VISITANTES Greda - Grupo de Recuperandos da Dependência de Álcool / Luiz Alberto Bahia: O pseudodespertar espiritual de Bill

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O pseudodespertar espiritual de Bill



Em seu desespero e desamparo, Bill gritou: “Farei qualquer coisa, qualquer coisa que seja!” Ele havia chegado ao ponto de total esvaziamento – um estado de rendição completa e absoluta[1]. Sem nenhuma fé ou esperança, ele gritou: “Se é que Deus existe, que Se revele!”
O que aconteceu em seguida foi eletrizante. “O quarto foi subitamente inundado por uma luz indescritivelmente branca” (L.A., p. 130: as outras citações nesta página também são do mesmo livro e página aqui indicado)
Bill relata que foi arrebatado por um êxtase impossível de ser descrito. Sentiu uma alegria que jamais sentira, seguida de uma inconsciência durante algum tempo (exatamente igual a uma exacerbação de euforia, como nas alucinações). Bill continua: “então vi, com os olhos da mente (o grifo é nosso), que havia uma montanha. Eu me achava no cume da mesma, onde soprava um vento muito forte. Um vento feito, não de ar, mas sim de espírito. Forte e poderoso, o vento soprava diretamente através de mim”. 
           Conforme iremos discorrer mais adiante, inclusive fazendo as citações científicas de trabalhos realizados por especialistas, entendemos muito bem quando Bill fala em ver “com os olhos da mente”, quando ele fala que o vento é feito de espírito e não de ar, e ainda que o vento soprava diretamente através dele, pois na alucinação, a realidade alucinada é muito mais “viva”, muito mais intensa, muito mais empolgante e tem conotações de realidade muito maior que a própria realidade. Estas são impressões de quem alucina. É o inconsciente que traz à tona o passado psíquico do indivíduo para se manifestar. Muitos relatos de adeptos de religiões e seitas que utilizam drogas alucinógenas em seus rituais são parecidos com a narrativa de Bill. A impressão que causa a alucinação é tão fantástica que muitos se deixam levar pela emoção e dizem que se trata de expansão da consciência. Como exemplo, tomamos os casos de Timothy Leary, Stanislav Grof e o da seita do Santo Daime. Leary, professor de Harvard, e Grof, psiquiatra, deixaram-se abalar emocionalmente a ponto de fundar religiões e escrever sobre a tal expansão da consciência provocada pelos alucinógenos. Falaremos sobre os três mais adiante.
Veja que a montanha da infância de Bill foi uma representação psíquica muito importante para ele, pois ele sonhava ser grande igual a ela, e ela o acompanhou pela vida afora. Bill continua, dizendo que então lhe ocorreu o fulgurante pensamento “você é um homem livre”. Depois, não se sabe por quanto tempo durou esse transe, porém a sensação passou, e ele pôde ver novamente as coisas a sua volta e, em seguida, após se acalmar, sentiu uma paz profunda, ficando “agudamente” consciente de algo que ele chamou de “um verdadeiro mar do espírito vivo” (L.A., p. 130). Vários dependentes contam que, ao sentir essa sensação de euforia, ou alucinação, ficam extremamente cônscios, possuídos de muita lucidez e percepção, achando inclusive que são dotados de poderes para se elevarem acima do chão ou passarem qual fantasma por paredes. Muitos pensam que podem ler a mente das pessoas, enxergar doenças e curá-las, sentem-se encorajados, pensam e agem com tamanha segurança que são capazes de feitos que em estado normal de consciência dificilmente o conseguiriam. Contudo, a maior parte do que lhes passa pela cabeça é fantasia pura. Muito parecido com as alucinações provocadas pela LSD[1]. A propósito, a LSD se presta também para servir de exemplo a esse encorajamento que se apossa do indivíduo nessas situações. A LSD é usada na presença do que se denomina “anjo da guarda”, que é a pessoa que vai controlar os impulsos do usuário. Sob os efeitos dela, o usuário pode pensar que é capaz de voar e se jogar do alto de um edifício, ou deter a marcha de uma locomotiva, obstruindo sua passagem com as mãos.
Bill continuou curtindo aquele seu estado emocional e refletindo. Pensou que aquilo deveria ser o Deus dos pregadores, uma realidade que ele não conhecia, nos seus dizeres; sentia-se possuído pelo absoluto, entendia a perfeição do universo e achava que não precisava se preocupar com mais nada, pois sabia que era amado e podia amar em retribuição: “havia vislumbrado o grande além” (L.A., p. 131).
A experiência começou a suscitar dúvidas em Bill que, desconfiado de que tudo aquilo poderia ter sido uma alucinação, solicitou a presença do Dr. Silkworth para ajudar a esclarecer-lhe sobre o ocorrido. Depois de lhe ouvir, e indagado se estava lúcido, o Dr. Silkworth lhe respondeu. Acontece que a resposta que o médico lhe deu está conflitante nos dois livros aqui já mencionados. No livro L.A. está escrito: “‘Sim, meu rapaz, você está lúcido, perfeitamente lúcido, creio eu. Você passou por alguma grande ocorrência psíquica, algo que eu não compreendo. Já li sobre esse tipo de coisa, mas nunca presenciei nenhuma eu mesmo. Você teve ter passado por algum tipo de experiência de conversão’. E prosseguiu: ‘Você já é uma pessoa diferente. Assim meu rapaz, qualquer coisa que possua agora, é melhor se agarrar a ela. Isso é muito melhor do que aquilo que tinha apenas duas horas atrás’”. No livro Alcoólicos Anônimos Atinge a Maioridade, que é de autoria de Bill, está assim registrado: “O Dr. Silkworth me fez muitas perguntas e, depois de alguns minutos disse: ‘Não Bill, você não está louco. Aconteceu aqui algum fato, em nível psicológico ou espiritual. Tenho lido a respeito dessas coisas nos livros. Às vezes as experiências espirituais libertam pessoas do alcoolismo”. Na biografia de Bill, os fatos dessa passagem sobre a experiência espiritual estão colocadas de maneira bem mais enfática, e ainda sobre essa passagem, há um trecho que fala da aquiescência do Dr. Silkworth – como se ele endossasse o fenômeno como sendo uma experiência espiritual. Logo após o Dr. Silkworth ter se pronunciado sobre a misteriosa experiência espiritual de Bill, os biógrafos se expressaram assim: “Vinda de Silkworth, agora uma figura central na vida de Bill, essa avaliação significava tudo, atribuindo uma chancela à experiência de Bill e tornando-a aceitável para a parte de sua mente que questionara longa e obstinadamente a ideia de Deus” (L.A., p. 133). Está claro que os biógrafos ficaram apenas com uma parte da manifestação do médico e simplesmente desconheceram a outra, a que falava da “grande ocorrência psíquica”, num livro, e “fato em nível psicológico”, no outro livro. Em primeiro lugar, parece-nos claro que a sugestão de um acontecimento fantástico ficou a cargo de Bill, e depois é bom antecipar ao leitor sobre o fato de este médico, posteriormente, ter desencorajado Bill a continuar pregando sobre essa sua suposta experiência espiritual. Quando advertiu Bill, ele deixou claro o tom de suspeição sobre ela. Naquela oportunidade, o Dr. Silkworth lhe disse que só estava conseguindo fracassos porque estava pregando aos alcoólicos, e acrescentou com a seguinte frase: “Daí você termina, falando acerca de sua misteriosa experiência espiritual” (Alcoólicos Anônimos atinge a maioridade, p. 59).
Outra observação que sentimos na obrigação de fazer neste exato momento é sobre dois pensamentos que vieram à consciência de Bill, instantes antes de bradar para que Deus se revelasse. Pelo menos é isso que os biógrafos sugestivamente interpretam, porque no livro que Bill escreveu, não existe nada a respeito desse primeiro pensamento, e o segundo segue a mera dedução dos biógrafos. O primeiro, registrado dois parágrafos antes: “Pensou na Catedral de Winchester e no momento que quase acredita em Deus” (L.A., p. 130). O segundo pensamento está no mesmo parágrafo, logo antes do brado messiânico: “Ele havia chegado ao ponto de total esvaziamento – um estado de rendição completa e absoluta” (L.A., p. 130).
No primeiro pensamento, ainda que façam alusão à Catedral de Winchester, os biógrafos não se esqueceram de dizer que foi um acontecimento em que Bill “quase” acreditara em Deus, como se tudo isso fosse uma premonição. No segundo, vemos que tiveram o capricho de colocar os pressupostos do Grupo Oxford e os de William James, de forma inadvertida, para que isso pudesse dar legitimidade à ocorrência da tal experiência, ou seja, de forma a dar a entender que ela ocorreu dentro dos parâmetros previstos pelo Grupo Oxford e por William James. Por todas as omissões e opiniões nada isentas dos biógrafos, e também por todas as manipulações e fatos “arranjados” por Bill, é sensato que se coloquem sob suspeição esses detalhes. Até mesmo a qualidade esplendorosa da alucinação deve ser vista com prudente reserva. Afinal, na hora de fazer o relato, as coisas podem ser arranjadas, para dar a conotação desejada, como Bill fez no caso de Jung, quando arranjou friamente uma das bases do A.A., fato que mereceu toda nossa acuidade, como mostraremos ulteriormente.
Outra nota digna de registro sobre esse total esvaziamento é a rendição completa e absoluta de Bill, condição preconizada pelo Grupo Oxford e por James, para que pudesse ocorrer a conversão (despertar espiritual). Acontece também que essa é a mesma condição a que chega o dependente no seu estágio final do alcoolismo: ele se sente exatamente assim, e nem por isso pensamos que ele está pronto para uma experiência de conversão. Está, sim, prestes a perder a consciência e enlouquecer, e infelizmente é isso o que acontece amiúde. Foi isso que Bill disse pelo menos uma vez, senão mais. O Dr. Bob, em sua última palestra em Detroit (já citada), frisou que foi seu pavor pela loucura e não a experiência espiritual o que o levou a mudar seu rumo. Aliás, essas posições bem opostas entre um e outro eram vistas como características peculiares que os distinguiam. O bom senso e o equilíbrio, de um lado, e o destemperamento faustiano, de outro.
De minha parte, também vivenciei experiência muitíssimo parecida com essa chamada experiência espiritual de Bill e, por boa parte da vida, pensei que também havia vivenciado um estímulo místico, inclusive chegando a narrá-lo nos livros Renascer e Drogas: Evite ou Saia, Não Morra (vide bibliografia), em que o leitor poderá constatar a incrível semelhança. Depois de vários anos de estudos sobre a dependência de álcool, pude verificar que, na verdade, no meu caso, não se tratava de nenhum fenômeno religioso e, sim, de uma sensação provocada por uma crise de euforia e alucinação, associada à Síndrome de Wernicke-Korsakoff. Sobre esta, veremos daqui algumas páginas.
Saliento aqui que a euforia excessiva, como no caso do TBH, é extremamente parecida com as alucinações produzidas pelo delirium tremens, por outros tipos de alucinações, como as provocadas pela cocaína e pelo LSD, e pelos efeitos euforizantes intensos provocados por outras drogas. Aliás, Bill posteriormente, ao usar LSD, ficou muito entusiasmado e afirmou que a droga favorece uma experiência direta com Deus, idêntica à que sentiu no hospital. Sobre isso, veremos mais detalhadamente.
Outra nota a ser registrada refere-se à abordagem que estamos dando ao caso: o que aconteceu a Bill não é nada transcendental, e sim, perfeitamente explicado cientificamente, mas é possível que ele estivesse apenas confundindo ou se aproveitando do acontecimento para urdir outra coisa. No entanto, o próprio leitor, ao final deste trabalho, depois de se inteirar melhor sobre a personalidade de Bill e suas intenções, poderá avaliar se essa história não pode ficar sob suspeição.
De oportuno, citamos aqui dois pensamentos. O primeiro é do consagrado historiador e filósofo escocês David Hume (1711-1776): “Nenhum depoimento é suficiente para estabelecer um milagre, a menos que o depoimento seja de tal natureza que sua falsidade seria mais milagrosa que o fato que ele pretende estabelecer”. O segundo pensamento é do filósofo britânico Thomas Paine (1737-1809): “Jamais vimos, em nosso tempo, a natureza sair de seu curso. Mas temos bons motivos para crer que milhões de mentiras tenham sido contadas no mesmo período. É portanto no mínimo de milhões para um a chance de quem relata um milagre estar mentindo.”


O despertar espiritual de Bill à luz da ciência

Neste capítulo, vamos analisar o que pode ter acontecido na realidade com Bill, no quarto do Towns Hospital, uma vez que temos forte convicção e encontramos evidências gritantes de que a suposta experiência espiritual não tenha passado de mera ocorrência de fenômenos alucinatórios associados ou não a TBH. Tais fenômenos são muito comuns em dependentes de álcool, nas mesmas circunstâncias patológicas de Bill. Ficamos com a hipótese de que a ocorrência foi “em nível psicológico”, ou “alguma grande ocorrência psíquica”, mencionada pelo arguto Dr. Silkworth. Intuímos até que os fatos não passaram despercebidos ao Dr. Silkworth, mesmo porque ele conhecia o delirium tremens, sabia dos efeitos alucinógenos do meimendro e da beladona ele que havia administrado ao paciente, e também porque demonstrou ter competência no trato com os dependentes de álcool e ser uma pessoa de grande visão. O atento médico possivelmente não teria ficado na dúvida comunicada ao Bill e teria sido mais conclusivo em seu diagnóstico, se isto fosse o mais indicado naquelas circunstâncias. Ou bem mais provavelmente, tendo conhecimento do que se passava, não quis se pronunciar, esperando que a transformação ali operada pudesse ajudar o problemático paciente, já que a ocorrência provocou uma intensa reação nele.[1] Lembre que o Dr. Silkworth disse ao paciente: “Você já é uma pessoa diferente. Assim meu rapaz, qualquer coisa que possua agora, é melhor se agarrar a ela”. O delirium tremens já era conhecido naquela época, e o médico com certeza tinha ciência disso. No nosso entendimento, o quadro patológico de Bill comportava, sob vários aspectos, a manifestação de fenômenos alucinatórios e também um pico na crise de euforia, provocado pelo TBH (Transtorno Bipolar do Humor), já que as evidências de Bill ser um bipolar são nitidamente percebidas desde a sua infância. Sobre isso, trataremos agora.


Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool: CID (Código Internacional da Doença)

De acordo com a catalogação efetuada pela OMS, a dependência de Álcool recebeu os CID F10.0 a F10.9, em que estão discriminados os transtornos provocados pelo álcool, para se diagnosticar a doença, conforme abaixo:

CID-F10.0 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool – intoxicação aguda.
CID-F10.1 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool – uso nocivo para a saúde.
CID-F10.2 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool – síndrome de dependência.
CID-F10.3 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool – síndrome (estado) de abstinência.
CID-F10.4 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool – síndrome de abstinência com delirium.
CID-F10.5 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool –
transtorno psicótico.
CID-F10.6 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool –
transtorno amnésica.
CID-F10.7 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool –
transtorno psicótico residual ou de instalação.
CID-F10.8 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool – outros transtornos mentais ou comportamentais.
CID-F10.9 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool –
transtorno mental ou comportamental não especificado.


CID-F10.0 e CID-F10.5

Detalharemos apenas os CIDs F10.0 e F10.5, que no momento nos interessam aqui neste trabalho.


CID-F10.0

O CID-F10.0 – Transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool
– intoxicação aguda: os critérios de diagnósticos de intoxicação estão baseados nas evidências recentes de ingestão pelo álcool, com alterações de comportamento mal adaptativas, sinais de comprometimento neurológico, lentificação psicomotora, prejuízo na coordenação e julgamento, labilidade do humor e déficit cognitivo.
No caso desse CID, cremos que não há nenhuma dúvida quanto à identificação do estado de Bill, porque, como tivemos a oportunidade de ver, ele apresentava as evidências de recentes ingestões de álcool, uma vez que em seus depoimentos escritos e pela biografia, Bill só não vinha bebendo muito nos últimos dias, como também chegou ao hospital bêbado e portando uma garrafa nas mãos. Também ficaram verificados inúmeros itens que evidenciavam alterações de comportamento mal adaptativas, principalmente motivados pelos desentendimentos com as pessoas, brigas e condutas desajustadas. Em vários momentos ficaram registrados os sinais evidentes de comprometimento neurológico, lentificação psicomotora, prejuízo na coordenação e julgamento, labilidade do humor e déficit cognitivo, principalmente nos períodos pré-internação, quando estava bastante confuso, cometendo atos desatinados. Ele mesmo se revelou ao dizer que estava prestes a ficar louco e com ideações suicidas. No caso de Bill, notam-se com facilidade as exaltações (e alterações) do humor, a aceleração do pensamento, as ideias de grandiosidade e as agitações psicomotoras. A literatura científica fala que, embora haja aceleração do pensamento (sensação de que os pensamentos fluem mais rapidamente), fica a incapacidade de dirigir a atividade para metas definidas, ou seja, embora verifique aumento da atividade, a pessoa não consegue ordenar as ações para alcançar objetivos precisos (Del Porto, 2006: www.unifesp.br/dpsiq/polbr/ppm).
Também aconteceram os alertas médicos, principalmente na penúltima vez que Bill se internou, quando o Dr. Silkworth sugeriu a Lois, sua esposa, que o trancasse para sua própria segurança. O médico também a teria advertido advertência que, se continuasse daquele jeito, Bill não duraria mais um ano de vida.


CID-F10.5

E a seguir vem o CID-F10.5 – Transtorno psicótico: é um conjunto de manifestações afetivas, psicóticas, com quadro delírio-alucinatório, falsos reconhecimentos e transtornos psicomotores, que ocorrem durante ou imediatamente após o uso prolongado de álcool. O quadro alucinatório, antigamente conhecido como alucinose alcoólica, pode seguir a um episódio de delirium.
Quanto a este CID (transtorno psicótico), também ficam evidentes suas manifestações no quadro de Bill, mas vamos nos ater ao delírio-alucinatório, ou, como era chamado, alucinose alcoólica, uma vez que ele está diretamente ligado, ou confundido, com a tal experiência espiritual e exige maiores explicações para bom entendimento do leitor. Ainda para maior esclarecimento, reafirmamos que a alucinação alcoólica ocorre em seguida à manifestação do delirium tremens.


Pressupostos básicos para a manifestação de alucinações

A princípio, não fica difícil entender que a situação de Bill era francamente favorável à manifestação desse transtorno, mas conhecer os mecanismos pelos quais eles concorrem para compor o quadro facilita sobremaneira a compreensão dos fatos à luz da razão e da realidade, desmistificando a auréola que envolve o caso do Bill.
Dissemos que a situação de Bill favorecia o aparecimento desse transtorno delírio-alucinatório. Tanto é verdade que ele já havia sido acometido pelo tal transtorno anteriormente, só que com outros contornos. Vamos lembrar novamente uma passagem, por ocasião da segunda internação de Bill, quando ele disse (L.A., p. 114): “À noite, eu me enchia de terror porque a escuridão era infestada por coisas rastejantes. De dia, ocasionalmente, imagens estranhas dançavam pelas paredes”. Eis aí a primeira manifestação, clara e inequívoca, do delírio-alucinatório, que neste caso é um delírio persecutório. O que houve depois, na última internação, foi apenas a recorrência do fenômeno, só que em vez de zoopsias, houve alucinação onírica, visual, e nesta ocasião, o objeto alucinado foi a luz, seguido pelas visões de sua infância.
Outra observação importante que deixamos aqui é que são muito comuns essas manifestações em dependentes de álcool em estágio adiantado da doença, sendo frequentes suas constatações na literatura médica e em relatos clínicos, e Bill não seria uma exceção, nem tampouco vítima de um acontecimento raro. Quantos e quantos casos contados por dependentes, que alucinaram com bichos ferozes ou não, escondidos embaixo da cama, subindo pelas paredes, ou ainda, que alucinaram com sons, imagens e luzes. O sistema nervoso central de todos os dependentes em fases adiantadas da doença encontra-se lesado e/ou demente – em suma, bastante afetado -, o que propicia delírios e alucinações. É também muito comum nessa circunstância o acometimento da síndrome de Wernicke-Korsakoff, em que o paciente fica confuso e com afetações graves de memória. Veremos mais sobre esta síndrome no capítulo “A doença”. No livro O Alcoolismo, de Ronaldo Laranjeira e Ilana Pinsky, é dito que devido a alguma doença ou porque a pessoa efetivamente decidiu parar de beber, os sintomas da síndrome de abstinência podem se intensificar. “Cerca de 60% dos pacientes não necessitam de tratamento específico para esses desagradáveis sintomas, somente repouso, hidratação e comida leve. Para 40% deles, os sintomas pioram muito, podendo produzir três tipos distintos de complicação: convulsões, delirium tremens e alucinose alcoólica” (Laranjeira e Pinsky, 1997, p. 28). É muito importante dizer que Bill estaria sujeito ainda a ter alucinações provocadas pelos barbitúricos Meimendro e Belladona, que lhe foram administrados pelo Dr. Silkworth. Além do delirium tremens e da Síndrome de Wernicke-Korsakoff, as alterações comportamentais provocadas pelo TBH também devem ser levadas em consideração. Bill poderia ter sido acometido por um ou mais desses transtornos, ou até por todos eles concomitantemente.
No que diz respeito às alucinações visuais, de acordo com a moderna concepção psiquiátrica (porque até recentemente se falava em percepção sem objeto), explica-se “porque percepção sem objeto, em verdade, não existe. Toda percepção é sempre percepção de algo e implica forçosamente direção para um objeto (Amaral, 2007). Se a percepção é um fenômeno sensorial que inclui um objeto estimulante e um sujeito receptor (!), como falar em percepção sem objeto? Eis um desafio conceitual que a patologia mental coloca à psicologia do normal (Dalgalarrondo, 2002). Este vem a ser, em última análise, o seu conteúdo perceptivo empírico que, apesar de falso ou irreal, representa um dado imediato de consciência”. Esclarecido esse pormenor técnico, de qualquer forma, as alucinações visuais, são imaginação de coisas sem que elas existam de fato. “O indivíduo tem uma convicção inabalável quanto à existência do objeto alucinado, pois ele é percebido mais nitidamente do que objetos reais, conforme já havíamos dito anteriormente. E isso, com um detalhe muito importante: o conteúdo das alucinações é extremamente variável, porém guarda sempre uma íntima relação com a bagagem cultural do paciente que alucina” (psiqweb.med.br/alucin.html). É impossível alucinar com algo que não pertença ao mundo psíquico do paciente.
Então, no caso do Bill, alguns dos elementos psíquicos ele mesmo revelou-nos em seus escritos, como por exemplo, a montanha que aparece na alucinação: “nasci à sombra de uma montanha chamada Aeolos. Uma de minhas primeiras recordações [veja a fixação sobre ela que ele levou pela vida afora] foi quando eu estava observando aquela enorme e misteriosa montanha e me perguntando o que ela era e se algum dia eu subiria tão alto”. Logo adiante, ele afirma: “comecei a desenvolver uma grande vontade de vencer. Decidi ser o homem Número Um”. Calcule a importância dessas reminiscências para Bill, que se tornou o A.A. número um e buscou obsessivamente se destacar e galgar a escala social. Outra coisa importante é o que ele diz sobre a alucinação: “pareceu-me com os olhos de minha mente”. Há correspondência com as chamadas “alucinações extra-campinas”, que, conforme relatos científicos, são visões em que o paciente consegue ver cenas fora do seu campo sensorial, como enxergar do lado de fora da parede (psiqweb). Possivelmente há ainda um vasto repertório de Bill que ele não disse, mesmo porque muitos deles seriam praticamente impossíveis de ser explicados objetivamente, como foi o caso do evento em Newport, quando estava com Lois, pouco tempo antes de embarcar em missão de guerra (L.A., p. 62), e noutra ocasião, na Catedral de Winchester. Em Newport, do alto da colina com vista para o mar, ele narrou: “Ela e eu olhávamos para o horizonte, cismando. O sol estava apenas se pondo e falamos do futuro com alegria e otimismo. Naquele lugar, senti os primeiros lampejos daquilo que eu perceberia mais tarde como sendo uma experiência espiritual... Nunca me esquecerei”. Veja como Bill associa sem nenhuma dificuldade a percepção e sensação que ele teve ali ao lado da esposa com a mesma sensação que sentiu na dita experiência espiritual. Na catedral de Winchester foi relatado assim: a atmosfera se impôs tão profundamente sobre ele que provocou uma espécie de êxtase, acionado e agitado por uma “tremenda sensação de presença”. “Durante um breve momento, precisava e queria Deus. Havia uma humilde vontade de tê-lo comigo – e Ele veio”. Aqui, igualmente, ele distingue a sensação que teve na ocasião como a mesma que ele percebeu no quarto do hospital. Em ambas as situações, ele as invocou e testemunhou como sendo a presença de Deus.
Oportuno dizer aqui do trabalho do Dr. Oliver Sacks, sobre essa sensação de presença de Deus narrada por Bill. Este conceituado cientista chama isso de epifania religiosa provocada por alucinação. Segundo o Dicionário Houaiss, um dos significados de “epifania” é o aparecimento ou manifestação reveladora de Deus ou de uma divindade. Sacks é um dos maiores neurologistas da atualidade e publicou recentemente o livro Mentes Assombradas, em cuja sinopse (facilmente encontrada na internet) revela-se que o cientista se interessou pessoal e profissionalmente pelas chamadas drogas psicodélicas, os alucinógenos, na década de 60, associados aos estudos da enxaqueca, temática que o levou, até os dias de hoje, a pesquisar sobre este interessante campo do conhecimento. Nestes estudos ele relata como as alucinações permitem desvendar a organização e a estrutura de nosso cérebro, e como elas influenciam a cultura, o folclore e a arte. Sacks revela que o potencial para a alucinação reside em todos nós e é parte essencial da condição humana. O estudioso afirma que as alucinações estão frequentemente ligadas a privações sensoriais, intoxicações, doenças ou lesões. Por mais esta contribuição científica, de um perspicaz estudioso, entendo que o folclore criado em torno da epifania religiosa de Bill ficou muito bem conhecida da ciência.
Como ficou demonstrado, o mundo psíquico de Bill estava ricamente abastecido de elementos que compuseram as alucinações, estando plenamente coerente com a afirmação de que “não é possível alucinar com algo que não pertença ao mundo psíquico do paciente”.
Além dessas passagens que fazem parte da “bagagem cultural e psíquica” de Bill, encontradas nos relados dele mesmo e em sua biografia, deveria haver ainda outras tantas passagens, acontecimentos, fatos e reflexões, e provavelmente até mais, se formos analisar a criação de Bill pelos avós, a região em que nasceu etc. Além do avô paterno, que encontrara a religião num despertar religioso e nunca mais bebera, deveria haver no âmago de Bill um vasto repertório de imagens. Também haveria as experiências de conversão religiosa de seus demais parentes (e talvez da sua própria, uma vez que há a omissão da religião em sua biografia) no recôndito de sua mente.
Desta forma, entendemos que Bill foi “programado” para passar por aquela alucinação, e tanto isso é evidente, que seu último pensamento antes que ela acontecesse foi expressa na frase: “Se é que Deus existe, que Se revele!” Estava tudo meticulosamente preparado, tanto no nível objetivo quanto no inconsciente de Bill. Nos mínimos detalhes, vemos que tudo aconteceu como em uma “construção”, em que cada tijolo é cuidadosamente colocado em seu devido lugar. Ele estava preparado para esta ocorrência triunfal, para essa iluminação, para essa experiência de conversão, para esse despertar espiritual, para essa delirante realização de quem tinha planos megalomaníacos. Em nível objetivo, encontramos mais de uma afirmação sobre sua capacidade de planejar e prever os acontecimentos. Ele mesmo comentou que uma das coisas que mais o agradavam era estudar e planejar um acontecimento e depois se extasiar com sua comprovação. Depois foi seu amigo Tom, que dizia que Bill não só planejava detalhadamente, como também só pensava alto. Por fim, na página 273 de sua biografia (L.A.), podemos encontrar a seguinte sentença: “Com a sua característica capacidade de previsão (ele estava sempre olhando para frente), Bill não só havia esperado que aquilo acontecesse como também havia se preparado antecipadamente para aquela situação”. Não se pode descartar ainda que, depois dos acontecimentos, esses eventos fossem justapostos para fazer o sentido que ele queria dar a entender.
É importante frisar algumas observações de Russ, um destacado membro de A.A., da absoluta confiança de Bill, tendo inclusive morado em sua casa de por mais de um ano. Disse Russ: “Naqueles dias, os argumentos de Bill nem sempre se sustentavam. Ele tinha um ego imenso. A maioria de nós era egoísta, mas ele o era tão tenazmente que, se desejasse alguma coisa, essa coisa virava verdade. Bill começava pela conclusão. [...] Ele partia de uma premissa falsa e seguia passo a passo um raciocínio lógico até chegar à conclusão da qual partira’. Embora fosse muito mais esperto do que a maioria das pessoas, Russ afirmava que ele ‘ficava perdido’ quando queria algo intensamente, tornando-se disposto a ‘desviar um pouco as coisas’” (L.A., p. 180-181).
Outro destaque que julgamos de suma importância são observações feitas pelo repórter do Post, Jack Alexander, que gozava de grande reputação nacional. A princípio, Alexander foi investigar Alcoólicos Anônimos, intrigado por que a instituição “tinha relação tanto com a religião quanto com Rockefeller” (L.A., p. 269). Jack acabou se tornando um grande divulgador do A.A. e até chegou a ser um dos Custódios da irmandade. As duas citações que fazemos em seguida estão às páginas 269 e 270 do livro L.A.: “É um tipo que desarma qualquer um e é especialista em doutrinar, usando a psicologia, a psiquiatria, a fisiologia, a farmacologia e o folclore do alcoolismo”. “A percepção inicial de Alexander era correta: Bill era cândido, mas sua candura nada tinha de ingenuidade ou de estupidez; era proposital e atingia seus objetivos.” Ou seja, Bill era um emérito manipulador com inegável talento de ator. Prestem bem a atenção que estas observações sobre a personalidade de Bill não vieram de críticos ou de irados detratores, mas de colaboradores dignos de respeito e credibilidade.
Um detalhe em particular também é intrigante e chama-nos a atenção: antes de ele gritar “Se é que Deus existe, que se revele!”, houve a seguinte afirmação: “Sem nenhuma fé ou esperança, ele gritou”. Essa afirmação contradiz o que normalmente os teólogos discorrem sobre quando acontece um milagre: a ideia de que é preciso a fé para que ele aconteça. Sintetizamos nossas pesquisas a respeito de tão polêmico assunto com uma frase que encontramos frequentemente nos tratados teológicos consultados: a fé é uma exigência básica para se obter uma cura milagrosa. Aliás, nesse sentido, Bill contrariou os interesses e pensamentos de muita gente ligada a seitas e religiões, despertando-lhes a ira, primeiro, por não os ter satisfeito em suas doutrinas, e segundo, porque se sabe que está exatamente na fé a causa que produz o inusitado.
O milagre afiançado por Bill foge completamente à construção descritiva teológica que as religiões e os teólogos apresentam: da maneira como foi colocado, ele quer sugerir que o milagre (a manifestação de Deus) teria acontecido sem fé – portanto sem se acreditar –, como se ele viesse de algum outro lugar, obedecendo a um mecanismo desconhecido e pré-determinado.
Ainda quanto à alucinação, segundo G. J. Ballone (2006), “os enfermos delirantes são capazes de discorrer com uma lógica impecável, não se tratando de perturbação no juízo já formado, mas de algo que precede a formação desses juízos”. E aqui, novamente o achado científico cabe como uma luva para o caso de Bill.


CID-F10.3: Síndrome de Abstinência do Álcool

Voltemos aos transtornos provocados pelo uso do álcool, no que se refere à síndrome (estado) de abstinência, CID-F10.3. O termo Síndrome de Abstinência do Álcool (SAA) foi proposto por Edwards & Gross (1976), dentro do conceito síndrome de dependência do álcool, e se refere aos sintomas e sinais da reação do organismo dependente à falta de álcool. Ela se dá quando uma pessoa em estado adiantado de dependência e bebendo seguidamente durante um longo tempo de repente para de beber ou reduz consideravelmente a quantidade que bebia regularmente. Portanto, ela se inicia logo depois que o indivíduo parou de beber[1], e normalmente os sinais e sintomas mais comuns são: calafrios, sudorese, tremores – principalmente nas mãos –, insônia, anorexia, dores generalizadas, disfunções intestinais, câimbras, náuseas, vômitos, confusão mental, formigamento nas extremidades dos membros, taquicardia, irritabilidade, aumento da pressão arterial, febre, disforia (ansiedade, depressão e inquietude), aumento da frequência respiratória, alucinose alcoólica (alucinações ou ilusões visuais, táteis ou auditivas, transitórias), e até delirium tremens, que é a forma mais grave da síndrome de abstinência. Pode haver risco de morte se o indivíduo for acometido por convulsões, pois há relatos sobre essa possibilidade. O delirium tremens, quando aparece, surge de dois a quatro dias após a ingestão do último gole.
Os sinais e sintomas da Síndrome de Abstinência, associados ou em parte deles, persistirão por seis a oito semanas, em sua maioria. Alguns levam mais tempo, sendo contadas experiências de prevalescências de até um ano, mas nesses casos, apenas um ou dois sinais persistem e vão se abrandando com o passar do tempo.
No caso da dependência de álcool, são comuns dois tipos de alucinações: 1) a alucinose alcoólica, que é transtorno da percepção que se instala em consequência do estado crítico do paciente. Ela pode acontecer quando ele está plenamente consciente, inclusive com capacidade de entender e de criticar o que está se passando com ele, ou então pode acontecer quando o indivíduo parou de beber há algum tempo. Essas alucinações podem ser auditivas e verbais; e 2) as alucinações provenientes do delirium tremens. Neste segundo caso, o transtorno ocorre na fase de abstinência e inicia-se normalmente setenta e duas horas após o início da abstinência, embora possa aparecer até sete dias após esse início. São comuns alterações da cognição (processos mentais de conhecimento, percepção e raciocínio), da memória e da atenção, bem como desorientação têmporo-espacial, em que as alucinações visuais aparecem com frequência. Ocorrem também as zoopsias (visão de animais). Especialistas informam que se deve suspeitar que haja delirium tremens em todos os casos de SAA em que o paciente tenha agitação, pressão arterial acima de 140/90mm, frequência cardíaca maior que 100 bpm e temperatura acima de 37°. O tratamento usualmente é feito com benzodiazepínicos, o que pode representar riscos bem maiores que os benefícios, devido à interação de substâncias psicoativas[1]. Embora grande número de casos não seja diagnosticado, o número de óbitos é elevado, variando de 5% a 15% dos casos (Maciel e Kerr-Correa, 2004). O medicamento referenciado inexistia à época de Bill, que foi tratado com beladona e meimendro 20, hoje vistos com reservas, uma vez que são drogas perigosas – na interação com álcool são explosivas – e ainda usadas para distúrbios convulsivos e na indução de anestesia geral.


Transtorno Bipolar do Humor

O Transtorno Bipolar do Humor, ou simplesmente TBH, também conhecido como Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), até pouco tempo atrás, era chamado de Psicose Maníaco-depressiva (PMD). Atualmente a forma mais adequada (embora não seja a mais usada) para se referir a ele é Espectro Bipolar. Trata-se de uma doença que se caracteriza por alterações no humor ou no afeto, com episódios de euforia, seguidos por episódios de depressão ao longo da vida. Na euforia, temos agitação psicomotora, ansiedade, insônia, discurso e pensamentos acelerados com fugas de ideias, anorexia, irritabilidade, impulsividade, ideias de grandeza, aumento das atividades produtivas ou prazerosas, aumento da libido, prejuízo da crítica e juízos expressos fora da realidade. Ainda segundo Ballone, pode-se considerar: autoestima inflamada, grandiosidade, sensação de ser mais e melhor que os outros e, algumas vezes quando tem delírio, reconhecendo ser predestinado a alguma coisa muito importante. Na fase depressiva, verifica-se a presença de melancolia, com perda de prazer e interesse pelas atividades rotineiras, lentificação psicomotora, perda de energia, pensamentos negativos e ideação suicida.
Embora seja uma doença de ordem psiquiátrica complexa, com quadro clínico variado, sua forma clássica tem sido facilmente diagnosticada com sintomatologia mais consistente ao longo da história da psiquiatria. As alterações, ou ciclos dos episódios de humor, são bem caracterizadas. Até recentemente, aceitavam-se as classificações do TBH dos tipos I e II, mas com a moderna concepção do Espectro Bipolar, as variações estão sendo estendidas para os tipos III e IV, e correspondem à intensidade das alterações do humor, ou afeto, como preferem uns.
A Dra. Giuliana Cividanes, autora do primeiro trabalho brasileiro que analisou a associação do TBH com transtorno por uso de álcool, afirma que no período de euforia, os indivíduos dificilmente são controlados, mas depois se sentem abalados, ao perceberem o que aconteceu. Cividanes publicou, em colaboração com R. Laranjeira e M. Ribeiro, um trabalho na Revista de Psiquiatria Clínica, em que afirma que o uso de substâncias psicoativas por dependentes de álcool é extremamente comum e mais frequente do que o observado na população geral (Kessler, 2004), mesmo quando o consumo de álcool e/ou drogas é considerado de baixo risco ou moderado. (ver: www.scielo.br/scielo.php?pid).
Nesse sentido, “um aspecto altamente relevante é que é frequentemente difícil saber em pacientes com transtornos de humor mono ou bipolares, persistentes ou não, com episódios maníacos, depressivos ou mesmo distimia, quando tais transtornos são causa ou se os sintomas apresentados são consequências do uso ou da dependência de álcool” (Seibel e Toscano Jr., 2000).
O célebre astrofísico Carl Sagan, já falecido, também nos dá sua valiosa colaboração sobre TBH e efeitos do álcool, e até atiça nossa curiosidade em pesquisar sobre outras substâncias, como as endorfinas e encefalinas, para o caso dos dependentes. “Todos nós, é claro, sabemos que o comportamento é modificado pelas moléculas. Seres humanos no mundo todo já tiveram experiências com substâncias como etanol, que certamente produziram mudanças no comportamento, nas atitudes e na percepção do mundo. Sabemos que tranquilizantes também fazem isso. Mas analisemos um caso bem específico, o da síndrome maníaco-depressiva. É uma doença terrível. O maníaco-depressivo oscila entre dois extremos, e para mim é difícil dizer qual é o mais apavorante: o mais profundo desespero e uma exaltação enlevada em que tudo parece possível – a ponto de muitas vítimas dessa doença, quando estão no extremo maníaco do pêndulo, acreditarem ser Deus. E obviamente é uma coisa incapacitante. [...] Não só o etanol, mas a cafeína, os cogumelos, as anfetaminas, o tetraidrocanabinol e outros canabinóis, a dietilamida do ácido lisérgico – conhecida como LSD – os barbitúricos, a clorpromazina. É uma lista enorme. Isso levanta algumas dúvidas: seriam todas as emoções humanas até certo ponto determinadas por moléculas? Se uma molécula externa ingerida é capaz de mudar o comportamento, será que não existe alguma molécula interna comparável que possa mudar o comportamento? É um campo em que tem havido grandes avanços. Estou falando sobre as encefalinas e as endorfinas, que são pequenas proteínas do cérebro” (James, 1986, p. 198-200)
Qualquer pessoa dotada de um mínimo de raciocínio pode compreender perfeitamente que o conjunto dos fenômenos psíquicos apresentados por Bill se identifica cabalmente com os achados científicos pertinentes. E entre aqueles (religiosos e teólogos) que acreditam em milagres, e em intervenções divinas, a história de Bill é incongruente com suas crenças e dissonante com as doutrinas cristãs.




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