OS DOZE PASSOS
Muito se fala nos 12 passos de Alcoólicos anônimos, contudo o grande público não sabe do que se trata, pois não os conhecem e nem tem ideia do que consiste a proposta. Seria realmente uma terapias ou se serviria para outros fins? Na verdade eles se redundam em uma grande polêmica, devido as grandes contradições que os cercam. Polêmicas criadas pelo próprio A.A. e pelo seu criador, o fundador da irmandade, de nome William Griffth Wilson, mais conhecido por Bill Wilson. A entidade tece intermináveis explicações para tentar convencer de que eles não são religiosos e nem doutrinários. Quando alguém diz que são dogmáticos os adeptos da organização chegam a perder o controle e até se exasperam. Vamos descortinar ao público o que seja este autoproclamado “programa de recuperação” para dependentes de álcool. Antes, porém, vamos contar as circunstância em que foram concebidos e os objetivos que se pretendia com sua criação.
Primeiramente vamos explicar que quando A.A. começou e por um bom tempo depois, não havia este chamado “programa”, e a orientação que passavam aos membros, era de natureza científica, relativo ao conhecimento científico de se dispunham sobre a doença. Escassos mas empíricos. Bem diferente do que é hoje. E as razões para esta mudança, passamos a explicar:
Antes da fundação da irmandade, Bill ficou por seis meses procurando por iguais, para por em prática sua ideia de congregar os dependentes, mas não conseguiu convencer um único individuo sequer. Apareceu até um que se mostrou susceptível ao discurso de Bill, mas ele deixou bem claro que aquela história espiritual não o convencia. Foi aí que apareceu a pessoa do médico que o ajudava, que segundo a biografia de Bill, publicada pelo AA, aconteceu assim “Foi o Dr. Silkworth, que ajudou a colocar Bill no caminho certo: você estava pregando, disse o médico, e essa pregação estava afastando seus convertidos. Ele falava demais dos [...] e da sua própria experiência espiritual. Por que não falar sobre a doença do alcoolismo? Por que não falar aos alcoólicos sobre a doença que os condenava a ficarem loucos ou morrer, se continuassem a beber? ‘Vindo de outro alcoólico, um alcoólico falando com, talvez aquilo quebrasse aqueles egos’, disse Silkworth.” (Levar adiante, p. 143). Na verdade a tal experiência espiritual de Bill, que o médico e mesmo os outros que ingressaram na entidade, não acreditavam, é uma história muito mal contada. Ele queria fazer os outros acreditarem que teve uma experiência fantástica, em que viu Deus e o céu, e que tinha uma missão como Enviado Divino. Sobre isso, ele disse (resumindo) assim “Agradeci ao meu Deus, que me proporcionara um vislumbre do Seu Ser absoluto [...] eu não precisava me preocupar mais porque havia vislumbrado o grande além" (Levar adiante, p.131) O vislumbre de que ele fala, foi meramente alucinação, que ele já vinha sendo acometido por elas nas internações anteriores. Nesta quarta internação, quando “ele viu Deus”, além de delirium tremens, que provoca alucinações, ele foi medicado com Meimendro e Beladona, dois potentes alucinógenos, utilizados naquela época em estágios avançados de dependência de álcool. Tempos depois quando ele estava usando (por alguns anos) LSD, ele disse que a alucinação provocada pela droga foi espiritual, e mais, que foi igual a que sentiu quando viu Deus, registrada pelos seus biógrafos assim: “’ele próprio experimentou o LSD. E teve uma experiência completamente espiritual, tal como havia sido sua experiência inicial’”. (Levar adiante, p. 405)
E foi assim que Bill conseguiu fundar o AA., mas ele tinha planos não revelados, e seguindo o que programou, logo que a entidade se firmou, ele voltou as pregações anteriores, e abertamente ou sutilmente, alardeava sua condição messiânica, e criou os Doze Passos e as Doze Tradições, para ajudar a doutrinar os incautos. Com tudo sob controle, inclusive de posse dos direitos autorais conseguido através de manobras condenáveis, estranhamente aos olhos de quem estuda a sua biografia, ele fez sua esposa Lois abandonar o emprego. Esta seria a única fonte de renda moralmente aceita deles, já que é sabido que também arrecadava dinheiro dos grupos de A.A. e também, por um bom tempo, arrancou uma mesada (em lugar dos milhões que pretendia) do Dr. Rokffeller. deles, já que ele, desempregado, vivia às custas dela. Tudo se explica quando ele comprou uma bela casa e um carro Cadillac novinho em folhas, com o casal desempregado.
Quanto ao aspecto de se fazer passar por um iluminado, voltamos à concepção dos Doze Passos, e para isso recorremos novamente à biografia de Bill, em que se lê: “Bill pediu orientação assim que começou a escrever. E se descontraiu. As palavras começaram a rolar com surpreendente velocidade. A primeira versão dos Doze Passos foi concluída em meia hora” (Levar adiante, p. 216). Uma observação cabe aqui, pois parece a primeira vista, como querem deixar a entender, que estes passos foram concebidos à maneira mediúnica, só que, na página seguinte está registrado que “Os três primeiros Passos de Bill foram tirados de suas leituras de William James, dos ensinamentos de Sam Shoemaker e das lições dos Grupos Oxford.” (Levar adiante, p. 217).
É muito difícil para as pessoas hoje entenderem sobre a necessidade de dar uma conotação religiosa e espiritual, para que a população americana engolisse o engodo de Bill. Os que quiserem ter uma melhor compreensão, da importância do revestimento religioso/místico, é só fazer uma pesquisa sobre a situação religiosa americana naqueles tempos. Do tanto que eles estavam passíveis de aceitarem as mais absurdas doutrinas e estigmas religiosos. Pesquisem sobre os Calvinistas puritanos, que fundaram um movimento fanático, extremamente ortodoxo, exatamente na região onde Bill nasceu. Assim como Bill e o AA, os Calvinistas pregavam que seus adeptos deveriam ter uma experiência espiritual extraordinária, uma espécie de iluminação, uma visão mística que daria ao jovem convertido, a convicção de que ele era efetivamente um puritano. E para isso Bill esta cartilha que chamou de “um grupo de princípios espirituais que se praticados como um modo de vida” (Os doze passos, p. 9) Embora os AAs não aceitem que sejam dogmáticos ou religiosos, onde e quando, uma cartilha, nestes termos, não o sejam?
No caso de Bill, as artimanhas para se fazer passar por um iluminado, é tão extensa que, infelizmente não é oportuno cita-las aqui. Mas saibam que ele se dizia, sensitivo, médium, clarividente, teosófico e que se comunicava com ordens superiores celestiais. E Está lá na sua biografia: “Um dos persistentes fascínios e envolvimentos de Bill foram os fenômenos psíquicos”. Sua crença na clarividência e outras manifestações extrassensoriais [...]” (Levar adiante, p. 301). Sobre isto, o jornalista Luiz Edmundo escreveu: “A megalomania e culto da personalidade, tentando se mistificar, criando para si uma imagem de enviado ou porta voz de Deus”.
Em uma passagem, que Bill avoca privilégios divinos, quando declara que ele não teria que se sujeitar a fazer os passos, também fica notório que estes passos se destinavam à (consumo de) meros mortais. É isto mesmo, Bill nunca se submeteu aos ditos, imprescindíveis e fundamentais 12 Passos. Ficava entre a indignação com Deus e remoendo sentimento de culpa por isso: “Eu era dominado pela culpa em relação a isso. Perguntava-me, considerando todas as vantagens que tinha, se deveria estar sujeito a essa espécie de coisa. Em outras ocasiões, me culpava pela incapacidade de praticar o programa em certas áreas da minha vida” (Levar adiante, p. 325)
E quando relatamos em debates as “espertezas” de Bill, logo nos atacam dizendo que estamos denegrindo a imagem dele, sempre frisam, lembrado que ele fora “um grande altruísta” que só pensava nos seus semelhantes. Fica parecendo que sou eu o espertalhão, mas apenas reporto, citando as fontes, principalmente do próprio A.A., o que ele fez e quem ele era realmente. Inclusive há o caso muito sugestivo, enumerado abaixo, envolvendo Chessman, em que o próprio Bill se autodenuncia. E quando digo nestes debates (como abaixo, com o Senhor Caio) que a maioria destas coisas que digo sobre ele, tirei da própria literatura de A.A., dou-lhes uma pequena prova disto:
1 – O repórter do Post, Jack Alexander, que acabou se tornando um Custódio de A.A. e amigo de Bill, antes, quando foi investigar o A.A,, chegou a seguinte conclusão, estampadas na sua biografia: “É um tipo que desarma qualquer um e é especialista em doutrinar, usando a psicologia, a psiquiatria, a fisiologia, a farmacologia e o folclore do alcoolismo”. “A percepção inicial de Alexander era correta: Bill era cândido, mas sua candura nada tinha de ingenuidade ou de estupidez; era proposital e atingia seus objetivos.” (Levar adiante, p. 269 e 270).
2 – Russ o amigo de Bill, que chegou a morar com ele por um ano foi lembrado na biografia assim “’Naqueles dias, os argumentos de Bill nem sempre se sustentavam. Ele tinha um ego imenso. A maioria de nós era egoísta, mas ele o era tão tenazmente que, se desejasse alguma coisa, essa coisa virava verdade. Bill começava pela conclusão. [...] Ele partia de uma premissa falsa e seguia passo a passo um raciocínio lógico até chegar a conclusão da qual partira’. ‘Embora fosse muito mais esperto do que a maioria das pessoas. Russ afirmava que ele ‘ficava perdido’ quando queria algo intensamente, tornando-se disposto a ‘desviar um pouco as coisas’” (Levar adiante, p. 180-181).
3 – Quando Bill se apossou das ações da Works Publishing, passando para trás seu sócio e outros acionistas (membros do A.A.), foi dito: “...Os rumores sobre o escritório de Nova York e a negociata suja que Bill estava promovendo, desencadeada por Hank [o sócio], durante sua visita, nunca haviam se encerrado completamente, e agora o fogo voltava a pegar, com incrível força. [...]vários membros de Cleveland queriam se separar e romper todo o contato com o ramo de A.A. de Bill...” (Levar adiante, p.280)
4 – Bill trocou cartas com o lendário Caryl Chessman, o “Bandido da Luz Vermelha” condenado e executado à morte. Se comparou a ele com as seguintes palavras “Estou certo de que minha identificação com você – no sentido da inferioridade na infância, da geração da revolta, da implacável necessidade de algum tipo de poder e notoriedade – é bastante completa. Isso apesar do fato da minha perseguição dessa meta ter assumido, exceto quanto ao álcool, um caminho aparentemente respeitável. Quanto a deformação subjacente ter sido idêntica, não tenho a mínima dúvida.” (Levar adiante, p. 399).
5 – Quando quis vender os conhecimentos que adquiriu no próprio A.A., seus pares reagiram à altura: “Não percebe que para você, nosso líder, receber dinheiro para levar adiante nossa magnífica mensagem, enquanto o restante de nós tenta fazer a mesma coisa sem receber nada [...] Por que nós deveríamos fazer de graça aquilo pelo qual você seria pago?” (Levar adiante, p. 191 e 192)
Por fim, fazemos mais duas observações sobre estes passos. O primeiro é que quando foram apresentados por Bill aos demais membros de A.A., eles questionaram sobre a sua serventia, e também o excessivo apelo religioso, conforme poderá ser constatado em outro livro escrito por Bill: “Por que Doze Passos? ‘Você colocou muito Deus nesses passos; desse jeito vai espantar pessoas’ ‘O que significa fazer os bêbados se ajoelharem para pedir que sejam removidas suas imperfeições?” (A.A. atinge a maioridade, p. 140). Assim Bill fez algumas mudanças, definindo-as como “concessões feitas àqueles que tinham pouca ou nenhuma fé” e classificando-as como “a grande contribuição dos nossos ateus e agnósticos. Eles haviam alargado nosso portal, de forma que todos os sofredores pudessem atravessá-lo, independentemente de sua crença ou descrença””. Mas as ponderações de Bill não passaram de retórica, uma vez que posteriormente atacou-os ao se referir “para certos ingressantes e para aqueles antigos agnósticos” e no livro Os Doze Passos, foi bem mais intolerante com os agnósticos e ateus, quando expondo o Segundo Passo. Está escrito no primeiro parágrafo, quando Bill fala dos que não acreditam em Deus e do Poder Superior: “Olhemos primeiro o caso daquele que diz que se recusa a acreditar – o caso do beligerante. Encontra-se num estado de espirito que só se poderia denominar de selvagem” (Os doze passos, p. 17). Pode reler que é isto mesmo, para Bill o ateu e agnóstico são tidos como um beligerante e um selvagem, alguém que está em guerra, um belicoso, um ser sem cultura, das selvas. E assim a literatura de A.A. está repleta destas situações criadas por Bill. O que em uma determinada hora é motivo para ele enaltecer, em outro momento, a mesma coisa ele ataca cruelmente, como no caso em que ele atacou a ciência e Jung, e depois disse que, aquilo que atacou, foi uma das bases para fundação do A.A. Fatos como estes, de contradições (engendradas matreiramente só para obter uma vantagem de momento – assim como os mal intencionados políticos) de Bill e do A.A. eu retrato às dezenas em meu livro. Mas o que eu considero mais grave, é a estigmatização que fazem de “todos” dependentes de álcool, chamando-os por termos pejorativos, dizendo que a causa da doença é devido aos seus defeitos de caráter e a sua condição de pecador, e por isso é instado a fazer o Quarto Passo.
Quando argumentamos da ineficácia dos passos, quase sempre nos dizem que ninguém é obrigado a se submeter a eles, que os passos são apenas sugeridos. Contudo, em um artigo da revista Vivencia, órgão de comunicação de A.A., cujo título é “Porque pratico os Doze Passos”, diz o seguinte: “Durante algum tempo resisti à ideia de praticar os 12 Passos, afinal eles são sugeridos [...] Logicamente as promessas de A.A. não se realizaram, pois somente se realizam quando tomadas as medidas certas. Nada colhi de bom, pelo contrário, tive uma ideia distorcida da irmandade e de seu programa de recuperação. [...] da reflexão que diz que os passos são sugeridos como se sugere a alguém que vai saltar de pára-quedas que puxe a cordinha”. (Vivencia, edição 112, p. 54)
Diante do exposto apresentamos os enunciados dos Doze Passos para a devida apreciação dos interessados. Para nós, com a exceção do 1º passo, todos os demais são religiosos/moralistas, preconceituosos e estigmatizantes. Analisem e vejam se há a mínima possibilidade da proposta de se comprovar cientificamente, como disseram, que eles são eficazes como tratamento, para dependentes de álcool. Aliás, vejam se esta cartilha moralista é cabível como terapia.
OS DOZE PASSOS
1º - “Admitimos que éramos impotentes perante o álcool – que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas”.
2º - “Viemos a acreditar que um Poder superior a nós mesmos poderia devolver-nos a sanidade.”
3º - “Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que O concebíamos.”
4º - “Fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos.”
5º - “Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas.”
6º - “Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter.”
7º - “Humildemente rogamos a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições.”
8º - “Fizemos uma relação de todas as pessoas que tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados.”
9º - “Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-lo significasse prejudicá-las ou a outrem.”
10º - “Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente.”
11º - “Procuramos através da prece e da meditação, melhorar nosso contado consciente com Deus, na forma em que O concebíamos, rogando apenas o conhecimento de Sua vontade em relação a nós, e forças para realizar essa vontade.”
12º - “Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a estes passos, procuramos transmitir esta mensagem aos alcoólicos e praticar estes princípios em todas as nossas atividades.”
Assim que nos seja possível postaremos aqui neste blogue o capitulo de meu livro, “O mito da doença espiritual na dependência de álcool (Desmistificando Bill Wilson e Alcoólicos Anônimos)”, intitulado “Os doze passos comentados”.