixam perfeitamente
na personalidade de Bill Wilson, parecendo que foram escritas sobre ele. E
prosseguem:
Bill
tinha um senso de grandiosidade e exagerada auto-importância (superestima),
sempre exagerou suas realizações e talentos, esperando ser reconhecido como
superior, sem as correspondentes realizações. Frequentemente se enaltecia e
promovia sua própria lenda.
Bill se
preocupava com fantasias de sucesso, poder e brilho ilimitado, beleza e amor
ideal, como os Grupos de Oxford, que pregavam absoluta pureza, absoluta
honestidade, absoluto amor, e absoluto desprendimento.
Ele
gostava de imaginar que estava lançando um movimento que alcançaria o mundo
inteiro e salvaria todos os alcoólatras. Dizia que o A.A. era o “milagre do
século”, “provavelmente o maior acontecimento médico e espiritual de todos os
tempos”.
Seguindo
com a narrativa, o jornalista diz que, Bill se julgava especial e único, a
única pessoa no mundo com a solução para o alcoolismo (antes disso, o primeiro
americano a fazer um bumerangue que funcionou), ou a única pessoa na
universidade a realmente entender de cálculo algébrico. Bill achava que
entendia Deus, alcoólatras e alcoolismo mais do que qualquer outra pessoa no
mundo, tinha necessidade de se sentir admirado, julgava-se com direito a tudo
especial, o melhor de tudo, toda a fama, crédito e prestigio, todo o dinheiro e
todas as mulheres – até mesmo uma casa e um carro Cadilac, pagos pelo A.A.
Bill
era ainda um explorador inclemente das pessoas. Usava a todos e se descartava
daqueles que se recuavam a se submeter ao que ele exigia. Não tinha empatia e
desconhecia o problema das mulheres alcoólatras e das pessoas não crentes que
ele havia afugentado de A.A. Desprezava o sentimento da própria esposa Lois,
que o sustentou e apoiou durante anos.
A
inveja de outras pessoas parece ter sido a única característica do narcisismo que
Bill Wilson não demonstrou abertamente, embora ele tenha passado grande parte
de sua vida tentando demonstrar que era melhor do que as outras pessoas.
Bill
certamente demonstrou atitudes e comportamentos arrogantes, mostrou fortes
sintomas de vulnerabilidade de sua autoestima; não tolerava críticas e reagia
com grande agressividade, como nos casos envolvidos com sua esposa, do seu
professor de cálculo, de seu parceiro Parkhurst, e de Ed, o ateísta que ousou
desafiar a sua bombástica religiosidade. As relações interpessoais de Bill
sempre foram prejudicadas por seus problemas de personalidade. Ele brigava com
todo mundo, desde sua esposa até seu sócio e qualquer membro de A.A. que não
acreditasse em Deus como ele acreditava. Era frequente ver Bill gritando com as
pessoas.
Bill
também sofria de um importante desvio depressivo: por um ano inteiro esteve
deprimido, quando seus pais se divorciaram e quando sua mãe o deixou com seus
avós. A depressão também esteve presente por três anos seguidos, por ocasião do
falecimento de sua namorada. Houve ainda diversos períodos depressivos,
enquanto durou seu alcoolismo e, posteriormente, quando em abstinência, sofreu
uma profunda depressão clinica que durou onze anos, de 1944 a 1955, por causa
indeterminadas.
O Dr.
Alexandre Lowen acrescentou uma característica a mais do narcisismo de Bill: a
tendência a mentir, sem compulsão, por meio da negativa do próprio eu, que
também foi uma característica observada em Bill Wilson.
Finalmente,
há ainda a declaração de Bill de que havia se tornado “Consciente de Deus”, ao
revelar “que recebia inspiração e direção dEle, possuidor de todo o
conhecimento e poder” (palavras do próprio B. Wilson). “Se tivermos seguido
suas instruções, vamos começar a sentir o fluxo do Seu espírito em nós. De
alguma forma, nós recebemos a Consciência de Deus e começamos a desenvolver
esse sexto sentido vital” (O Big Book,
3ª edição, página 85). “Assim, nos tornamos seres espirituais e podemos sentir
o que Deus quer, através do nosso sexto sentido. Na realidade podemos “receber
Deus”, como fazem os espíritas, mas somente “se seguirmos cuidadosamente sua
orientação”. Orientação de quem? De Bill Wilson, naturalmente. Notem como ele
escolheu bem as palavras; ele não disse “se você seguir minha orientação...”, pois isso denunciaria o seu egocentrismo,
suscitando perguntas como “quem ele pensa que é, o que faz ele pensar que tem
todas as respostas, ou o que é que faz dele alguém tão especial?
Um dos
Sinais mais evidentes de insanidade é a própria convicção de que somos
completamente sãos. No Big Book, pág.
133, ele diz: “Estamos convencidos de que uma maneira espiritualizada de viver
é a melhor e mais poderosa forma de se restaurar a saúde. Nós que nos
recuperamos de um grave alcoolismo, somos um milagre da saúde mental”.
Termina
aqui o relato do nosso colaborador. Os leitores devem se lembrar que quando
comentávamos sobre o livro Os Doze Passos,
dizíamos que aqui neste momento lhes chamaríamos as atenções para esses apanhados
sobre a personalidade de Bill. Cremos que depois de lido esse capitulo, seria
mais esclarecedor voltar até aquele texto e rever as insanidades que Bill ali
externou.
Com o
texto que acabamos de ler, do Jornalista Luiz Edmundo, certificamo-nos de que é
facilmente detectável, por aqueles que se dispõem a pesquisar sobre Bill
Wilson, a condição de insanidade deste personagem. Aliás, sobre a insanidade de
Bill, para assombro geral, quem conseguiu falar dela de maneira mais aterradora
foi ele próprio, numa carta-resposta à Caryl Chessman. Nesta carta, em
determinado trecho, ele se confessa ao
famoso “Bandido da Luz Vermelha”, ter a personalidade parecida com a dele: “Estou certo de que minha
identificação com você – no sentido da inferioridade na infância, da geração da
revolta, da implacável necessidade de algum tipo de poder e notoriedade – é
bastante completa. Isso apesar do fato da minha perseguição dessa meta ter
assumido, exceto quanto ao álcool, um caminho aparentemente respeitável. Quanto
à deformação subjacente ter sido idêntica, não tenho a mínima dúvida.” (Levar Adiante, p. 399)
A
reprodução parcial ou total deste texto, somente será permitida, com a
autorização expressa do autor, conforme lei de direitos autorais.
[1] Houve até o caso dos pesquisadores, Drs.
Humphry Osmond e Abram Hoffer, que
induziam os pacientes a usarem LSD, para provocar uma alucinação parecida com o
delirium tremens, e assim provocar um “susto” semelhante que os levassem
a procurar a abstinência. Como veremos mais adiante, Bill conheceu esses
pesquisadores e fez com estes, experiências neste mesmo sentido, com
dependentes de álcool internados, e ainda fez uso da LSD, vindo a ser um
usuário regular desta terrível droga por durante muito tempo. Bill Tentou impor
a todos os Aas o uso desta droga para ter as tais “experiências espirituais”.
[2] O tempo varia de pessoa para pessoa,
sendo normalmente entre 12 h. e
[3] Ver mais sobre interação no capitulo A
Doença.
[4] Com grande potencial de causar
alucinações.
[5] O que deixa sem sombra de dúvidas,
caracterizado que Bill planejou detidamente cada detalhe da expansão e sua
própria proeminência pessoal, em sua obsessão de alcançar glória e
reconhecimento.
[6] O que verdadeiramente não aconteceu, e
sobre isso abordaremos oportunamente, conforme indicado.
[7] A) Nessa manifestação de Bill está
evidente a compulsividade, o delírio e a mania de grandeza.
B) A alusão do bumerangue, é que ele fabricou um e
alardeava que foi o 1º na América a fazê-lo. C) Vermont, cidade onde residia.
[8] “império protestante” um termo usado pelo
historiador Sydney Ahlstrom, citado por Noll.
[9] Foi publicada a primeira edição em 1903,
como veremos logo em seguida.
[10] Honegger suicidou-se em março de 1911 com
uma injeção letal de morfina.
[11] Como Richard Noll nem os tradutores, dizem
quem foi McGuire, informamos que o autor em notas (18, 20 e 21) do capitulo 10,
faz referências e agradecimentos a McGuire, que compartilhou a informação com o
autor sobre os referidos papéis que pertenceram a Honegger.
[12] Página 417 do Livro Levar Adiante.
[13]
Tipo de conselheiros que cuidam da administração de A.A.
[14] Bill remanejou esse conselho quando esteve
enfraquecido diante dele; primeiro quando os companheiros alcoólicos não estavam
aprovando suas ideias, trouxe seu cunhado e o pessoal da fundação Rockefeller
que ele havia conseguido impressionar, depois quis mudar esse conselho,
voltando para uma maioria composta por
alcoólicos, quando esses “não alcoólicos” já não o apoiava, devido a seus
abusos.
[15] Posteriormente a carta foi retirada do
site.
[16] O grifo é nosso.
[17]
Muitos membros de AA taxavam a experiência espiritual de Bill como “fogacho” e
“histórias da carochinha”.
[18] Revista que é meio de comunicação oficial de
A.A. até os dias de hoje.
[19]
Sócio que Bill enganou para se apropriar dos direitos autorais dele do livro Alcoólicos Anônimos.
[20] A Nota de rodapé à página 428 do livro LEVAR
ADIANTE, diz: Em 1963, a The Grapevine publicou a correspondência –
a longa carta de Bill e a resposta de Jung – em quatro edições. Todas as
edições se esgotaram; não há uma cópia sequer no depósito de números atrasados
da revista.
[21] Observação que este autor faz.
[22] Outra observação que é feita.
[23] Era assim que muitos membros de A.A. se
referiam ironicamente a experiência espiritual de Bill, inclusive ele mesmo; hot
flash, transtorno típico da menopausa, conforme citação na página 296 (Levar
Asiante)..
[24]
Em negrito no original.
[25]
Sobre William James trataremos em um capitulo especialmente destinado a ele.
[26]
Mas em 1956 ele já pensaria bem diferente, pelo menos para justificar sua
adesão ao uso do LSD, e para persuadir os outros membros a fazerem o mesmo,
dizia ele então: “Tudo o que possa ajudar os alcoólicos é bom e não deve ser descartado.
Era preciso explorar técnicas que ajudassem homens e mulheres, que não se
adaptassem a A.A. ou a um outro caminho a se recuperar.” Quanto a sua primeira
experiência com o LSD “teve uma experiência completamente espiritual, tal como
havia sido sua experiência inicial”. Falaremos mais detalhadamente sobre isso
logo adiante, sob o titulo “LSD: segunda experiência espiritual de Bill.
[27]
Felizmente a ciência tem provado que Bill e A.A. estão errados. Ainda agora,
quando já tínhamos encerrado o presente trabalho, acaba de ser publicado um trabalho científico (“É PRECISO
DA MAIS DO QUE DOZE PASSOS”) que prova a ineficiência de A.A., e sobre ele
faremos um adendo, com o mesmo titulo.
[28]
Carta a Jung, publicada no próprio livro A
Linguagem do Coração, de onde tiramos este artigo. A carta está a parir da
página 325, só que com tradução diferente das versões publicadas na biografia
autorizada e na internet por A.A., Área Estado de São Paulo.
[29]
Foi provavelmente em 1932.
[30]
Todos os registros datados antes da carta de 1961, dão conta disso, e mesmo
hoje é publicado em diversos sites da administração de A.A. e seus grupos,
bastando para isso acessar a internet e constatar que Rowland abordara e
passara tão somente a Ebby essas informações.
[31] O
que conseguiu, pois a carta resposta à Bill, conseguida por meios maliciosos,
foi colocada numa moldura por Lois, e até os dias atuais A.A. faz uma
estardalhaçante publicidade em torno dela.
[32]
Texto entre aspas foi extraído da carta de Bill a Jung, não se sabendo se foi
isso verdadeiramente o que Jung disse, já que embustes foi o que não faltou
nessa troca de correspondência.
[33] Conforme
dicionário Aurélio: [Do ár. (cláss.)
al-ku*ul ou al-ku*l, ‘pó metálico (de antimônio ou chumbo) us. para colorir as
pálpebras’; ‘colírio’, pelo esp. alcohol; nas línguas européias, a palavra
passou a significar ‘pó obtido por sublimação’ e, por analogia, ‘produto ou
essência obtida por destilação’.]
[34] Considerado o maior médico da história da
medicina árabe.
[35] O parêntese é nosso.
[36] Sintoma de bebedeira – sem que se tenha
ingerido álcool.
[37] Nome fictício dado por Bill que não quis
dizer o nome real da pessoa.
[38] O poder carismático extraordinário que se
equivaleria, além do maga iraniano, a orenda e ao mana.
[39]
Um outro objetivo secundário de Jung, como afirmou Richard Noll, era atacar o
cristianismo: “O inimigo de Jung era a ortodoxia cristã, em especial a Igreja
católica. Ele acreditava que o cristianismo era um câncer judaico, uma “planta
estrangeira” que fora imposta aos alemães como ele, isolando-os de suas raízes
biológicas e espirituais e fazendo-os adoecer.” (O Culto de Jung, pág. X).
[40] Que abordaremos adiante.
[41] O
do Orange.
[42]
Conhecido no Brasil como Livro Azul ou pelo título “Alcoólicos Anônimos”.
[43]
OK, em inglês.
[44]
Antigo nome do Transtorno Bipolar do Humor.
[45]
Possivelmente do Orange.
6 comentários:
Recebi dia (13/12/11) um comentário do Sr. Arnaldo Pereira na página “Sumário do livro O mito [...]”. Ao manusear minha resposta a ele, acabei por excluí-lo sem querer. Como o havia salvado, reedito-o na íntegra, conforme abaixo, e em seguida está minha resposta.
Senhor Luiz Alberto Bahia
O alcoolismo é uma doença muito pouco compreendida. A abordagem científica / médica / medicamentosa é precária. Dá certo apenas para uma pequeníssima parcela de alcoólicos. Os maiores especialistas no assunto (já ouviu falar em George Vaillant?) concordam que a melhor abordagem tende a ser multifacetária, agregando medicamentos, psicoterapias e grupos de auto-ajuda. Ainda assim é dificílimo recuperar um alcoólatra.
Se temos um método que dê certo nesta área, mesmo com índice de recuperação baixo, qualquer pessoa sensata diria: deu certo para você? Então continue!
Se o senhor defende um "novo método" ou conjunto de ações para a recuperação do alcoolismo, não consigo entender a razão de basear a sua promoção no ataque a outro que funciona, mesmo que para poucos. Nessa área é preciso agregar, não disputar!
Conheço muito bem o programa de A.A. e de outros grupos baseados nos 12 passos. Sou ateu e não acho que pedir ajuda a um Deus pessoal vá me ajudar em nada. Mesmo assim, tenho certeza de que seria bem recebido em um grupo de A.A. e poderia levar em frente o trabalho dentro da irmandade. Talvez essa diferença me incomodasse, mas não acho que seria um impedimento fundamental.
Quanto à sua afirmação de que o A.A. explora financeiramente seus frequentadores, não vou nem comentar. Me parece profundamente mal intencionada. Qualquer pessoa pode frequentar A.A. durante toda vida sem tirar um centavo do bolso. Se o senhor tivesse feito uma pesquisa minimamente séria, saberia disso.
Prezado senhor Arnaldo Pereira,
Agradeço-lhe muito pelo seu comentário. Ele contribuirá no sentido de que eu possa lançar mais esclarecimentos sobre meus achados, e sobre isto passo a considerar:
Concordo quando o senhor diz que a dependência de álcool é pouco compreendida, e embora a ciência já tenha evoluído consideravelmente, ainda existem “bolsões de resistência” em aceitar os novos achados. E é exatamente neste ponto que discordo de V.Sa., pois a medicina já disponibiliza terapias cognitivo-comportamental e medicamentosa, que possibilita altos índices de recuperação. Quando estes dois recursos terapêuticos (psicoterapia e medicamentos) são aplicados simultaneamente, há a constatação de recuperações de até 36%. Este estudo levado a efeito pelo PROAD/UNIFESP foi divulgado recentemente, mas existem outros que apontam na mesma direção.
Quanto a pergunta do senhor, se eu já ouvi falar de George Vaillant, respondo afirmativamente. Aliás, o “ouvi” em palestra que ele proferiu no XIII Congresso da ABEAD de 1999, no Rio de Janeiro, quando ali tive a oportunidade de apresentar um trabalho científico, de minha autoria. Ao citar o Dr. Vaillant, fico na dúvida até qual o ponto o senhor leu de sua obra, pois na A história natural do alcoolismo revisitada, obra oriunda de sua famosa pesquisa, ele apontou que de um grupo de dependentes de álcool, que ele só acompanhou, porém, não tratou, 37,5% se recuperou. Embora o Dr. Vaillant tenha contribuído com sua pesquisa (considerada a maior delas na dependência de álcool), ele comete equívocos crassos, como os que abaixo enumeramos:
1 – Que “uma pessoa alcoólica pode beber socialmente”, como afirmou taxativamente o pesquisador, inclusive à mídia.
2 - Além de beber, O Dr. Vaillant induziu os seus filhos para que também o fizesse, desde os 10 anos de idade.
3 – Recomenda grupos de ajuda mútua tipo Alcoólicos Anônimos, argumentando que é para “um aumento da espiritualidade”.
Quanto ao item de número um, nem caberia muita reflexão, pois é universalmente aceito que o dependente de álcool é uma pessoa incapaz de controlar sua maneira de beber. Até o A.A. sabe disso e sugere aos seus membros para “evitar o primeiro gole”. Se o Dr. Vaillant assume o risco de beber, o problema é dele (uma das maiores autoridades – talvez a maior – diz que não existe uma dose segura para se beber), mas induzir os filhos a beberem desde tão pequenos, não só é uma irresponsabilidade absoluta, como é crime. E recomendar grupos como o A.A., para “aumentar a espiritualidade”, como meta terapêutica, é retrógrado e contraproducente. O senhor sutilmente me recomenda este famoso médico, como se fosse um ponto final na questão, mas faço as ressalvas acima, veementemente.
continua no próximo comentário...
Continuação...
Senhor Arnaldo Pereira, em nosso último livro, “O mito da doença espiritual na dependência de álcool (Desmistificando Bill Wilson e Alcoólicos Anônimos)”, tratamos de esclarecer todas essas questões. Como é um livro científico, tudo que dissemos é demonstrável, quando não, apresentamos provas, notadamente quanto aos ilícitos fiscais e remessa de royalties para os EUA pelo A.A. Sem falar no principal, que é mostrar como é contraproducente o método dos Doze Passos de A.A. Em defesa desta irmandade, o senhor quer convencer que ela deve ser aceita, ainda que reconheça, que “Dá certo apenas para uma pequeníssima parcela de alcoólicos”, mas se esquece do mais importante, que são os efeitos contrários que isto está produzindo. Como não leu não pode saber. E aí está o foco principal de minas atenções, de mostrar a estigmatização que A.A. impõe a todos os dependentes de álcool. E devido a isso A.A. talvez seja o maior responsável pela estatística apontada pela OMS, de que menos de 1% desses dependentes estejam em tratamento. Consequentemente, mais de 99% dos dependentes estão sucumbindo desalentadora e A.A. tem muito a ver com isso senhor Arnaldo. Então não aceitamos que o ônus do problema seja invertido em meu desfavor. É insofismável que a ineficácia que o método dos Doze Passos provoca há anos, está impelindo milhões de doentes para a sarjeta fatal. Devido V.Sa. conhecer bem os Doze Passos, como afirma, não o outorga a dar-lhe validade. O que esta entidade fez, inteiramente inaceitável, foi forjar o mito da doença espiritual - com fins doutrinários -, chamar o dependente de pecador, dizer que a causa de sua doença é espiritual e também afirmar que a doença é devido aos defeitos de caráter de seu portador. Ela se mostrou ainda fascista diante da validade dos métodos terapêuticos científicos (inclusive acusando a medicina de mercantilização da doença). Essas são apenas algumas das aberrações produzidas por este programa, tão hostil ao conhecimento, sectário e nefasto. Nefasto, porque a esmagadora maioria dos que vão até lá pedindo socorro, não aceita o método e se torna resistente a outras abordagens, tão humilhados se sentem.
Agora sou eu quem lhe pergunta, senhor Arnaldo, Já “ouviu falar” do Dr. James R. Milan ou do Dr. Eduardo Kalina? Recomendo-lhe a leitura de suas obras, são autoridades inquestionáveis e reconhecidas mundialmente. Recomendaria ainda que lesse também o meu livro, acima citado, pois lamento profundamente que o senhor, sem lê-lo, diga (levianamente – me permita o termo em defesa de minha honra) que minhas intensões sejam “mal intencionadas”, ou que eu não tenha feito uma pesquisa séria. Há dezessete anos venho pesquisando exaustivamente, dentro dos mais rigorosos princípios científicos e dentro de padrões de civilidade espartana. E, diga-se de passagem, estas pesquisas mais aprofundadas, só foram possíveis porque os resultados com os encaminhamentos que fiz para o A.A., se tornavam cada vez mais decepcionantes.
conclusão de minha resposta no próximo comentário..
Concordo ainda com V.Sa. quando diz que qualquer pessoa pode frequentar A.A. sem tirar um centavo do bolso, todavia isso seria a exceção, não a regra vigente. Contudo isso só seria possível a uma pessoa que se negasse a fazer as contribuições “espontâneas” e não comprasse os produtos que lhe é sistematicamente oferecido. O que faz alguém pensar que a extensa literatura obsoleta que A.A. coloca à venda, juntamente com outros oitenta e seis itens, fica empoeirando na prateleira ou servindo de enfeite? E o que dizer dos balancetes com milhares de dólares de superávit, e os milhões enviados a matriz americana? De onde viriam essas somas expressivas? Por fazer estas denúncias o senhor me taxa de mal intencionado, mas quem é verdadeiramente mal intencionado nesta história? Acreditar que os milhões que o A.A. fatura desde sua criação, a maior parte não vem dos bolsos de seus membros, é pura ingenuidade ou desconhecimento completo sobre a realidade da irmandade. Digo desde sua criação, porque na própria biografia autorizada de seu fundador, Bill Wilson, se constata claramente que ele arrecadava dinheiro dos grupos de A.A., e até direitos autorais que pertenciam à entidade, ele se apossou deles por meio de manobras nada recomendáveis. E a única fonte de renda daquele senhor (não tinha profissão e estava falido) era o A.A., que lhe proporcionou inclusive comprar uma big casa e um automóvel Cadillac, logo após a fundação da irmandade. E parte desta fabulosa fonte de lucros, ele deixou em testamento para terceiros. Em vida, até a amante preferida do messiânico criador da irmandade foi contemplada com polpuda soma.
Quanto ao senhor dizer que estou atacando e disputando, vou creditar novamente ao fato do senhor não ter lido o meu livro. Contudo o bom senso deveria ter lhe acudido para não fazer afirmações tão descabidas e precipitadas. Só se adquire conhecimento sobre determinada coisa estudando-a, e não exercitando adivinhações a seu respeito. Quem lê meu livro isento de passionalidade, poderá chegar a conclusões bem diferentes das que o senhor tentou adivinhar, como atestam os depoimentos que tenho recebido, notadamente de especialistas neste campo do conhecimento humano.
Sei que há quem não concorda comigo, e existem até os gratuitos, ou outros levados por manifestações impulsivas, precipitadas ou passionais. Na verdade quase sempre se manifestam assim por ignorarem a verdade, mas um contingente bem maior aquiesce à minha tese. Aceito todos em suas exposições, pois de uma forma ou de outra favorecem o meu crescimento e aperfeiçoamento. Mas não nego que prefiro a companhia de especialistas, como o Dr. Eduardo Kalina, que prefaciou o livro acima referido, e em determinado trecho de seu texto disse: “Al respecto quiero dejar constancia de mi total coincidencia respecto a la posición ideológica que expone acerca de lo que significa Alcohólicos Anónimos”.
Atenciosamente,
Luiz Alberto Bahia
Quero compartilhar esse vídeo comentando sobre álcool e direção, assista e replique!
http://www.youtube.com/watch?v=R8d81jbtm0w&feature=youtube_gdata_player
Senhor anônimo, está aí publicado seu comentário, mas não tenho nenhuma réplica a fazer.
Obrigado pela participação.
Luiz Alberto
Postar um comentário