VISITANTES Greda - Grupo de Recuperandos da Dependência de Álcool / Luiz Alberto Bahia: Declaração de um ex-membro de A.A. (continuação da leitura)

Declaração de um ex-membro de A.A. (continuação da leitura)

O motivo de eu estar enviando esse texto ao blog consiste em compartilhar, de maneira honesta e sem demagogia alguma, alguns aspectos presenciados por mim durante o extenso período em que fui membro dessa entidade, os quais, longe de encontrarem aquiescência no repertório romanesco e contraditório de AA, conferem autenticidade à abordagem do Sr Luiz Alberto sobre vários pontos referentes a Alcoólicos Anônimos. Creio não ser necessário esboçar aqui a minha trajetória no alcoolismo e na drogadicção de forma a autenticar a minha procura por um método de recuperação, a qual resultou no meu ingresso em AA. Tampouco tornarei este texto uma narrativa sobre a minha estada ali. Minha intenção é apenas destacar minha opinião, como ex-membro dessa entidade, a respeito de algumas características pertinentes à mesma, desmantelar alguns comentários tecidos contra a crítica feita ao AA e o de fazer com que as pessoas de fora não venham a julgar a obra do Sr. Luiz Alberto como produto de uma charlatanice ressentida contra Alcoólicos Anônimos.
  Primeiro, para quem conhece o AA através de um olhar crítico, seria "chover no molhado" dizer que a programação do mesmo é dogmática. Costuma-se dizer que o que existe em AA são "sugestões" que o membro pode ou não tomar para si em seu propósito de parar de beber (os 12 passos são anunciados como tais).* (1ª Nota do blogue – ao final do texto) Porém, constatei que os grupos são permeados por um clima de medo e tensão, já que qualquer indivíduo que se mostre discordante de uma ou outra "sugestão" passa a ser perseguido por alguns membros, dentre esses, vários dos "mais velhos", os quais, quando do seu depoimento em sala, começam a dirigir "indiretas" ao membro discordante, humilhando-o perante os outros (e afirmo, sem exagero, que tornam isso motivo de diversão entre eles e os demais membros, além de fazerem com que estes últimos passem a reproduzir tal comportamento). Ainda assim, garantem que essa atitude tem como meta apenas ajudar o sujeito, de maneira a salvá-lo de seu próprio orgulho, já que este, segundo o AA, é um dos principais motivos das recaídas dos alcoólatras em recuperação. Dessa maneira, é natural você observar, em uma sala de AA, pessoas com semblante pesado se autoflagelando em seus depoimentos ou chafurdando na demagogia, repetindo os bordões do programa e demonstrando submissão ao discurso desses membros mais antigos. 
  Em relação à democracia dentro de AA, isso é mais um mito, já que as decisões não são exatamente “tomadas em conjunto”, pois terminam sempre manipuladas pela ação de uma hierarquia constituída por membros que já estão há um bom tempo em AA. Essa hierarquia disfarça-se somente ante o olhar ignorante da maioria dos membros, os quais, ao acatarem o dogmatismo reinante em AA sob a condição de “pecadores”, terminam por ofuscar de uma vez por todas seu espírito crítico, já que ali existe o princípio de "aceitação". Em AA, o membro deve abandonar o olhar crítico e aceitar tudo o que acontece com amor e resignação, pois tudo o que acontece é, segundo o coro fascista, a "vontade de Deus”. Claro que a difusão deste pensamento encontra-se vinculada ao propósito de levar o indivíduo a nada questionar, incluindo aqui as manipulações e intrigas dos “mais velhos” e o próprio programa de AA, o qual lhe fornece um deus com características forjadas por Bill W., o que contradiz o “Deus, na forma em que o concebíamos” grafado pelo punho do próprio fundador na anunciação Terceiro Passo do programa. Aliás, percebe-se que, em AA, muitos membros, ao voltarem-se de maneira fanática para o programa, afastam-se tanto da sociedade e de assuntos pertinentes a mesma, que acabam se tornando um tanto paranóicos, enxergando em qualquer situação uma “armadilha” para beber. E isso se observa em muitos depoimentos, onde as pessoas de fora são taxadas de "insanas", diferentemente dos AAs, que são “pessoas engajadas em um progresso espiritual”. Essa postura etnocêntrica chega ao seu ápice quando a programação de AA é exaltada ao ponto de ser indicada como ponta-de-lança na evolução da humanidade, pois já presenciei membros antigos e reverenciados dentro de AA, em suas palestras, afirmarem categoricamente que os 12 passos deveriam ser ensinados nas escolas. Um verdadeiro absurdo! E eis outra contradição, já que em AA se prega o lema do “viva e deixe viver”, o qual encontra-se afixado na parede de muitos grupos e é tópico de um dos seus livros.
  Abordando um pouco mais o caráter dogmático, existe sim, dentro de AA, um movimento de coação à crença em um Poder Superior. Esse papo de que esse Poder Superior pode ser concebido como isso ou aquilo é uma mera estratégia dentro dos grupos para encaminhar, gradativamente, a pessoa à crença em uma divindade. E isso não se dá somente por parte dos membros, estando esse método de coação implícito na própria literatura de AA, o que implica em intolerância aos agnósticos e ateus. O Sr Luiz Alberto discorre sobre esse tópico de maneira detalhada e sensata, principalmente quando questiona o Segundo Passo. De minha parte, posso dizer que, se ele indignou-se com as linhas do Segundo Passo, provavelmente seria acometido por um infarto caso apenas folheasse a mais nova “pérola” da literatura de AA, chamada "Despertar Espiritual - Viagens do Espírito". Este livro, com certeza, veio para fixar-se como o principal manual de conversão dos ateus e agnósticos em AA. É também digno de nota que Bill W., constantemente, adverte que, sem a dependência de um deus ou dos princípios de AA, "fatalmente morreremos". E isso se reflete no discurso incrustado nos grupos de AA, os quais amaldiçoam com uma bela recaída aquele que abandonar os grupos e o programa.
  Outro ponto negativo que pude constatar nessa entidade, são as brigas e as intrigas. Estão sempre presentes, principalmente entre os membros que possuem cargos e devidas a questões de personalismo, e também por já terem se tornado características marcantes da entidade. Em alguns casos, membros chegam mesmo a agredirem-se, mas, na maioria das vezes, a coisa fica só no bate-boca. Posteriormente, são levados a fazerem as pazes (de fachada) para manter as aparências, de maneira a contribuírem com o estigma (muito presente em AA) do "bate e assopra", o qual, afirmam, é saudável para o "crescimento" dos membros. Até onde pude perceber, acontece justamente o contrário. Antes desse comportamento contribuir para um amadurecimento, só reproduz a violência latente em alguns membros. E costumam também "sacralizar" os grupos, de modo que, se um membro descontenta-se com o grupo e o abandona, a culpa recai, não no ambiente hostil, permeado pela fofoca, fanatismo, intriga e brigas, mas no próprio sujeito e em sua "falta de serenidade" para permanecer em recuperação no grupo e aceitar os outros como eles são. Alguns membros e simpatizantes de AA podem até torcer o nariz para as críticas feitas a essa instituição e tentar rebatê-las através de argumentos românticos e demagogos, porém, nada fazem além de mostrarem-se dogmáticos e resistentes à mudanças que venham a contribuir com melhoras em Alcoólicos Anônimos, pois se não o sabem, o índice de grupos de AA no Brasil tem caído muito, embora ainda, nos grupos, se esconda os verdadeiros motivos disso alegando outros que nada têm nada a ver com tal situação. E olha que, em AA, costuma-se dizer que as críticas negativas devem ser levadas em consideração, já que são benéficas à evolução da irmandade. É contradição atrás de contradição. E por falar nisso, costuma-se dizer que o AA não se envolve com nenhuma religião, mas vez ou outra você encontrará, em material de AA, alusões a elementos judaico-cristãos. Chegam mesmo a dizer que os 12 passos foram retirados da Bíblia. Há, inclusive, um livreto que termina com a Oração de São Francisco. Concordo que o AA contribuiu para que muitas pessoas largassem a bebida (embora poderia ter contribuído mais), mas antes de torná-las abstêmias e verdadeiramente engajadas em um crescimento, destinou-as ao conforto da ignorância, o qual denominam "aceitação da vontade de Deus", a qual remete à aceitação do programa do AA sem contestação alguma. Sem contar que, como afirma o Sr Luiz Alberto, repeliu tantos outros de volta ao álcool por seu caráter antiquado, “engessador”. Mas estes, claro, o fizeram pelo fato de serem, como afirma o fundador do programa, “rebeldes e beligerantes.”
  Do mais, digo aqui que fui um membro de AA durante vários anos (e o era ainda há pouco) e que minhas colocações não se baseiam na convivência com apenas um grupo, mas com vários. Não sou nenhum exemplo de ser humano, exceto aquele ser humano mais comum possível, dotado de qualidades e falhas, e de forma alguma deixarei de dizer que conheci pessoas notáveis através de AA e que sou grato, apesar de tudo, por me mostrarem que sou portador de uma doença, não sendo capaz de conciliar álcool e equilíbrio. Conheci boas pessoas, simples e humildes que, assim como eu, sofreram sob o açoite do álcool e de outras drogas e que, felizmente, tiveram o ímpeto de procurar um meio de recuperar-se. Trocamos muitas experiências, baseadas em tristezas e alegrias, aprimoramos o nosso conhecimento sobre ajuda mútua devido a isso e, o melhor de tudo, contemplamos juntos a alegria de não incorrer no uso a cada dia de nossas vidas. Tais pessoas são o que de melhor me aconteceu em AA, e foram essas mesmas pessoas que me motivaram a permanecer em um grupo, sufocando dia-a-dia as minhas insatisfações com a programação de AA e com o clima pesado, atuando como servidor de maneira a ajudar a manter as portas do grupo aberta para ali nos reunirmos, não como fanáticos religiosos, mas como aquele grupo de bons amigos de qualquer canto do mundo. Não serei eu o porta-voz de tais pessoas de modo a dizer aqui se elas estavam ou não satisfeitas com tal método de recuperação, mas posso afirmar que elas não partilhavam do fanatismo da maioria. Tanto que, em um dado momento, desenvolvemos uma proposta de dar uma nova cara ao grupo, desvinculá-lo do fanatismo, da repressão infligida pelos membros conservadores e fornecer um ambiente mais democrático, descontraído e tolerante às pessoas, de forma que essas não tivessem que permanecer “dopadas” no grupo, se chicoteando em seus depoimentos e reproduzindo a todo instante os bordões do programa e o discurso dos membros mais antigos. Por um tempo, tentamos caminhar rumo a esse propósito, mas as pressões exteriores, aproveitando-se dos membros mais fanáticos e, portanto, suscetíveis à manipulação através do programa ou de qualquer discurso que se colocasse como parte dele, terminou por criar dissidências dentro do próprio grupo, o que levou nossos planos por terra e à desvinculação dos membros que, assim como eu, já se mostravam descontentes com o AA, mas que ainda tinham a esperança de poder mudar algo, ou seja, adaptar um grupo às pessoas que tinham necessidades diferentes dos membros mais ortodoxos. Hoje, percebemos que incorremos em um grande erro, embora nossas intenções fossem as melhores.
  Para concluir, gostaria de afirmar aqui, sem nenhuma sombra de dúvida e baseando-me em minha experiência com essa entidade, que não há como contribuir com avanços em Alcoólicos Anônimos. Fazer isso significaria fazer alterações no próprio programa (ou mesmo desvincular-se dele), porém, este foi há muito sacralizado e encontra-se sob a proteção de fanáticos que o defendem e o impõem através do medo e de manipulações bem-articuladas (recorrendo mesmo à chantagem). Poderia até fazer uma espécie de mea culpa aqui dizendo que, ao tentarmos mudar a rotina de um grupo de Alcoólicos Anônimos, terminamos por praticar a violação dos direitos que essa entidade tem de fixar seus princípios aos grupos que lhe são filiados.** (2ª nota do blogue – abaixo) Porém, acrescento que, se o fizemos, foi por que acreditarmos na validade da não-obrigação, implícita em AA. E confesso também que, ao escrever este texto, senti-me vez ou outra tomado por aquele mesmo sentimento que sempre me acompanhou quando dos meus depoimentos em salas de AA: o medo de estar contrariando verdades divinas em função do meu arrogante senso crítico. 

Um grande abraço a todos.





* Nota do blogue: Na revista Vivência (editada por A.A.) de nº 112, à página 54 se lê que “os Passos são sugeridos como se sugere a alguém que vai saltar de pára-quedas (sic) que puxe a cordinha”.
Então é obrigatório, e não sugerido como sofismam. É dissimulação. E isso é uma característica de Bill Wilson e A.A: querer que os outros vejam o autoritarismo como democracia.

** Outra nota do blogue: A meu ver, o que o depoente prega com estas palavras, é a volta do A.A. às suas origens. A adequação às necessidades dos dependentes de álcool é também uma recomendação do próprio Bill, o fundador da irmandade. No primeiro caso, o A.A. só foi possível porque o Bill seguiu o conselho do Dr. Silkworth, e isto é até um paradoxo: Bill não conseguiu um único seguidor sequer em seis meses para fundar o A.A. nos moldes como a entidade é hoje, e então o visionário médico disse a Bill, que ele só estava conseguindo fracassos porque estava pregando aos alcoólicos, e acrescentou com a seguinte frase: “e depois fica falando sobre sua misteriosa experiência espiritual.” Por que não falar sobre a doença do alcoolismo? Por que não falar aos alcoólicos sobre a doença que os condenava a ficarem loucos ou morrer, se continuassem a beber? Vindo de outro alcoólico, um alcoólico falando com outro, (está aqui o modelo de ajuda mútua pensado pelo visionário médico[1][1] talvez aquilo quebrassem aqueles egos.” (Levar Adiante p. 143). Deixando as pregações e a farsa da mal explicada experiência espiritual de lado, logo Bill arrebanhou vários seguidores e conseguiu fundar A.A., só que depois de consolidada a irmandade, Bill voltou a pregação religiosa e a falsear que viu Deus e “o grande além” novamente. Ele tinha motivos para isso, e o conseguiu: Um carro cadillac uma boa casa e uma excelente renda (inclusive para gastar com suas incontáveis amantes) para o resto da vida, escrevendo livros dogmáticos para um grupo sedento por crenças inverossímeis.
No segundo caso, sobre a recomendação de Bill, que era “Tudo o que possa ajudar os alcoólicos é bom e não deve ser descartado. Era preciso explorar técnicas que ajudassem homens e mulheres, que não se adaptassem a A.A. ou a um outro caminho a se recuperar.” (Levar Adiante, p. 405)  Ele disse isso quando quis induzir os membros do A.A. a fazer como ele, a de usar LSD, sob o argumento assim comentado em sua biografia “teve uma experiência completamente espiritual, tal como havia sido sua experiência inicial”. Esta segunda experiência, dita espiritual,  conseguida através da LSD, a nosso ver é tão falsa como a primeira, que foi movida por Meimendro, Beladona e/ou delirium tremens, ou em outras palavras, alucinação por drogas. Por estes motivos achamos que não cabe o sentimento de culpa do declarante anônimo, mesmo porque, sou movido pelo mesmo sentimento, já que A.A. não aceitou nossos alertas, de mesmo cunho. É preciso que uma nova ordem seja estabelecida, para evitar que tantas vidas se esvaem pelas sarjetas. Sendo que a maioria delas devido a estigmatização provocada pelo Programa dos “Doze Passos”, que é discriminatório, porque taxa os dependentes de álcool como pecadores, e que a dependência é provocada pelos defeitos de  caráter do doente. Programa este extemporâneo, sectário e escravizante. O Adicto (escravo em Latim) precisa é de se libertar verdadeiramente e definitivamente.






[1][1] – E é este modelo Silkworthiano que pregamos no GREDA, o modelo científico que deu certo, mas que Bill resolveu trocar pelo que vigora até hoje, com o intuito de alcançar bens nada espirituais, que já citamos acima.